Início » FAPAS e ZERO querem “áreas para a vida selvagem” e compensações para municípios e comunidades locais
No dia em que se assinala a Vida Selvagem a nível mundial, instituído pelas Nações Unidas, o FAPAS e a ZERO aproveitam para realçar a necessidade de investimento na conservação da biodiversidade e dos ecossistemas em Portugal de forma a gerar mais emprego e melhor qualidade de vida. E como? Fomentando o bom estado dos ecossistemas que nos providenciam serviços como, por exemplo, o acesso a água potável ou a regulação do clima. Esta intervenção reveste-se de particular interesse para as regiões mais desfavorecidas do interior do país, no ano em que o lema escolhido sugere a missão: “O Futuro da Vida Selvagem está nas Nossas Mãos!”.
Sem prejuízo de continuar a gestão para a conservação da biodiversidade nas “tradicionais” Áreas Protegidas, chegou o momento de adotar uma nova filosofia de valorização de outras áreas, com baixo valor económico mas com elevada aptidão para a conservação. Esta filosofia assenta na transformação destas áreas em novos espaços protegidos, nos quais a intervenção humana seja mínima e desta forma promova os processos naturais como os principais responsáveis pela dinâmica da paisagem e dos ecossistemas.
Embora as nossas paisagens sejam em grande medida o resultado de milhares de anos de humanização e da influência desta sobre os processos ecológicos, as atuais tendências demográficas e socioeconómicas têm levado ao crescente despovoamento do território e consequente abandono agrícola[1], que dificilmente poderá ser revertido com políticas públicas.
Sugere-se pois uma abordagem mais proactiva e que promova a resiliência e sustentabilidade do território português. Esta abordagem permitiria a criação de oportunidades para capacitar uma nova geração de jovens cuidadores da paisagem, da biodiversidade e dos ecossistemas no interior. Desta forma, os trabalhos de renaturalização e aproveitamento sustentável dos recursos resultariam na criação líquida de milhares de postos de trabalho, havendo contudo que compensar economicamente e de forma significativa os Municípios e as comunidades locais que hoje estão a perder população, e que já incluam um espaço geográfico inserido em Áreas Classificadas ou com potencial de renaturalização para criação das denominadas áreas para a vida selvagem (wilderness).
São áreas isoladas, onde o acesso e influência humana é, em regra, limitado. Constituem áreas com uma dimensão de pelo menos 2.000 hectares pouco poluídas e/ou alteradas (por infraestruturas de produção e transporte de energia, vias de comunicação, edificações, indústrias extrativas, pastoreio desregrado), e que mantêm grande parte das suas características originais e naturais, deixando que os processos ecológicos se desenvolvam sem intervenção humana, e com elevada aptidão para a vida selvagem e para a promoção de serviços de ecossistema[2]. De facto, os benefícios gerados por estas áreas são muito elevados, atendendo à importância e variedade de serviços de ecossistema gerados, nomeadamente o fornecimento de água potável em quantidade e em qualidade, a proteção do solo, a regulação do clima ou a regulação do ciclo da água e dos nutrientes.
Adicionalmente, a renaturalização de vastas áreas do território, através da redução da intervenção humana, é fundamental para preparar a potencial chegada ao nosso país do Urso-pardo (Ursus arctos arctos) ou para consolidar a população do Lobo-ibérico (Canis lupus signatus). Para que tal aconteça, advoga-se:
A reconfiguração da Rede Natura 2000 no território terrestre continental – de forma ponderada e sem aumentar a área atualmente classificada, através da redução da área de alguns Sítios de Importância Comunitária (SIC), do aumento da área de outros (incluindo a criação de áreas disjuntas) e da definição de novos Sítios de Interesse Comunitário (SIC), por forma a completar e a melhorar a coerência da Rede.
A revisão do Regime Florestal (datado da primeira década do século XX!), impondo que a gestão das áreas seja afeta à prossecução do interesse público – de forma a garantir a manutenção e o incremento do fornecimento de serviços de ecossistemas, em detrimento de uma lógica extractivista e de degradação dos solos.
A reformulação da lei dos Baldios, para cumprir objetivos comuns de conservação da natureza e apoio a atividades sustentáveis das comunidades locais.
De salientar que a abordagem proposta e relativa à compensação dos Municípios não é propriamente nova, apenas se exige a efetiva e imediata aplicação do Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais (vulgo Lei das Finanças Locais). A Lei das Finanças Locais constitui uma legislação de discriminação positiva que continua estranhamente sem ser aplicada, prejudicando as populações locais das regiões mais desfavorecidas que são penalizadas por regras necessárias mas inibidoras de determinadas atividades económicas nos territórios onde vivem.
Juntando alguns dos fundos comunitários (designadamente os destinados ao Desenvolvimento Local de Base Comunitária) a este justo acréscimo de receita para os Municípios, estariam criadas as condições necessárias ao surgimento de novas atividades e negócios compatíveis com a conservação da biodiversidade e dos ecossistemas, designadamente a criação de infraestruturas verdes bem como a produção e comercialização de produtos locais e dos serviços existentes, uma promissora atividade económica que poderá ser fortemente potenciada pela Marca Natural.PT, um mecanismo de organização da oferta e de promoção dos territórios já existente.
A Associação Transumância e Natureza (ATN) tem em curso um programa de apoio aos processos de renaturalização em áreas abandonadas nos vales dos rios Côa e Águeda (Faia Brava). O programa é conduzido através da minimização da gestão ativa da paisagem e da reintrodução de herbívoros semissilvestres (cavalos, vacas) e silvestres (corço, cabra-montês). O programa contempla também a criação de sistemas seminaturais de pastoreio, prevendo-se que o controlo de matos, a fertilização do solo, e, através da abertura de clareiras e zonas de pastagem natural, aumente a disponibilidade alimentar para espécies-chave, como o coelho-bravo. Este projeto faz parte da iniciativa europeia “Rewilding Europe” (em português: “Renaturalização da Europa”), que prevê renaturalizar 1 milhão de hectares de paisagens europeias, criando 10 áreas de excelência para a vida selvagem até 2020.
Um outro exemplo pode ser apontado para o Parque Nacional da Peneda-Gerês que obteve, em 2008, a certificação PanParks. Esta certificação incluía atualmente outros parques Europeus que preenchem requisitos, tais como possuir uma extensa área (não inferior a 20.000 hectares), integrar uma zona sem intervenção humana (com uma área mínima de 10.000 hectares), possuir um plano de gestão de visitantes, e implementar uma estratégia de forma participada para o desenvolvimento do turismo sustentável.
Para que uma iniciativa com este alcance possa vingar, é fundamental que a autoridade nacional em matéria de conservação da natureza e da biodiversidade se envolva ativamente, até porque uma parte significativa das áreas potenciais a renaturalizar já se situa em Áreas Classificadas (Áreas Protegidas, Rede Natura 2000, Sítios Ramsar). Estimativas da ZERO e do FAPAS, com base em trabalhos científicos disponíveis, apontam para que a área potencial de wilderness em Portugal seja de cerca de 14.000 km2, sendo que sensivelmente metade deste valor já se situa em Rede Natura 2000.
2.000 hectares é a superfície mínima para ser ponderada como área wilderness.
285 entidades aderiram à Marca Natural.PT.
22.000 Km2 é a área ocupada pela Rede Natura 2000 em Portugal, cerca de 21% do território nacional.
30 quilómetros é a distancia da fronteira portuguesa em relação ao local onde foi feito o último avistamento de um Urso-pardo em Outubro de 2015.
47 é o número provável de alcateias de Lobo-ibérico existentes em Portugal.
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1Cruz, A.G. (2005) Áreas Wilderness para a conservação de Vida Selvagem. Dissertação para acesso à categoria de Investigadora Auxiliar, Instituto Geográfico Português, Lisboa.
Gama, M (2010) Conservação da Natureza do Parque Nacional da Peneda-Gerês. Fapas, Porto, 46 p.
[2] Gomes, I. (2007) Valorização da Biodiversidade na Definição de Prioridades de Ordenamento no Parque Nacional da Peneda-Gerês. Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Georrecursos. Instituto Superior Técnico, Lisboa.
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