Início » Crise económica, sanitária e ambiental: as soluções propostas pelas Organizações de defesa do ambiente para a Presidência Portuguesa da UE
Portugal irá assumir a presidência da União Europeia durante a maior crise económica e sanitária da sua história. A retoma económica será o principal desafio, mas será também a primeira oportunidade de uma economia alinhada com o compromisso assumido no Acordo de Paris.
Para as Organizações de Defesa do Ambiente GEOTA, LPN, Quercus e ZERO, a criação de valor tem de se dissociar do uso e depleção dos recursos naturais, rumo a uma sustentabilidade forte que assegure a neutralidade carbónica a tempo de travar o aquecimento global acima dos 1.5 ºC. A infraestrutura verde tem de ser a alternativa a investimentos cinzentos, através da aposta em soluções de base natural (nature based solutions) essenciais para o uso sustentável da água e do solo, assim como a recuperação e proteção dos sumidouros de carbono, como as Florestas, Rios e Oceanos.
A Europa e Portugal irão falhar se o erário público for novamente investido em betão e na recuperação de modelos económicos do passado.
I) Recuperação económica durante e pós-COVID-19
Apesar de representar menos de 1% do PIB Europeu, o orçamento da UE é o instrumento financeiro mais importante das instituições da EU [1]. Devido ao seu peso político, tem o potencial de impulsionar investimentos necessários aos municípios, governos e setor privado. Por isso, mais do que critérios de aplicação, é necessário definir uma visão de futuro compatível com os compromissos ambientais assumidos com as gerações vindouras. O orçamento da UE deve impulsionar o Pacto Ecológico Europeu como medida de recuperação pós-Covid-19.
O investimento na neutralidade climática impulsionará a criação de empregos qualificados e com futuro, fornecerá um estímulo económico, promovendo simultaneamente a inovação, a requalificação e a transformação sistémica da economia. Destaca-se o investimento em soluções baseadas na natureza, com destaque na zona Mediterrânica para o seu uso como meio de redução de necessidades de água. Estes investimentos devem incluir também o restauro de ecossistemas que atuam como sumidouros naturais, assegurando a compensação carbónica e o aumento de resiliência a cenários de seca e cheias extremas. A adaptação às alterações climáticas precisa ser uma parte essencial tanto da estratégia de adaptação climática da UE como da recuperação económica. Promover as medidas necessárias para alcançar uma economia circular e de balanço nulo no uso de recursos será essencial para reduzir a poluição, diminuir custos de produção e aumentar a competitividade.
O sector energético afigura-se como um dos de maior relevo. É essencial descarbonizar através da promoção de investimentos num sistema de produção e consumo de energia livre de combustível fóssil, incluindo a indústria, edifícios, transporte, agricultura e infraestrutura de produção e distribuição. Para além de ganhos de produtividade e competitividade significativos, a aposta na poupança de energia tem outros benefícios importantes: apresenta impactes ambientais mínimos (comparado com qualquer fonte de eletroprodução), gera emprego ao nível do fabrico e instalação de equipamentos, e, em matéria de segurança do abastecimento e gestão da rede pública, equivale à diversificação e substituição das piores fontes atuais (designadamente os combustíveis fósseis).
II) Neutralidade climática em 2040: mais tarde já vai tarde
É preciso e possível haver maior ambição nas metas traçadas para que a principal de todas seja atingida: a de conter o aumento da temperatura global, responsabilidade assumida no Acordo de Paris. Urgimos que haja uma lei climática europeia forte e ambiciosa, que vise a neutralidade climática até 2040, o mais tardar, e não 2050, como assumido durante a Presidência Finlandesa. Paralelamente, é necessário aumentar a meta de redução de emissões de Gases de Efeito de Estufa para pelo menos 65% até 2030, a eficiência energética para pelo menos 45%, e pelo menos 50% de energia renovável de origem sustentável até 2030, cada um essencial para alcançar a neutralidade climática.
As mesmas políticas devem ser asseguradas à escala nacional. O potencial de poupança com o investimentos em eficiência energética em Portugal, rentáveis a cinco-seis anos, rondam os 30% dos consumos [2]. Uma análise recentemente realizada pela Rede Europeia de Ação Climática (CAN) [3] aos Planos Nacionais de Energia e Clima (PNEC) dos estados-membros da União Europeia, corroboram a falta de investimento na eficiência. Apesar dos objetivos estabelecidos para 2050, a aposta relativamente positiva nas energias renováveis e o fim antecipado do carvão, há uma ausência de medidas em termos de eficiência energética e continua a haver subsidiação de combustíveis fósseis.
Urgimos a que se adote o princípio de “eficiência energética em primeiro lugar” na implementação para garantir soluções eficazes em termos de custos que, inter alia, devem também apoiar o valor acrescentado da utilização do financiamento da EU.
Será importante assegurar o uso sustentável da biomassa, em especial à gestão dos conflitos de usos, gestão florestal, agricultura sustentável, alteração dos usos do solo e a uma melhor gestão de resíduos. Deve ser evitado o uso insustentável da biomassa atribuído diretamente a usos não excedentários, e que pode ter resultados perversos. Deve ser garantido que a biomassa utilizada na produção de energia resulta num balanço carbónico neutro.
III) Travar a perda de biodiversidade e investir na resiliência dos ecossistemas
Sem uma biodiversidade rica e ecossistemas resilientes, aliados a um sistema de produção e distribuição alimentar justo, sustentável e regenerativo, a recuperação económica será precária. Salvar, aumentar e proteger a biodiversidade caminha de mãos dadas com o combate às alterações climáticas e a proteção da saúde humana. As soluções baseadas na natureza estão comprovadas, são escalonáveis e implementáveis, trazendo vários benefícios para a economia e saúde.
Neste âmbito, é necessário assegurar que a Estratégia de Biodiversidade da UE para 2030 é endossada, conduzindo as deliberações do Conselho sobre as metas de restauro ecológico juridicamente vinculativas da UE para ecossistemas importantes para a biodiversidade e o clima. Aqui destaca-se a importância de zonas húmidas, turfeiras, florestas e ecossistemas marinhos, assim como de rios, de forma a aumentar a conectividade. Desafiamos que haja um compromisso com oceanos saudáveis, promovendo as políticas necessárias a que pelo menos 30% da sua área seja parcial ou totalmente protegida até 2030.
A Rede Natura 2000, resultante da implementação das Directivas Aves e Habitats, constitui o principal instrumento de conservação da Biodiversidade Europeia. Seria importante completá-la e garantir que a EU e os estados membros lhes associam recursos humanos e financeiros adequados para garantir a sua gestão.
Igualmente necessário é assegurar uma melhorar coerência e integração entre políticas, com destaque para a PAC, com outras políticas e instrumentos, como por exemplo a Diretiva do Uso Sustentável dos Pesticidas, entre outras, para lidar com a poluição difusa da agricultura e as pressões hidromorfológicas para ajudar a proteger e melhorar a saúde dos ecossistemas de água doce. Trabalhar com a Comissão para desenvolver um ambicioso Plano de Ação de Poluição Zero para a água, o ar e o solo, conforme proposto no Pacto Ecológico Europeu.
Note-se aqui que a construção de novas barragens é incongruente à luz das Diretivas Quadro da Água e Habitats, atuando em contradição com metas traçadas. A Comissão Europeia pretende que até 2030 haja o restauro de pelo menos 25 000 km de rios através remoção de barreiras obsoletas e da recuperação de ecossistemas ribeirinhos. A 2.ª Edição da Cimeira Europeia dos Rios [4] irá decorrer durante a Presidência portuguesa em Lisboa, em maio de 2021, contando com a confirmação do Ministro do Ambiente e Ação Climática. Desafiamos que este compromisso europeu seja reforçado nesse evento europeu.
Finalmente, a pegada ecológica dos Europeus estende-se às regiões tropicais. Tendo em conta esta situação e em linha com a prioridade atribuída a África pela a presidência Portuguesa, consideramos importante aumentar o apoio a iniciativas de conservação da biodiversidade em África, continente onde os recursos humanos e financeiros para este fim são particularmente limitados.
[1] https://eeb.org/eu-plans-multi-billion-euro-green-recovery-but-falls-short-in-crucial-areas-1/
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