Início » Seis meses depois, “Lei das Minas” já aprovada em Conselho de Ministros continua sem ver a luz do dia
Pedidos de concessão para exploração de minas em Banjas e Borralha com base em legislação obsoleta com mais de 30 anos.
Seis meses após o anúncio da regulamentação que, segundo o Governo, prevê o “cumprimento dos mais exigentes padrões de sustentabilidade ambiental na atividade de extração dos recursos do domínio público do Estado, garantindo a máxima valorização económica em benefício do país”, a legislação continua sem ver a luz do dia, permitindo que os pedidos de concessão para prospeção e pesquisa, assim como para exploração continuem a ser apresentados e apreciados com base em legislação que promove a falta de transparência e que permite esconder a informação aos cidadãos.
Foi a 14 de outubro de 2020 que, após um período de consulta pública, o Conselho de Ministros aprovou a regulamentação da Lei de Bases dos Recursos Geológicos no que respeita aos depósitos minerais, a qual em princípio proporcionará mais informação, reforço da participação pública das populações, assim como a possibilidade de parecer vinculativo por parte das autarquias nos pedidos de concessão para prospeção e pesquisa.
Por inação do Governo, que não conseguiu em tempo oportuno proceder à regulamentação da Lei n.º 54/2015, de 22 de junho, referente às bases do regime jurídico da revelação e do aproveitamento dos recursos geológicos existentes no território nacional, a atividade de exploração de depósitos minerais ainda hoje continua a ser analisada e aprovada à luz do Decreto-Lei n.º 88/90, de 16 de março, uma legislação que está incompreensivelmente obsoleta e que não acompanha as exigências ambientais mais recentes.
Curiosamente contata-se que, em pleno Estado de Emergência, foram colocados em consulta pública pedidos para atribuição de direitos de exploração de depósitos minerais (alguns para atribuição direta), para locais como “Banjas” (de Gondomar, Paredes e Penafiel) e “Borralha” (Montalegre), sem que os mesmos resultem de pedidos de direitos de concessão para exploração e pesquisa e sem que o Estado, neste caso, esteja por lei obrigado à subsequente assinatura de contrato administrativo para concessão de direitos de exploração.
Pedido de concessão direto para exploração de recursos minerais em “Banjas” em plena área classificada
Em pleno estado de emergência, e decorrente do Aviso n.º 3711/2021, de 1 de março de 2021, entrou em consulta pública um pedido de atribuição direta de concessão de exploração de depósitos minerais de ouro, prata, cobre, chumbo, zinco, estanho, tungsténio e minerais associados, denominado “BANJAS”, localizado nos concelhos de Gondomar, Paredes e Penafiel, cujo prazo termina hoje (12 de abril).
Surpreendentemente assistimos a mais uma tentativa de instalação de uma exploração mineira numa área classificada, desta vez na Paisagem Protegida de âmbito Regional – Parque Serras do Porto, criada peloAviso n.º 2682/2017, de 15 de março. Esta é uma infraestrutura ecológica relevante como hotspot de biodiversidade numa região densamente povoada, fundamental para fruição da natureza e para o fornecimento de serviços de ecossistemas, permitindo criar um corredor de ligação entre o sítio Valongo (PTCON0024) e o sítio Rio Paiva (PTCON0059). É igualmente de referir a proximidade ao rio Douro, numa área fundamental para a captação de água para consumo de uma parte significativa de população portuguesa na região norte, razão pela qual, o acréscimo de perturbação pode colocar em causa a qualidade da água para consumo humano.
Contrariamente a anteriores pedidos para concessão de direitos de exploração de depósitos minerais, este em concreto, é omisso na apresentação de um conjunto de dados importantes para a correta reclamação fundamentada. Os documentos que são colocados em consulta pública escondem informações como a localização da área para a qual existe intenção por parte do promotor em licenciar uma mina com 42,2 ha, numa área total de concessão com 1185 hectares, assim como informação sobre a forma como pretendem efetuar a sua exploração.
Considerando que se trata de um pedido de direitos de exploração para uma área geral, e em específico para uma área em concreto para exploração, mas não esquecendo que o cenário de pandemia que exige recato ao nível das deslocações, ZERO solicitou à Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) mais informação sobre este pedido nomeadamente no que concerne ao Plano de Lavra ou síntese do mesmo. A 17 de março recebemos resposta, em que entre outos aspetos é referido que “considerando que nos termos do Aviso n.º 3711/2021 se encontra a decorrer o prazo para esse efeito, não pode ser disponibilizado publicamente o conteúdo técnico da proposta inicial de plano de lavra, sob pena de existir claro prejuízo, no plano concorrencial, para a empresa que teve a iniciativa e produziu esse documento, e vantagem para eventuais interessados em apresentar neste prazo concedido pelo mencionado Aviso propostas contratuais concorrentes.”
É ainda argumentado que, o referido projeto estará sempre sujeito a Avaliação de Impacte Ambiental prévia ao início da exploração, que dependerá de uma Declaração de Impacte Ambiental favorável ou favorável condicionada. Uma vez mais estamos perante um procedimento pouco transparente onde a falta de transparência é justificada com artifícios de confidencialidade. Acresce que, em momento algum é mencionado que a informação solicitada poderá ser consultada nas instalações da DGEG.
Parece-nos no mínimo caricato – e também revelador da recorrente atitude de obstaculização do acesso à informação por parte da DGEG – que a indicação da localização da área para instalação da mina, numa área onde historicamente já existiu exploração de minerais, assim como estudos realizados por parte de outras entidades, possa existir algum segredo empresarial que possa ser aproveitado pela eventual concorrência.
Os pedidos diretos de exploração terão direito a parecer vinculativo das autarquias?
Decorrente dos últimos pedidos de concessão de direitos para exploração que estão em consulta pública, a ZERO conclui que, se o articulado final da regulamentação não sofrer grandes alterações face ao que esteve em consulta pública, pedidos como os de “Banjas” e “Borralha” escapam ao parecer vinculativo das autarquias, existindo assim uma eventual lacuna na nova legislação. Ao contrário do que acontecerá com os pedidos para direitos de prospeção e pesquisa, nos quais os municípios em princípio terão um parecer vinculativo, e como tal poderão recusar este tipo de indústria no seu território, a utilização do pedido para atribuição direta de concessão de exploração de depósitos minerais (sem um prévio pedido de prospeção e pesquisa), poderá em determinadas situações ultrapassar esta limitação.
No Conselho de Ministros do passado dia 25 de março, a regulamentação aprovada a 14 de outubro de 2020, foi apreciada em leitura final.
A ZERO reitera a urgência na alteração dos procedimentos administrativos ao nível dos pedidos de prospeção, pesquisa e exploração mineira em áreas classificadas, os quais devem ser liminarmente indeferidos, uma vez que os objetivos que levaram à sua classificação são colocados em causa. Para além disso, e embora já tenha sido dado um passo importante com a disponibilização das consultas públicas no portal Participa, algo que anteriormente tinha sido solicitado pela ZERO, é fundamental credibilizar os processos de consulta pública com a disponibilização de informação que permita aos interessados reclamarem de forma devidamente fundamentada, algo que não é possível nos pedidos de “Banjas” e “Baralhas”.
Considerando a gritante omissão na informação nas recentes consultas públicas, a ZERO enviou uma carta ao Ministro do Ambiente e Ação Climática a solicitar que sejam anuladas as consultas públicas de “Banjas” e “Borralha” e que as consultas referentes a novos pedidos de concessões mineiras sejam suspensos até que a nova regulamentação esteja em vigor.
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