Início » 10 anos de uma política europeia de biocombustíveis dizimaram uma área florestal equivalente aos Países Baixos
Portugal falha data para transposição da Diretiva das Energias Renováveis. Será que o óleo de palma abandona os biocombustíveis a 1 janeiro 2022?
O mais recente estudo [1] da Federação Europeia de Transportes e Ambiente (T&E), da qual a ZERO é membro, mostra que a ávida procura da Europa por biodiesel para abastecer os seus automóveis e camiões terá provavelmente dizimado florestas numa área equivalente ao tamanho dos Países Baixos, considerando o período desde a introdução da “lei de combustíveis verdes” em 2010 até 2020 [2].
A Diretiva das Energias Renováveis (RED) introduzida em 2010, estabeleceu para cada Estado-membro uma meta para o setor dos transportes de 10% de energias renováveis até 2020. Esta decisão impulsionou a procura de biodiesel barato à base de culturas alimentares, como são exemplos o óleo de palma e de soja, que provêm principalmente da Ásia e da América do Sul. É provável que cerca de 4 milhões de hectares de florestas tenham sido destruídas posteriormente, eliminando cerca de 10% do que resta de habitats mundiais favoráveis para os orangotangos [3].
Desde 2010, a Europa queimou cerca de 39 milhões de toneladas de biodiesel de palma e soja nos seus automóveis e camiões, emitindo até três vezes mais emissões de CO2 do que o gasóleo fóssil que substituiu. A T&E diz que a UE precisa de eliminar gradualmente o apoio a todos os biocombustíveis a partir de culturas alimentares até 2030, o mais tardar, no seu próximo pacote “Preparados para 55” (“Fit for 55”), no âmbito da revisão da RED. A ZERO considera fundamental que os biocombustíveis sejam produzidos essencialmente a partir de resíduos.
Os óleos vegetais virgens como a colza, palma e soja, constituíram quase 80% da matéria-prima utilizada na produção de biodiesel na UE em 2020, sendo que a procura total aumentou, apesar da procura global de combustível ter diminuído durante a pandemia. Alguns países europeus aumentaram a incorporação de biocombustíveis, enquanto outros mantiveram os volumes constantes para cumprir as metas a que estão obrigados. O óleo de palma com 8,1 Milhões de toneladas, dos quais 58% foram utilizados para a produção de biodiesel, atingiu o nível mais elevado da última década, durante a qual o seu consumo triplicou. Houve pouca diferença, quando comparando com os valores de 2019, no uso de colza e Óleo Alimentar Usado (OAU), enquanto que os volumes de óleo de soja cresceram 17% e as gorduras animais 30%.
A produção de Biodiesel insustentável em Portugal
Em Portugal, os dados oficiais [4] dos últimos seis anos é notória a aposta por parte da indústria de biocombustíveis em quatro matérias-primas. Por um lado, matérias residuais como é o caso do Óleos Alimentares Usados, com 59% em 2020, e os óleos vegetais virgens como a colza (16,6%) a soja (10,7%) e o óleo de palma (10,1%). No último ano terá tido havido uma quebra na ordem dos 11% certamente reflexo de uma menor procura num cenário de pandemia. No entanto a aposta em determinado tipo de matérias-primas manteve-se proporcionalmente similar.
Segundo os dados públicos disponibilizados no website do Laboratório Nacional de Energia e Geologia, I. P. (LNEG), para o ano de 2020, em Portugal utilizaram-se na produção nacional mais de 32 milhões de litros de óleo de palma, correspondendo a mais de 10% do total de óleos utilizados na produção de biocombustíveis, quatro vezes mais quando comparado com 2017.
Para Francisco Ferreira: “Nos últimos anos assistimos a uma grande alteração na política de utilização do óleo de palma nos supermercados. Hoje, os consumidores podem de forma clara escolher se querem ou não comprar produtos com óleo de palma. Este não é o caso do setor dos transportes. O aumento da procura de óleo de palma com efeitos destrutivos faz-se sem que os consumidores o saibam. É fundamental eliminar no curto prazo os biocombustíveis do óleo de palma”.
Portugal apresenta uma enorme dependência em termos de importação de matérias-primas para a produção de biodiesel, mesmo quando se trata de matérias residuais como os Óleos Alimentares Usados (OAU), que viajam milhares de quilómetros de distância, para que possam ser valorizados como biocombustível e ao abrigo da legislação em vigor alvo de “dupla contagem” para efeitos de cumprimento da meta de incorporação estabelecida pela RED. O contributo nacional com OAU para produção de biocombustíveis é na ordem dos 10,7%, cerca de 19 000 m3, muito abaixo do potencial nacional de recolha implicando que muito deste ainda seja deitado para o esgoto colocando graves problemas no tratamento dos efluentes domésticos.
Quanto ao óleo de palma, uma matéria-prima maioritariamente oriunda da Indonésia e Malásia, está desde maio de 2019, com a publicação do Regulamento Delegado (UE) 2019/807 [5] da Comissão Europeia, classificada como insustentável (com algumas exceções discutíveis), sendo que a mesma deve ser eliminada até 2030, num calendário que terá início em 2023, mas que pode ser antecipado.
O Governo, aquando da discussão na especialidade do Orçamento do Estado para 2021, acolheu uma proposta para que durante 2021 se procedessem a diligências para uma restrição, a partir de 1 janeiro de 2022, da comercialização de combustíveis e produção de biocombustíveis que contenham óleo de palma. Portugal junta-se assim a países como a França, Áustria, Países Baixos, Suécia, Itália, Alemanha e Bélgica, que têm a intensão de excluir o óleo de palma muito antes de 2030, a data prevista pela Comissão Europeia.
Numa altura em que terminou o prazo para a transposição para a legislação nacional das alterações decorrentes da revisão da Diretiva (UE) 2018/2001 [6] (conhecida como REDII) relativa à promoção da utilização de fontes renováveis, que deveria ser concretizado até 30 de junho de 2021, para a qual a ZERO apelou anteriormente para que existisse transparente no processo de discussão, ouvindo as partes interessadas, de forma a alcançar uma legislação ambiciosa são muitas as questões que se colocam. É primordial saber se o documento final inclui desde já a restrição na utilização do óleo de palma tal como assumido pelo Governo, e se o mesmo não apresenta lacunas que permitam a utilização de qualquer tipo de resíduos oriundos da indústria da palma, possibilitando o perpetuar a utilização de óleo de palma através de métodos fraudulentos cuja verificação é difícil.
Para além disso é fundamental que, à luz do melhor conhecimento científico atual, exista uma definição clara da retirada de apoio à utilização de outras culturas alimentares insustentáveis para a produção de biocombustíveis, reduzindo os níveis a utilização de óleos alimentares virgens e consequente promoção de combustíveis avançados.
Por fim, reforçamos de novo a necessidade de promoção na utilização de resíduos como os óleos alimentares usados (OAU), não só com a melhoria do sistema de recolha nacional, aumentando o nível de valorização dos óleos domésticos, assim como estudando a possibilidade de implementação de um sistema fidedigno de análise e rastreabilidade dos OAU que são importados, clarificando as suspeitas de fraude e garantindo que verdadeiramente é utilizado um resíduo com um importante papel no cumprimentos das metas no setor dos transportes.
Notas para editores
[1] Estudo na versão original em inglês: https://bit.ly/3dJEDzL
[2] O rendimento para óleo de palma é de 3,16 toneladas por hectare enquanto que para o óleo de soja é de 0,5 toneladas por hectare. O consumo máximo anual de matérias-primas utilizadas para a produção de biodiesel na UE durante a última década, foi utilizado para calcular a área necessária, estimando-se que tenha alterado as florestas num total de 4 milhões de hectares.
[3] São necessários 1,1 milhões de hectares de terra para plantações de palma no que eram florestas na Indonésia e Malásia, o último refúgio para o que resta da população de orangotangos, estimada em 65.000 em 2017, com uma densidade populacional de 0,45 a 0,76 indivíduos por quilómetro quadrado.
[4] Dados 2015, 2016, 2017 da ENMC – Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis E.P.E; Dados de 2018,2019, 2020 da ECS – Entidade Coordenadora do Cumprimento dos Critérios de Sustentabilidade e Biolíquidos/LNEG.
[7] Nos cálculos realizados, sempre que necessário foi utilizado como fator de conversão 0,9065 kg/L a 27,8ºC, dado que alguns dos dados disponíveis são apresentados ora em toneladas, ora em metros cúbicos.
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