GreenWatch: As barragens hidroelétricas produzem realmente energia verde?
Como funciona uma barragem hidroelétrica?
As barragens hidroelétricas, para além de fornecerem energia, criam reservatórios de água que têm simultaneamente valor estético e recreativo, prometem o controlo das cheias, fornecem um abastecimento constante de água para irrigação e, com o tempo, podem ser também uma fonte de peixe fresco.
Há quem afirme que as barragens hidroelétricas têm credenciais verdes porque utilizam uma fonte renovável para produzir energia, a água. A energia hidroelétrica aproveita a força da água para mover turbinas, e esta energia mecânica é convertida em energia elétrica através de um gerador. Uma vez que não há combustão, é considerada uma energia limpa. No entanto, esta imagem tem sido manchada ao longo do tempo por críticas ao impacte destas estruturas na vida dos habitantes das aldeias deslocadas pela sua construção e nos ecossistemas circundantes – fluviais e terrestres – na conectividade ecológica e até nos estuários e vida marinha. A transformação de um meio lótico em meio lêntico tem consequências na própria qualidade da água. Para alem disso são emitidas quantidades significativas de gases com efeito de estufa (GEE) no processo de construção, funcionamento e desativação de uma central hidroelétrica. A própria albufeira criada é emissora de GEE. Por outro lado, estes grandes investimentos podem contribuir para desigualdades na distribuição da riqueza gerada por avultados investimentos públicos. Assim, a popularidade das grandes barragens junto dos governos tem vindo a diminuir ao longo das últimas duas décadas.
Impactes ambientais e sociais
Os impactes negativos das barragens e, em particular, o seu impacte no aquecimento global, foram investigados e divulgados entre outros, pela associação International Rivers. Do Brasil à China – os países com maior número de barragens e projetos de construção em curso – os impactes são significativos: produção de grandes quantidades metano, um gás de efeito de estufa 28 vezes mais potente do que o dióxido de carbono; destruição dos ecossistemas aquáticos com consequências muito nefastas para a biodiversidade; deslocação de populações, e a perseguição e assassinato de muitos opositores à sua construção. No Brasil, estima-se que pelo menos um quarto de todas as emissões de metano é gerada por barragens e outros reservatórios de água, e que a acumulação de poluentes nas barragens impede vida continuidade dos rios, degradando os ecossistemas fluviais. Estudos realizados por universidades e organizações sociais na China, continuam a denunciar a destruição dos ecossistemas e, tal como na América Latina, aumentam as queixas sobre a falta de consulta e participação das populações, em muitos casos deslocadas à força, já que os Estudos de Impacte Ambiental são geralmente realizados após a construção de cada barragem. A existência de mais de 50 000 barragens em mais de 60% dos rios do mundo tem sido a causa de uma destruição incalculável dos ecossistemas e de deslocamento forçado de populações, que até agora nem os governos nem as empresas privadas assumiram a responsabilidade, e muito menos pagaram.
Em Portugal e na Europa, a situação é distinta. Ainda assim Portugal conta já com cerca 260 grandes barragens, algumas com valências hidroelétricas, entre estas há casos emblemáticos de deslocalização de povoações e destruição maciça de ecossistemas. A equidade da distribuição dos custos e benefícios destas grandes infraestruturas continua a fazer correr tinta nos jornais. É o caso da Barragem do Pisão, com uma minihídrica associada, um projeto que verá a inundação de uma aldeia e o abate de mais de 58.000 árvores para, essencialmente, beneficiar cerca de 60 grandes proprietários rurais.
Podemos considerar as barragens hidroelétricas como uma forma de energia verde?
Em geral, as barragens com valência hidroelétrica integram-se já numa lógica de fins múltiplos, ou seja, na satisfação de várias funções: o fornecimento de água para rega, o abastecimento público e industrial e a produção de energia.
Antes de qualquer grande obra devem-se definir bem quais os bens públicos considerados necessários, não se deve prescrever à priori a “solução”. O processo deve ser participado, ou seja, todas as partes interessadas e afetadas devem ser agentes, sendo que às comunidades locais deve ser garantido o direito de dizer “não” em qualquer fase do processo, em linha com o princípio de consentimento prévio e informado. Definidos os bens públicos a atingir, dever-se-á analisar uma pluralidade de alternativas que eliminem/mitiguem os impactes previsíveis e concretizem a equidade necessária da distribuição dos custos e benefícios advindos do projeto. A solução emergente deve ser objeto de extensa e cuidada avaliação, preservando o direito de veto das comunidades locais.
Quando a produção de energia hidroelétrica tem um impacto maciço no ecossistema local e contribui com quantidades significativas de gases de efeito de estufa, e deixa de ser uma resposta a necessidades públicas, é necessário perguntar se deve usufruir das conotações positivas e bem-intencionadas do termo ‘verde’.
As barragens hidroelétricas vieram para ficar, pelo que a ideia não é acabar com elas, mas sim reestruturar e controlar a forma como estes mega-projectos são construídos. Talvez com um processo de descentralização em que comecemos a ver uma participação real e justa das comunidades ou a geração de projetos mais focados que não afetem áreas tão grandes.
O que é certo é que temos de discutir quais as fontes de produção de energia mais limpas e ecológicas possíveis, para conseguirmos descarbonizar sem ter tantos impactes negativos e aproveitar os benefícios de desenvolvimento que podem proporcionar.
Assim o nosso veredicto é não.