Podemos aproveitar mais as águas dos rios?
Que a escassez de água em Portugal é já um problema, ninguém tem dúvidas. Portugal é o 41.º país do mundo com mais stress hídrico, ou seja, as necessidades de consumo de água são superiores à quantidade de água disponível em território português, sendo que as regiões do Algarve e Alentejo são as que mais sofrem com esta questão. Muitos falam de um maior aproveitamento das águas dos rios, com a construção de mais barragens por exemplo, como a solução para este problema. Mas será que podemos mesmo dar resposta à escassez de água com um maior aproveitamento dos nossos rios? A resposta é simplesmente não e eis o porquê, de forma descomplicada.
A necessidade de repensar o sistema agrícola
O maior apelo à construção de barragens e sistemas de utilização da água dos rios vem do sector agrícola, uma vez que necessita da água para alimentar a sua produção. No entanto, as barragens não são a solução para esta necessidade pois na realidade geram um ciclo interminável de aumento da procura. Ou seja, quanto mais água é retirada dos rios, mais aumenta a produção, e quanto mais aumenta a produção, mais água é necessária. Assim sendo, a solução neste caso passa por reestruturar o tipo de cultivo que é feito. A agricultura de sistema intensivo e culturas permanentes que necessitem de água o ano inteiro são, claro, menos sustentáveis que agriculturas temporárias. Por exemplo, culturas superintensivas, como aquelas praticadas no Alentejo e Algarve com estufas de frutos vermelhos e abacate, devem ser substituídas por produtos de cultivo temporário, como os cereais e as leguminosas. Estes últimos teriam ainda a vantagem de suprimir a falta da produção de cereais e leguminosas em Portugal e a necessidade de importação destes alimentos, diminuindo assim a sua pegada ecológica.
A destruição dos ecossistemas
Além disso, a construção de barragens e açúdes implica na verdade a reestruturação do ecossistema existente, o que significa por vezes a extinção de espécies autóctones. Um retrato desta consequência é, por exemplo, o que se verifica na bacia hidrográfica do Douro. Em 2020, um estudo liderado pelo Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente demonstrou que a qualidade da água e a biodiversidade na bacia hidrográfica do Douro são afetadas negativamente pelo elevado número de barragens ao longo do rio. As barragens, ao promoverem a deterioração da água e dos habitats ribeirinhos e ao quebrarem o ciclo normal do rio, do qual depende a vida de muitos peixes, estão a pôr em risco a continuidade de dezenas de espécies selvagens. Algumas destas espécies estão já em elevado risco de extinção, tais como o mexilhão-de-rio, a lampreia, salmão e a enguia.
O que a ZERO defende:
– Por tudo isto, devemos em primeiro lugar reduzir a procura de água e repensar o sistema agrícola de forma a apostar em cultivos temporários que não só necessitem de menos água como ainda suprimam as necessidades do país.