Será o glifosato seguro para a saúde humana?
Recentemente a União Europeia renovou a aprovação do uso do glifosato por mais 10 anos. No passado dia 16 de novembro, após a ausência de maioria qualificada na votação dos 27 Estados Membros, a Comissão Europeia decidiu renovar a licença para o seu uso. A maioria dos países, incluindo Portugal, votou a favor da proposta. Três Estados Membros votaram contra: Áustria, Croácia e Luxemburgo. A proposta de renovação não obteve, no entanto, maioria qualificada devido à abstenção de países com grande representatividade na população europeia, como o caso da França e da Alemanha. Também a Bélgica, Bulgária, Holanda e Malta se abstiveram. Cabe agora aos Estados Membros decidir a aprovação e reaprovação de produtos contendo glifosato a nível nacional.
O glifosato é o pesticida mais utilizado a nível mundial e na União Europeia mas o seu uso é um tópico controverso, com defensores argumentando a favor de sua importância na agricultura moderna e críticos preocupados com seus potenciais efeitos negativos na saúde humana e na biodiversidade.
O que é o glifosato?
O glifosato é uma substância com efeito herbicida, utilizado em todo o mundo para controlar o crescimento de plantas indesejadas nas culturas agrícolas, jardins e espaços públicos. Foi introduzido comercialmente pela Monsanto na década de 1970 e desde então tornou-se o herbicida mais comum no mercado. Na Europa, representa 33% do volume de herbicidas, e é aplicado em cerca de um terço da área de culturas anuais e metade da área de culturas permanentes.
O glifosato é o ingrediente ativo do RoundUp, o herbicida amplamente utilizado em todo o mundo e comercializado pela Monsanto, em conjunto com sementes de plantas geneticamente modificadas (OGM) . A Monsanto alterou geneticamente plantas, tal como a soja Roundup Ready, para serem resistentes ao glifosato, presente na formulação do herbicida. Estas culturas transgénicas foram desenvolvidas para tolerar a aplicação do Roundup sem serem afetadas, permitindo que o herbicida fosse usado para eliminar as ervas daninhas sem prejudicar afetar a produtividade das culturas desejadas.
Esta combinação de culturas OGM resistentes ao Roundup e o próprio herbicida teve um impacto significativo na agricultura, permitindo o controle mais eficaz de ervas daninhas e, em teoria, aumentando a produtividade das colheitas. No entanto, também gerou preocupações sobre os potenciais efeitos na saúde humana e no meio ambiente, dado ao significativo aumento do uso do pesticida, levando a debates sobre a segurança dos OGM e do glifosato.
A Monsanto, adquirida pela Bayer em 2018, enfrenta várias controvérsias legais e críticas relacionadas à segurança do Roundup e às práticas de comercialização de sementes transgénicas. Numerosos processos judiciais, principalmente levantados por agricultores, ligam a utilização de RoundUp e a vários tipos de cancro. A Bayer gastou já cerca de 11 mil milhões de dólares em acordos de compensação em cerca de 100 000 acções judiciais contra o RoundUp. E restam ainda cerca de 40 000 processos judiciais ativos.
O que diz a ciência?
O glifosato tem sido objeto de controvérsia científica, devido a opiniões divergentes das diferentes agências reguladoras. Enquanto a Organização Mundial de Saúde (OMS) identifica o glifosato como provavelmente carcinogénico, a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) diz ter encontrado algumas lacunas nos estudos analisados, mas, de um modo geral, não identificou áreas críticas de preocupação que constituíssem uma barreira à renovação da sua aprovação. E esta foi a base da recente decisão da CE de prolongar a sua renovação por mais 10 anos.
Mas como é avaliada a segurança dos pesticidas na UE? De acordo com a legislação da UE, o ónus da prova da segurança dos pesticidas recai sobre a empresa que pretende colocar o seu produto no mercado ou renovar a sua licença. Deste modo, os requerentes devem apresentar um dossier com uma revisão da literatura de estudos científicos publicados nos últimos 10 anos, entre outros requisitos. Estes estudos são depois avaliados pelas autoridades reguladoras, a Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA) e EFSA. Portanto, os estudos avaliados são os fornecidos à partida pelos requerentes, que podem ocultar estudos deste dossier e vedar os estudos de escrutínio externo, alegando segredo comercial. Outros estudos podem ser considerados, mas contestam-se os critérios de inclusão.
Para além disso, também as equipas de aprovação são muitas vezes controversas, especialmente fora do quadro regulamentar da UE. Vejamos o caso da Argentina, que é o país do mundo com maior aplicação de glifosato per capita (mais de 350 milhões de litros por ano). O Estado argentino aprova OGM resistentes ao glifosatotambém com base em estudos efetuados pelas empresas que os comercializam, ou seja, não efetua as suas próprias análises. O organismo estatal encarregado de aprovar estes transgénicos é a Comissão Nacional de Biotecnologia. Obteve-se a lista secreta dos membros desta Comissão: de um total de trinta e quatro, vinte e seis pertenciam ou tinham conflitos de interesses com as empresas de agronegócio Bayer, Syngenta e Bioceres.
Estudos independentes
Vários estudos independentes, no entanto, apontam para claras ligações entre o glifosato e o cancro. O Global Glyphosate Study (1), que é o maior destes estudos independentes, é também o estudo mais exaustivo alguma vez realizado sobre o glifosato e a sua formulação MON52276 (Roundup Ultra), geralmente utilizada na Europa. No relatório da fase preliminar deste estudo, publicado em 2018, foram observados efeitos adversos graves, como desregulação endócrina, efeitos reprodutivos durante o desenvolvimento, alterações do microbioma, genotoxicidade e mesmo cancro. Estes efeitos foram observados tanto com o glifosato isolado como com a fórmula, sendo ainda mais proeminentes neste último caso.
O nosso veredicto:
ono âmbito do Pacto Ecológico Europeu e a Estratégia “Do Prado ao Prato”, a UE propôs-se a estabelecer metas para reduzir a utilização e o risco de pesticidas químicos em 50% até 2030. A decisão de mera renovação do glifosato não é coerente com esta estratégia que, além do mais, tem o apoio da sociedade civil.
Para além disso, dada a razoabilidade de assunção de riscos significativos, a decisão viola o PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO do direito europeu. Segundo este princípio, na ausência de evidências científicas conclusivas, mas diante de preocupações sérias e fundamentadas sobre possíveis danos, devem ser tomadas medidas preventivas para proteger a saúde pública e o meio ambiente.
Assim o nosso veredicto é: NÃO.