Combater o fogo: Será que é suficiente reduzir o número de ignições para que haja também uma redução da área ardida?
Ao falar da prevenção de incêndios em Portugal, recorremos muitas vezes à ideia de que se reduzíssemos o número de ignições, reduziríamos também a área ardida. Mas será mesmo assim? Por um lado, sim, é verdade que se retirarmos o fogo da paisagem, fazemos com que haja menos incêndios com um risco de descontrolo e, portanto, capacidade de devorar grandes áreas de território. Mas, por outro lado, não. Eis o porquê, descomplicado.
Menos ignições pode não equivaler a menos dimensões
A área ardida depende de vários fatores e um deles é o tipo de ignição do incêndio. Se a ignição tiver na origem o incendiarismo (prática de fogo posto), estas tendem a causar áreas ardidas de dimensões superiores. Nos últimos três anos (2021-2023), 62 por cento da área ardida em fogos com mais de 50 hectares ardidos teve a sua origem em incendiarismo, apesar de este ter sido responsável por apenas 19 por cento do total de incêndios registados. Ou seja, o incendiarismo causa um impacto muito superior quando comparado com as outras causas de incêndios.
É necessário gerir o combustível
De pouco serve reduzir as ignições, se não gerirmos o nível de combustível que o fogo tem ao seu dispor. Se o fogo tiver um território vasto e contínuo onde se consegue propagar sem resistência, uma única ignição pode gerar um incêndio de dimensões imprevisíveis, em particular quando associada a dias de maior perigosidade meteorológica. Uma dessas formas de gestão é o uso do fogo controlado, isto é, a utilização do fogo de forma controlada e delimitada para prevenir a ocorrência de incêndios difíceis de conter, por exemplo, abrindo clareiras de área ardida em locais estratégicos. Neste aspeto, as autoridades portuguesas continuam a executar uma ação aquém do que seria desejado, pois continua em incumprimento o objetivo anual de alcançar a área de 3.500 hectares intervencionada (em 2023 foram geridos apenas 2.666 hectares).
A ZERO defende que:
– É necessário assumir que, entre nós, os fogos são um problema social, pelo que temos de parar de desvalorizar o papel do incendiarismo na perpetuação do flagelo dos fogos. Apesar deste constituir um crime previsto no código penal (Artigo 274.º – Incêndio Florestal), o qual prevê penas de prisão até 8 anos, é notória a falta de empenho na monitorização e no acompanhamento da reincidência, assim como, a falha na criação de um programa para apoio e acompanhamento pela prática de fogo posto no âmbito da saúde mental. Também não podemos, nem devemos, desvalorizar o uso negligente do fogo que está na origem da maior parte das ignições e que continua a ser prática corrente apesar de milhões de euros gastos em sensibilização.
– A prescrição de fogo controlado, combinada com outras formas de gestão, é, infelizmente, necessária face aos riscos que ameaçam a floresta portuguesa. É urgente cumprir as metas anuais definidas para esta estratégia.
SABER MAIS:
– A avaliação da ZERO ao relatório anual de atividades do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais, relativo ao ano de 2023 está disponível em https://zero.ong/noticias/menos-incendios-e-menos-area-ardida-nao-devem-esconder-fumo-negro-na-mudanca-dos-comportamentos-e-no-cumprimento-de-metas-para-2030/