Início » Metodologia de Carbono sobre Novas Florestações – Mercado Voluntário de Carbono
A ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável, com base na consulta dos documentos disponibilizados no portal Participa, vem por este meio apresentar o seu parecer relativo à Metodologia de Carbono sobre Novas Florestações – Mercado Voluntário de Carbono (MVC).
A metodologia do Mercado Voluntário de Carbono aplicado à florestação estabelece os requisitos e as orientações para quantificar os benefícios climáticos líquidos das atividades que sequestram carbono pela criação de novas florestas em Portugal, uma vez que as mesmas contribuem potencialmente para a remoção temporária de CO₂ da atmosfera atuando como “sumidouros de carbono”, sendo descrito como um passo essencial para alcançar os objetivos climáticos nacionais e internacionais, em consonância com a ambição de atingir a neutralidade climática até 2045.
O valor recebido pelos proprietários servirá como um incentivo para compensar algumas das dificuldades por estes vividas, quer ao nível do estabelecimento de novas áreas de floresta, quer no que respeita ao custo das operações de gestão florestal ao longo do tempo de vida do povoamento, uma vez que existe um período de várias décadas entre investimentos e custos de gestão e uma eventual remuneração. O MVC deveria ser uma ferramenta exclusiva para beneficiar os proprietários que optassem por florestação com espécies autóctones, mais interessantes do ponto de vista da conservação da natureza e da provisão de serviços de ecossistemas, pois não estando em funcionamento um mecanismo de remuneração de serviços de ecossistemas e não existindo mercados ou indústrias consumidoras para os bens e serviços gerados por essas florestas, as mesmas não geram rendimentos suficientes para cobrir os custos de uma gestão florestal profissional e competente e garantir uma remuneração adequada dos proprietários florestais.
Não podemos negligenciar que existe na generalidade do território nacional um risco de incêndio rural considerável, o que coloca uma fortíssima incerteza sobre a possibilidade da produção de bens garantir a sustentabilidade financeira do investimento. Desta forma, o rendimento deste MVC é mais uma forma de incentivo ao investimento e gestão de povoamentos florestais.
Tendo em conta o que foi mencionado e os documentos disponibilizados na plataforma Participa, iremos tecer alguns comentários relativos à Metodologia do Mercado Voluntário de Carbono para Novas Florestações, quanto aos pontos que consideramos mais pertinentes:
A ZERO considera que do ponto de vista de política florestal o prioritário é gerir o território florestal existente e não necessariamente arborizar mais área. Esta metodologia, na forma como é explicitada, não traz mecanismos para resolver os principais problemas da floresta portuguesa, mas sim, cria mais oportunidades para atrair investimentos perversos e oportunidades de greenwashing.
Esta metodologia também não permite que proprietários florestais sejam beneficiados e incentivados a fazer a gestão dos seus povoamentos florestais já existentes, ou a potenciar a regeneração natural que muitas vezes surge após ocorrência de incêndios.
Outra situação que destacamos, é o facto de os terrenos ocupados por plantas invasoras com porte arbóreo que excedam 10% de cobertura de copas não poderem ser abrangidos pelo MVC, desperdiçando-se assim uma excelente oportunidade de intervenção e gestão dessas plantas invasoras lenhosas e posterior replantação das áreas intervencionadas com espécies autóctones.
Esta metodologia é potencialmente contraproducente, porque transmite a ideia de que o factor mais importante a considerar é o sequestro de carbono em números, e não a visão holística de valorizar a biodiversidade e os serviços de ecossistemas, valorizando qualquer plantação e desvalorizando outros usos de solo como matos bem conservados ou pastagens naturais ou seminaturais, mesmo que representem alto valor ecológico e onde já existam stocks de carbono consideráveis e estáveis.
Por outro lado, a metodologia, de forma incompreensível, não incentiva nem beneficia a regeneração natural, desaproveitando processos de sucessão ecológica que estão em curso e também não cria limitações de forma explícita à conversão de habitats bem conservados ou suscetíveis de restauro, podendo levar à perda de valores naturais únicos e consequentemente à cessação do fornecimento de serviços de ecossistemas.
No cálculo da estimativa das emissões e sequestro do cenário de projeto (futuro) na MVC existe uma constante que representa o stock de carbono de cada planta aos 30 anos (tCO2/árvore), sendo este valor diferente consoante a espécie. Por exemplo, a espécie Eucalyptus globulus tem um fator de ponderação de 2,04 e Eucalyptus camaldulensis de 1,57, que são valores muito superiores aos das restantes espécies, tornando-se espécies muito mais atrativas para os potenciais investidores, resultando num inequívoco incentivo para o aumento de plantações de espécies de crescimento rápido e não autóctones no país.
Prioriza-se assim a maximização dos créditos de carbono a curto prazo, beneficiando espécies não autóctones e de crescimento rápido em detrimento da biodiversidade e do bom funcionamento dos ecossistemas a longo prazo, não refletindo no valor dos créditos de carbono a afetação ou cessação do fornecimento dos serviços de ecossistemas.
Com a aplicação desta metodologia perde-se assim uma oportunidade de incrementar uma nova fileira florestal associada a espécies autóctones de crescimento lento, que é potenciada pela fraca disponibilidade e qualidade dos dados de sequestro de carbono para as espécies autóctones portuguesas, uma vez que 30 das 72 espécies elencadas no documento não são autóctones (42% das espécies) estando até inclusivé presente na lista a Robinia pseudacacia que é considerada espécie invasora em território nacional.
A metodologia prevê que “independentemente do tipo de floresta, a floresta acabará por ser cortada, ou que poderá sofrer algum tipo de perturbação natural, mas que o “uso de solo” florestal será mantido num ciclo de gestão florestal sustentável, i.e., que após o corte ou perturbação natural se seguirá uma nova plantação.” Se esta metodologia for validade permitindo que existam cortes em ciclos durante o período de permanência, estará certamente a considerar a cultura do eucalipto, que é das poucas espécies que permite cortes em ciclos curtos. A aceitação de que podem haver cortes e que estas operações florestais não afetam o uso do solo, gera-nos perplexidade a prévia exclusão do MVC de terrenos cuja ocupação do solo atual já é considerada florestal.
A aplicação do conceito de médias dos stocks, no fundo, contradiz a própria lógica do conceito de permanência que está subjacente a toda esta metodologia do MVC e serve apenas para justificar a opção por um caminho mais fácil e não diferenciador do que já hoje é praticado ao nível da gestão florestal.
Parece-nos ainda totalmente desadequado que a metodologia não faça qualquer referência relativamente ao rastreamento do encaminhamento da madeira cortada e à identificação do tipo de produção de bens resultante da mesma. O MVC pode até estar a premiar a destruição de stocks de carbono armazenados no tempo de permanência exigido se essa madeira for destinada para operações de destruição da mesma e consequente perda do carbono acumulado (e.g. pellets, pasta de papel para diferentes usos, etc.) e a não beneficiar quem direciona a madeira produzida para um uso em que o carbono continua armazenado, gerando-se assim uma contradição insanável.
Esta metodologia tende a dar mais ênfase ao sequestro de carbono na biomassa do que no solo, o que beneficia claramente os sistemas de monocultura, assentes em más práticas de gestão do solo como as mobilizações de controlo de vegetação arbustiva. Essas más práticas podem paradoxalmente conduzir a emissões de carbono que poderão em alguns casos, ser superiores às sequestradas.
Assume-se, por exemplo, que áreas estabilizadas (com o mesmo uso de solo há mais de 20 anos) não têm variações significativas no teor de matéria orgânica dos solos. Esta simplificação pode não ser válida em todos os casos, pois mesmo em áreas estabilizadas podem ocorrer alterações quantitativas ao nível de armazenamento de carbono no solo, devido a diversos fatores incluindo práticas de gestão e a fenómenos climáticos extremos potenciados pelas alterações climáticas.
Pese embora a biomassa seja importante, a verdade é que o solo pode armazenar stocks muito superiores de carbono a longo prazo, pelo que podemos estar a negligenciar o seu contributo para a o aumento global da capacidade de sumidouro dos ecossistemas com esta frágil metodologia.
Os projetos a submeter ao abrigo desta metodologia têm a opção de gerar Créditos de Carbono (CC+). Para a ZERO esta opção não deveria ser encarada como um extra, mas sim a verdadeira metodologia a ser aplicada em contexto de desenvolvimento de um Mercado de Carbono relacionado com a floresta, uma vez que na metodologia “business as usual” a biodiversidade e os dos serviços de ecossistemas são desvalorizados.
A metodologia “business as usual” não dá, pois, qualquer incentivo ao uso de espécies autóctones, nem à promoção de sistemas agroflorestais complexos onde se potencia a diversidade de espécies, e também não tem em conta o sub-bosque dos povoamentos florestais, como se os mesmos, para favorecer as elementos arbóreos dominantes, necessitassem sempre de uma gestão ativa com vista à sua remoção periódica.
Esta metodologia parece também não beneficiar, em termos conceptuais, da totalidade dos indicadores previstos na Lei do Restauro da Natureza que serão utilizados para monitorizar e avaliar o favorecimento da biodiversidade, nomeadamente a existência de madeira morta em pé, de madeira morta caída, a promoção de estrutura etária heterogénea, a conetividade florestal ou a diversidade das espécies de árvores no âmbito dos projetos. Com esta falta de articulação perde-se, sem dúvida, uma grande oportunidade para promover ativamente a existência de florestas multifuncionais, biodiversas e resilientes, optando-se por uma visão de curto prazo, demasiado economicista e tecnocrática, que institui o “greenwashing” como prática aceitável e como porto de abrigo para quem se recusa a acelerar uma transição climática justa e equilibrada.
Face às questões acima levantadas, a ZERO considera que esta metodologia necessita ser repensada, porque não é uma resposta aos principais problemas da floresta portuguesa. Ou seja, se queremos ter uma floresta multifuncional, biodiversa e resiliente, este MVC pouco ou nada contribui para o efeito. Na opinião da ZERO, está a perder-se a oportunidade não só de valorizar a floresta autóctone já existente, como também de potenciar a sua expansão para novas áreas, enquanto, por oposição, se proporcionam as condições ideais para se escancarem as portas ao greenwashing associado ao favorecimento da produção florestal insustentável.
Neste contexto, não estão reunidas as condições para que este projeto seja aprovado e, deste modo, emite-se parecer desfavorável à Metodologia de Carbono sobre Novas Florestações – Mercado Voluntário de Carbono.
Metodologia de Carbono sobre Novas Florestações – Mercado Voluntário de Carbono
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