Início » 3.ª Conferência dos Oceanos com avanços significativos, mas é preciso muito mais ação
A ZERO e a Oikos consideram que a 3.ª Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, que hoje termina em Nice, apresentou um conjunto de avanços significativos, com destaque para a mobilização de vários países que permitirá, dentro de meses, a entrada em vigor do Tratado para a Proteção da Biodiversidade para lá da Jurisdição Nacional (Tratado do Alto Mar – BBNJ), que tornará possível preservar o oceano para lá das áreas de jurisdição nacional. Destaca-se ainda o papel da União Europeia no investimento através do Pacto Europeu para o Oceano, o apoio a uma moratória à mineração em mar profundo, bem como a pressão para a adoção de um tratado vinculativo que impeça a poluição por plásticos.
Apesar da enorme quantidade de compromissos voluntários apresentados, a tarefa de salvaguardar o oceano, restaurar áreas degradadas e reduzir os impactes das alterações climáticas é avassaladora, e as discussões e ações prometidas em Nice são ainda claramente insuficientes.
Entre os avanços mais relevantes da Conferência está a aceleração da ratificação do Tratado do Alto Mar. Se no início da conferência, a 9 de junho, apenas 32 países tinham formalizado a ratificação, hoje — último dia da UNOC3 — este número já ascende a 51. Faltam apenas mais nove ratificações para alcançar o limiar necessário, algo que deverá acontecer no máximo até ao final de 2025, marcando este progresso um momento decisivo no compromisso coletivo para proteger as áreas oceânicas além das jurisdições nacionais.
Outro destaque da semana foi o anúncio feito pela Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, sobre o novo Pacto Europeu para o Oceano, que contará com um investimento de mil milhões de euros para financiar 50 projetos de conservação e investigação científica em todo o mundo. Apesar da ambição financeira, permanece pouco claro como será operacionalizado, quais os critérios de seleção e em que medida refletirá as prioridades científicas e ecológicas mais urgentes.
A ciência continua a ser encarada como um recurso acessório e reativo, chamado apenas quando conveniente, ao invés de constituir a base permanente e estruturante da formulação de políticas. Esta abordagem fragiliza a resposta europeia aos desafios do oceano e ignora o papel central do conhecimento na antecipação de riscos e na definição de limites seguros para a atuação humana. Num contexto marcado por incertezas e lacunas de conhecimento, o princípio da precaução deve prevalecer, implicando travar o avanço quando o desconhecido compromete a segurança ecológica e social.
Investir em soluções baseadas no oceano exige mais do que financiamento e vontade política: exige rigor científico, estabilidade no apoio à investigação e a sua plena integração na legislação e governação. Só assim será possível garantir que o Pacto representa uma mudança real de rumo.
Um dos momentos mais promissores da semana foi a declaração oficial do Presidente do Conselho Europeu, António Costa, que, em nome de todos os Estados-Membros, expressou o apoio claro da União Europeia à moratória sobre a mineração em mar profundo, durante o evento do Pacto para o Oceano. É a primeira vez que a UE assume esta posição de forma pública e unânime, representando um enorme avanço na defesa dos ecossistemas marinhos mais vulneráveis.
Esta tomada de posição envia uma mensagem política forte e necessária no contexto da governação internacional do oceano, sinalizando a disponibilidade da Europa para liderar os esforços de prevenção de danos irreversíveis.
Num claro sinal positivo, Portugal está entre os 95 países que assinaram a Declaração de Nice, um documento com exigências muito relevantes em relação ao conteúdo de um futuro tratado global sobre plásticos (que esperemos venha a ser decidido na próxima sessão de negociações em Genebra, dentro de dois meses).
O documento defende um tratado que reduza produção e consumo de plásticos a níveis sustentáveis, elimine progressivamente os produtos e químicos mais problemáticos, melhore o design dos plásticos para minimizar impactos na saúde e ambiente e crie um mecanismo financeiro proporcional à ambição do tratado, bem como mecanismos que permitam a atualização periódica do tratado.
Ao longo da conferência, vários discursos apelaram à inclusão efetiva das comunidades locais e das populações costeiras na governação do oceano, sublinhando que esse apelo deve ir além de declarações genéricas.
É necessário romper com modelos políticos centralizados e hierárquicos, avançando para formas de governação mais participativas, transparentes e ancoradas na corresponsabilização. A construção de políticas públicas deve assentar numa lógica de proximidade, com os cidadãos e os territórios reconhecidos como agentes ativos, e não meros destinatários das decisões.
A integração estruturante da ciência, do conhecimento local e das experiências comunitárias é absolutamente crítica para garantir legitimidade, eficácia e justiça nas respostas aos desafios oceânicos.
O Governo português anunciou a criação de uma nova Área Marinha Protegida (AMP) oceânica no Banco de Gorringe. Trata-se de uma zona de elevado valor ecológico que alberga extensas florestas de algas e corais de águas profundas milenares, sendo um hotspot de biodiversidade. A nova classificação é uma excelente notícia e demonstra vontade de reforçar a conservação marinha, mas o impacto dependerá das medidas concretas que lhe forem aplicadas. As AMPs oceânicas, pela distância à costa, exigem maior esforço de monitorização e fiscalização para que a proteção no papel se traduza em proteção real. Com esta designação, Portugal sobre dos 19% de proteção para cerca de 25%, aproximando-se das metas nacionais e internacionais. Contudo, é essencial garantir financiamento adequado e planos de gestão claros, com prazos e objetivos mensuráveis.
Adicionalmente, Maria da Graça Carvalho, em reunião com as organizações não-governamentais, anunciou que, a 23 de junho, será aberta a consulta pública para a revisão da Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e da Biodiversidade, e do respetivo Plano de Ação, uma obrigação no quadro Kunning-Montreal da Convenção da Diversidade Biológica. As organizações da sociedade civil destacaram a necessidade de incluir um reforço claro da componente marinha e a atualização do regime jurídico da conservação. Estes processos devem garantir coerência com compromissos já assumidos e assegurar que os avanços se traduzem em medidas eficazes, calendarizadas e participadas.
Foi apresentada ontem de manhã em plenário, e entregue aos decisores políticos, uma Carta Aberta que reflete a visão e as prioridades da sociedade civil global para a proteção e governação do oceano. Intitulada “From Shore to Summit: Civil Society’s Call for Ocean Policies”. Coube à Oikos apresentar no plenário esta declaração conjunta, que reúne o contributo de mais de 100 organizações de 30 países, incluindo organizações não-governamentais locais, associações de pescadores de pequena escala, grupos indígenas e comunidades costeiras.
O documento foi elaborado no contexto de uma iniciativa promovida pela Fundação Oceano Azul, pela coligação Rise Up for the Ocean e pela Fauna & Fauna International, tendo decorrido em vários momentos, incluindo um encontro presencial em Portugal, encontros regionais online para África, Europa, Américas e Ásia. Estas sessões reuniram representantes da sociedade civil de vários países para consolidar prioridades comuns e aumentar o impacto das mensagens levadas à UNOC3.
A Carta apela a maior ambição política e a um reforço da justiça social na proteção do oceano, destacando áreas-chave como:
Cogestão de Áreas Marinhas Protegidas: as comunidades locais devem participar em todas as fases de planeamento, implementação e gestão destas áreas. A proteção deve apoiar práticas de pesca sustentáveis e basear-se numa combinação equilibrada de conhecimento científico e saber tradicional, com monitorização contínua e partilha transparente de resultados com as populações diretamente envolvidas.
Transição para uma Economia Azul justa: a expansão da economia azul deve incluir os pequenos pescadores, mulheres, jovens e comunidades costeiras nos processos de decisão. Os impactos sociais e ambientais precisam de ser avaliados com rigor e transparência, estabelecendo metas claras que assegurem a sustentabilidade ecológica e o bem-estar das populações.
Moratória à mineração em mar profundo: é urgente implementar uma moratória imediata a esta atividade, tanto em águas nacionais como internacionais, até que existam garantias sólidas de que não colocará em risco ecossistemas marinhos profundos, reconhecidamente frágeis e de lenta recuperação.
Combate à poluição marinha: é indispensável reforçar os mecanismos legais para responsabilizar os poluidores na origem, com uma fiscalização eficaz. Entre as medidas prioritárias está a adoção de um tratado global juridicamente vinculativo sobre plásticos, que preveja a redução da produção, controlo de químicos tóxicos e proibição de substâncias perigosas — com especial atenção aos microplásticos e seus impactos na saúde humana e nos ecossistemas.
Valorização do conhecimento tradicional e Literacia do Oceano conhecimento local e indígena deve ser integrado de forma estruturante na governação do oceano. A literacia oceânica deve ser inclusiva, promovida através de processos educativos acessíveis e adaptados, que sensibilizem para a importância da conservação marinha.
A ZERO e a Oikos foram duas das organizações portuguesas envolvidas neste processo, reforçando a importância de reconhecer e integrar as vozes locais e as comunidades costeiras como atores centrais na formulação e implementação de políticas oceânicas.
O caminho iniciado em Nice não pode ficar pela retórica ou por promessas não cumpridas. Os compromissos voluntários que forem assumidos precisam de ser monitorizados, avaliados e traduzidos em políticas públicas eficazes, com impactos reais nos ecossistemas marinhos e nas comunidades. A Conferência do Clima (COP30), que terá lugar no Brasil em 2025, será um momento-chave para reforçar o nexo oceano-clima e consolidar a integração da componente marinha na ação climática global.
Simultaneamente, é fundamental preparar desde já a 4.ª Conferência dos Oceanos, que terá lugar na Coreia do Sul em 2028, com um processo mais inclusivo, transparente e orientado para resultados concretos. A sociedade civil manter-se-á mobilizada, exigindo que a próxima cimeira global vá além das declarações de intenção, e se traduza em compromissos ambiciosos, com prazos, recursos e mecanismos de responsabilização.
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