Início » Potencial da Europa para ser pioneira na produção de combustível de aviação sustentável está ameaçado
Na semana em que o sector da aviação se reúne na Feira Internacional de Aeronáutica de Paris, um novo estudo da Federação de Transportes e Ambiente (T&E), de que a ZERO é membro, destaca o potencial da Europa para ser pioneira a nível mundial na produção de querosene sintético (eSAF) – o combustível de aviação mais sustentável e promissor e com maior potencial de escalabilidade –, mas graves entraves se colocam nesse caminho. O eSAF é um combustível sintético produzido a partir de hidrogénio verde recorrendo a energia renovável e a CO2.
Este novo estudo mostra que a Europa pode dar o exemplo a outras regiões na produção de eSAF, concentrando atualmente mais de metade da capacidade potencial de produção mundial. Estão previstos cerca de 40 projetos de grande escala[1] na Europa, com uma capacidade anual potencial de produção de quase três milhões de toneladas (Mt) – cerca de 5% do combustível necessário para o funcionamento do setor da aviação na Europa.
A liderança da Europa na produção de eSAF foi impulsionada pela legislação da UE sobre combustíveis sustentáveis para a aviação, o Regulamento ReFuelEU, que estabeleceu metas específicas para a utilização de combustíveis sintéticos na aviação (1,2% em 2030). Se todos os projetos anunciados forem concretizados, a UE poderá vir a cumprir estas metas; contudo, nenhuma das unidades de produção de grande escala identificadas neste relatório está atualmente em construção. Apenas quatro dos projetos estão numa fase avançada[2], mas nenhum tem decisão final de investimento (FID). Este progresso lento deve-se a uma série de desafios, sendo o financiamento o maior obstáculo, com os fornecedores tradicionais de combustíveis de aviação lamentavelmente ausentes dos projetos.
A ZERO entende que o ReFuelEU é vital para impulsionar o arranque deste mercado na Europa, mas infelizmente está a revelar-se insuficiente. Se as decisões finais de investimento nos projetos de eSAF não avançarem no próximo ano, as metas para 2030 ficam em risco. É necessário assegurar um quadro legal e de financiamento estável através de um conjunto de mecanismos de apoio público e de investimentos privados.
Com um potencial para reduzir em mais de 90% as emissões de dióxido de carbono (CO₂) da aviação em relação ao combustível fóssil tradicional (jetfuel), o eSAF é essencial para descarbonizar este setor intensivo em emissões, cuja atividade se prevê que continue a crescer[3].
Embora a Europa mantenha a liderança em projetos de eSAF[4] anunciados, outros mercados estão no seu encalço. A China perfila-se enquanto segundo maior produtor – com cerca de dez unidades de produção de grande escala anunciadas, representando cerca de 20% da capacidade global. E os Estados Unidos também estão a acelerar o ritmo, onde foi assegurado o maior acordo de aquisição de eSAF até à data, bem como a primeira decisão final de investimento do mundo para uma unidade de produção de grande escala (em Maio, por parte da Infinium[5]).
Apesar das condições favoráveis, os projetos de eSAF continuam a enfrentar obstáculos significativos na Europa, incluindo desafios relacionados com os custos de energia, com a infraestrutura de distribuição e com a obtenção do CO₂ necessário para a produção do combustível. A incerteza regulatória também é um obstáculo, devido à pressão da indústria[6] para adiar as metas de SAF definidas no ReFuelEU, fragilizando a sua revisão prevista para 2027.
O financiamento constitui a maior barreira, com cada unidade de produção a necessitar de entre um e dois mil milhões de euros em capital, o que eleva o total de investimento necessário para 10 a 20 mil milhões de euros até 2030. Os mecanismos de financiamento da UE para o eSAF não são suficientemente robustos para apoiar o nível de investimento necessário para concretizar estes projetos. Acresce que até ao momento, as grandes empresas petrolíferas deram contribuições insignificantes para o desenvolvimento dos eSAF, continuando a investir milhares de milhões em combustíveis fósseis. A maioria dos projetos de eSAF estão a ser liderados por startups cuja capacidade financeira para fazer face a estes projetos, urgentes e de capital intensivo, é muito mais limitada.
A ZERO ressalva que se torna urgente envolver as grandes petrolíferas e adequar os mecanismos de financiamento da UE para dar a estes projetos o impulso de que necessitam. O Plano de Investimento para Transportes Sustentáveis (STIP) que se avizinha é uma oportunidade para definir o rumo certo, dando prioridade à produção de eSAF e criando um mecanismo abrangente para enfrentar os desafios que os projetos da UE enfrentam.
Portugal tem boas condições para ser produtor de eSAF, incluindo para além das metas previstas no Regulamento ReFuelEU. A prevista incorporação de mais de 90% de energia renovável na rede elétrica até 2030 e custos de energia solar muito competitivos – a energia é o fator de produção que mais contribui para o custo total de produção de eSAF – fazem de Portugal um local muito atractivo para estes investimentos.
Atualmente, estão previstos dois projetos de eSAF de grande escala em Portugal, ainda sem FID, à imagem do que se passa com os restantes projetos no espaço europeu. É importante que estes, e novos projetos que surjam, alcancem a fase de produção por forma a cumprir as metas previstas no ReFuelEU já a partir de 2030, sem ter de se recorrer a importações. Para o efeito, é importante que o governo português promova no contexto da UE a integração dos eSAF no Plano de Investimento para Transportes Sustentáveis a par de outras medidas no contexto nacional. O Roteiro Nacional para a Descarbonização da Aviação (RONDA), cuja elaboração está em curso, deve igualmente prever medidas que promovam o avanço dos projetos de eSAF, e a dotação de 40 milhões de euros para projetos de SAF, já anunciada, deve ser exclusiva para projetos de eSAF, em especial para a fase de FEED que corresponde à fase inicial dos projetos, quando são definidos os principais parâmetros técnicos e de engenharia, estimativas e estudos de viabilidade.
A ZERO faz um repto ao governo português para reafirmar o seu compromisso com as metas já estabelecidas no ReFuelEU, especialmente na preparação para a revisão prevista da legislação, e para, no contexto europeu, defender a prioridade aos eSAF no Plano de Investimento para Transportes Sustentáveis.
[1] Consideram-se projetos de grande escala aqueles que têm uma capacidade de produção superior a 10.000 toneladas de eSAF por ano.
[2] Isto significa que o projeto está atualmente na fase de Projeto de Engenharia Front-End (FEED, na sigla inglesa) ou aguarda a decisão final de investimento (FID) após a conclusão do FEED.
[3] T&E, 2025. Down to earth: Why European aviation needs to urgently address its growth problem
[4] Os cinco principais mercados em termos de capacidade de produção anunciada são França (0,8 Mt), Noruega (0,3 Mt), Finlândia (0,3 Mt), Suécia (0,3 Mt) e Países Baixos (0,3 Mt), países que possuem redes elétricas de baixo carbono e fortes recursos de energia renovável. A França é o país com o maior número de projetos anunciados na Europa (11), tendo duplicado os seus projetos e capacidade de produção desde o ano passado.
[5] O projeto Infinium tem previsto uma capacidade de produção de 23.000 toneladas de combustíveis sintéticos por ano.
[6] Financial Times, 2025. “European airlines urge EU to pull back on climate policies”
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