Início » Mais de 80% dos habitats de zonas húmidas ameaçados em Portugal
2 de fevereiro de 2016
Comemora-se a 2 de fevereiro o Dia Internacional das Zonas Húmidas, num contexto de incerteza quanto aos efeitos das alterações climáticas, mas de total certeza quanto à importância de preservarmos um dos ecossistemas decisivos para a sobrevivência humana no planeta Terra. Para assinalar esta data, a ZERO partilha em formato exclusivo dados marcantes sobre esta temática.
Portugal possui somente 1,8% do seu território ocupado por zonas húmidas e apenas parte deste valor está protegido pela Convenção de Ramsar(1), abrangendo esta figura de proteção 31 Sítios, totalizando cerca de 132.487 hectares, ou seja, 79% do total das zonas húmidas existentes em Portugal(2).
Pese embora lhes seja conferida proteção legal no nosso país, na realidade 81,6% dos habitats relacionados com as zonas húmidas encontram-se degradados, sendo que das 43 representações de 22 habitats, pelas 5 regiões biogeográficas(3), 22 estão em estado de conservação desfavorável, nomeadamente habitats costeiros, como os prados salgados, ou as charcas temporárias e permanentes de água doce, e 9 estão mesmo em mau estado, entre os quais se contam, por exemplo, as lagunas costeiras, os charcos temporários mediterrânicos ou as turfeiras de transição e turfeiras ondulantes, situação que comprova que a atribuição de um estatuto de proteção a um determinado local nem sempre significa uma garantia de conservação ou do seu uso sustentável.
O Estado Português tem falhado por inação e um caso flagrante é a ausência de qualquer plano de ordenamento dos estuários – um dos mais importantes e produtivos habitats costeiros – passados dez anos sobre a publicação da Lei da Água. Apesar de várias tentativas de elaboração destes planos, donde o Estuário do Sado foi excluído à partida, nem a implementação de conselhos consultivos para esse efeito (e.g. Plano de Ordenamento do Estuário do Tejo) ultrapassou a situação.
Porque são importantes as zonas húmidas?
Apesar disto, as zonas húmidas continuam a ser degradadas e destruídas à escala mundial, devido à construção de infraestruturas, à conversão para a agricultura e floresta, à sobre extração insustentável de água, à poluição e contaminação, à sobreexploração dos seus recursos e à proliferação de espécies exóticas invasoras. Estima-se que, desde os inícios do século XX até aos nossos dias, tenham desaparecido entre 64 a 71% destes espaços. A região do Algarve exemplifica bem esta situação, já que se aponta para que 70% das zonas húmidas desta região tenham desaparecido no século passado.
A extração desproporcionada de caudais, em particular no sul do nosso país, e a construção de barragens e outros aproveitamentos hidráulicos que promovem uma drástica alteração dos regimes naturais, a rutura na continuidade dos habitats fluviais, bem como a alteração dos fluxos de sólidos e a deposição de sedimentos, impedindo que estes cheguem às áreas costeiras, são mais alguns exemplos de afetação do fornecimento de serviços de ecossistema. De salientar que, embora as massas de água artificializadas, como as barragens, sejam consideradas zonas húmidas – representando perto de 27% do total das áreas nacionais inventariadas – o seu valor ecológico é diminuto e não compensa a perda de zonas húmidas naturais(4).
Por outro lado, na região mediterrânica, onde Portugal se inclui, uma das ameaças para as zonas húmidas que parece estar num horizonte muito próximo é o turismo de massas, onde se desenvolve 30% desta atividade a nível mundial, e onde existe uma expectativa de que esta cresça ainda mais nos próximos anos, passando dos atuais 275 milhões de turistas anualmente para 390 milhões em 2025(5).
Ainda, se pensarmos que metade das reservas disponíveis de água são já consumidas – cerca de 290 Km3 – e que 40% da sua utilização resulta em perdas, um valor que está em média com a situação portuguesa, onde há municípios em regiões com pouca disponibilidade de recursos hídricos que são recorrentemente negligentes com perdas elevadíssimas nos sistemas de distribuição, antevê-se um problema gravíssimo. Com efeito, prevê-se um aumento do consumo em cerca de 15% nos próximos anos, o que atendendo à nossa vulnerabilidade às alterações climáticas – que inclui um aumento da temperatura superior à média, uma maior variabilidade da precipitação e da temperatura, com um aumento previsível de fenómenos extremos (e.g. mais ondas de calor no verão, aumento da frequência de secas prolongadas, de inundações e de tempestades costeiras), significa que o nosso país poderá encontrar-se em situação de stress hídrico(6) e mesmo de escassez de água no médio prazo.
De referir ainda que existe uma grande probabilidade de continuarem a desaparecer zonas húmidas (em particular as turfeiras), de estas se tornarem temporárias ou de ficarem ainda mais degradadas, fruto das diversas pressões. O impacto da perda destes ecossistemas sobre as sociedades humanas, incluindo a nossa, implicará certamente mais pobreza e mais desigualdades, menor saúde e salubridade, custos económicos elevados, conflitos armados, pelo que a preservação destas pequenas áreas tem uma excelente relação custo-benefício.
A preservação das zonas húmidas, vitais para o equilíbrio ecológico e para as populações humanas, deve fazer parte de uma estratégia integrada de preservação dos recursos com maximização do benefício social e económico. Como resultado, é urgente a implementação dos planos de ordenamento dos estuários, dado que são atualmente das zonas que maiores pressões sofrem devido à especulação turístico-imobiliária.
Também os planos de ordenamento devem garantir a consolidação dos investimentos já efetuados (e.g. Lagoa de Óbidos, e Barrinha de Esmoriz/Lagoa de Paramos), travar a fragmentação e a destruição de habitats e garantir o uso sustentável dos recursos. As medidas constantes nos Planos de Gestão de Região Hidrográfica (PGRH) e nos Planos de Gestão de Riscos de Inundações (PGRI), presentemente em consulta pública, devem também conseguir integrar o objetivo de preservação das zonas húmidas.
NÚMEROS & FACTOS
0,3% Percentagem da superfície terrestre ocupada por zonas húmidas de água doce. O conjunto das zonas húmidas – definidas como zonas de pântano, charco, turfeira ou água, natural ou artificial, permanente ou temporária, com água estagnada ou corrente, doce, salobra ou salgada, incluindo águas marinhas cuja profundidade na maré baixa não exceda os seis metros – ocupam cerca de 12,8 mil milhões de hectares, o que corresponde a 6% da superfície terrestre.
50 litros de água por pessoa e por dia é o mínimo necessário para que uma pessoa leve uma vida digna, de acordo com os dados da Organização Mundial de Saúde, o que corresponde apenas a 1,2% da água que utilizamos.
2.850 milhões de pessoas deverão ser afetadas pelo stress hídrico em 2025, e 804 milhões pela escassez de água.
150 milhões de euros é valor que Portugal poderia exportar em Ostra-portuguesa, uma espécie que quase desapareceu devido à poluição, se explorássemos corretamente as nossas zonas húmidas costeiras, em especial as rias e os estuários.
50 vezes mais é a eficácia das zonas húmidas a sequestrar e a armazenar carbono, quando comparadas com as florestas tropicais e equatoriais, o que corresponde a cerca de um terço do carbono existente nos solos, apesar de ocuparem apenas 6% da superfície terrestre, e demonstra o seu papel fundamental em travar as alterações climáticas.
2,7 mil biliões de euros são valores astronómicos quando comparados com a realidade portuguesa, mas correspondem a estimativas conservadoras dos custos económicos que resultavam da quebra no fornecimento dos serviços (benefícios) que nos prestam as zonas húmidas de água doce – a maior parte das vezes sem que tenhamos consciência disso – enquanto os sapais e os mangais se situam nos 7,2 mil biliões de euros e os corais nos 11,9 mil biliões).
50% do azoto é fixado pela vegetação aquática, típica destes ecossistemas, que serve ainda de filtro e depurador da água, removendo 82% dos sólidos suspensos.
(1) A Convenção sobre Zonas Húmidas constitui um Tratado intergovernamental adotado em 2 de fevereiro de 1971 na Cidade Iraniana de Ramsar. Por esse motivo, esta Convenção é geralmente conhecida como “Convenção de Ramsar” e representa o primeiro dos Tratados globais sobre conservação. A Convenção entrou em vigor em 1975 e conta atualmente com 150 Países Contratantes em todos os Continentes. Atualmente, foram designados pelas Partes Contratantes cerca de 1.600 Sítios de importância internacional, cobrindo cerca de 134 milhões de hectares de Zonas Húmidas. (Fonte: ICNF)
(2) Tendo por base os dados do Corine Land Cover 2006.
(3) Regiões Biogeográficas para Portugal: Mediterrânica, Atlântica, Macaronésia, Mar Atlântico, Mar da Macaronésia; Informação ICNF 3º Relatório Nacional de Aplicação da Diretiva Habitats (2007-2012)
(4) Perennou C., Beltrame C., Guelmami A., Tomas Vives P., Caessteker, P. (2012). Existing areas and past changes of wetland extent in the Mediterranean region: an overview. Ecologia Mediterranea – Vol. 38 (2): 53-66
(5) Medwet – draft MedWet Framework for Action 2016-2030 – Wetlands for sustainable development in the Mediterranean region
(6) Considera-se stress hídrico uma disponibilidade de água inferior a 1700 m3/hab/ano e escassez de água uma disponibilidade de água inferior a 1000 m3/hab/ano, Segundo Falkenmark (1992).
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