Início » Construção de novo açude no Rio Vouga não prevê passagem para peixes e coloca em risco a conservação de peixes migradores
Avaliação Ambiental efetuada há 18 anos está obsoleta e não considera nova situação de referência
Face ao anúncio público de que a Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro (CIRA) lançou um novo concurso para a construção da ponte-açude do Rio Novo do Príncipe (troço final do rio Vouga), em Cacia, concelho de Aveiro, a ZERO vem manifestar profunda preocupação pela execução de uma obra de questionável legalidade. Uma vez que esta obra não foi sujeita a um novo procedimento de avaliação de impacte ambiental e que não prevê a construção de raiz de um dispositivo de passagem para peixes, esta situação pode inviabilizar o acesso das espécies migradoras aos locais de desova e comprometer ainda mais o estado de conservação desfavorável de espécies como a lampreia-marinha (Petromyzon marinus) e o sável (Alosa alosa).
A construção de um açude no Rio Novo do Príncipe tem como objetivo travar o avanço da cunha salina e assegurar a disponibilidade de água doce para fins industriais – principalmente para fornecimento de água doce à unidade fabril de produção de pasta de papel da Navigator – e agrícolas. O projeto desenvolve-se em pleno Sítio de Interesse Comunitário Ria de Aveiro, entretanto reclassificado como Zona Especial de Conservação (ZEC), criado em grande medida para garantir a conservação de algumas espécies de peixes migradores. Neste sentido, a ZERO advoga uma nova avaliação de impacte ambiental (18 anos após a anterior), a par da instalação imediata de um dispositivo de passagem para peixes.
EM DETALHE: enquadramento da construção do novo açude
Açude criará um obstáculo à continuidade fluvial e exerce um efeito barreira sobre as comunidades naturais
Nesta ZEC, a maior ameaça para os peixes migradores incide precisamente na interrupção da continuidade longitudinal, o que pode levar, em última instância, à impossibilidade de aceder às zonas de desova existentes nos rios Vouga, Águeda e Alfusqueiro. Em resposta a este problema, uma das medidas de gestão definidas para esta área consiste em evitar ou corrigir intervenções que obstaculizem a continuidade longitudinal dos cursos de água, assegurando o acesso às áreas propícias para a desova por parte das espécies migradoras diádromas[i].
É justamente o desprezo por esta medida de gestão que permitirá, em breve, a construção de um açude no Rio Novo do Príncipe, sendo este o curso principal da rota utilizada pelos peixes migradores, sem que esteja previsto, desde logo, a construção de um dispositivo de passagem para peixes, situação que não é a ideal mas que ainda assim mitiga os efeitos da instalação de uma barreira no curso de água.
Para a ZERO é incompreensível a posição tanto da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) como do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) que optam primeiro pela ocorrência de impactes ambientais e só depois pela adoção de soluções que podem não mitigar os efeitos ambientais indesejáveis, com uma previsível afetação expressiva do erário público, contrariando assim o princípio preventivo da própria avaliação de impacte ambiental a que deveria ter sido sujeito este projeto.
Em concreto, a APA e o ICNF estipulam a necessidade da CIRA apresentar, até 6 meses do final da obra, um estudo que defina as regras para a operação das comportas por forma a comprovar a não interferência nos processos de migração das espécies piscícolas e, caso se verifique que o funcionamento do açude não permita a circulação dos peixes, o promotor será obrigado a construir um dispositivo de passagem adequado às espécies piscícolas que ocorrem naquele local. .
Para além disso, alerta-se para o facto de que é muito provável que o estudo da operação das comportas não consiga preconizar soluções aceitáveis para (i) as eventuais alterações aos períodos previstos de migração das espécies (janeiro a junho), motivadas pela variabilidade interanual do regime hidrológico e das condições meteorológicas, ou (ii) para as imposições de funcionamento do aproveitamento hidroelétrico de Ribeiradio-Ermida, sendo que ambas as situações podem vir a inviabilizar o acesso à água doce por parte dos utilizadores industriais, como a Navigator, e agrícolas durante o estio.
O enigma da Declaração de Impacte Ambiental (DIA) com 18 anos que ainda está válida
Em 2003, a requalificação da pista de remo de Aveiro foi proposta e aprovada com DIA condicionada, e, em 2008, já depois do contratempo da recusa de apoio financeiro por parte da Secretaria de Estado do Desporto, as Infraestruturas hidráulicas da Pista Olímpica de Remo e Canoagem do Rio Novo do Príncipe e Ponte do Outeiro foram alvo de verificação de conformidade (RECAPE).
Oito anos depois, na sequência de um pedido para execução da infraestrutura hidráulica no Rio Novo do Príncipe por parte da Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro (CIRA), a APA considera válida a DIA de 2003, estabelecendo que a Ponte do Outeiro havida sido já executada em conjunto com outras duas estruturas (Açude do Rio Velho e Descarregador de fundo no Rio de Mós), uma leitura que parece colocar em causa os fundamentos da avaliação de impacte ambiental.
Este projeto é da responsabilidade da CIRA e será implementado com recurso a financiamento do Fundo de Coesão e do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural, com 3,95 milhões de euros e 16,4 milhões de euros, respetivamente, situação que obrigaria a particulares cautelas em matéria de cumprimento da legislação comunitária relativa à conservação dos habitats naturais e das espécies da fauna e da flora selvagens.
É vital que não se deixe passar em claro que os pressupostos do projeto foram inequivocamente alterados, posto que a infraestrutura prevista em 2003 se tratava de uma pista olímpica de remo (entretanto construída em Montemor-o-Velho) e o projeto de 2016 tem como propósito assegurar disponibilidade de água doce para fins industriais, nomeadamente, produção de pasta de papel na instalação fabril da Navigator, em Cacia.
Acresce que a situação de referência para o local de edificação do projeto foi alterada em relação a 2003, já que se encontra em funcionamento o aproveitamento hidroelétrico de Ribeiradio-Ermida, que houve entretanto um aumento de volume captado pela Navigator e que foi classificada da área afetada como ZEC.
Posto isto, a ZERO reitera que a posição assumida pela APA não é razoável, nem a DIA de 2003 pode estar válida, considerando a alteração de projeto – no momento atual é denominado de “Infraestrutura hidráulicas do Sistema de Defesa contra Cheias e Marés no Rio Velho e no Rio Novo do Príncipe”, nem a situação de referência se manteve a mesma.
Nova avaliação de impacte ambiental é absolutamente necessária
A ZERO advoga que os impactes do açude sejam alvo de nova avaliação, integrando-a no Estudo de Impacte Ambiental que estará neste momento em elaboração para o projeto “Sistema Primário de Defesa do Baixo Vouga Lagunar”; em paralelo, que seja concebido de imediato um projeto técnico de instalação de um dispositivo de passagem para peixes, para que, concluída a avaliação ambiental da obra, exista uma solução adequada para garantir que os movimentos das populações piscícolas se realizam sem a presença de obstáculos intransponíveis.
[i] Assim designadas porque se desenvolvem entre o mar e os meios de água doce e realizam movimentos entre a água doce e salgada para se reproduzirem ou alimentarem.
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