Início » Portugal desperdiça oportunidade histórica de contribuir para a descarbonização do transporte marítimo na Europa
Decisão dos Estados-Membros atrasa transição energética no transporte marítimo
Os Estados-Membros decidiram ontem, durante a reunião de Ministros no Conselho dos Transportes, que o Regulamento FuelEU Maritime permitirá que os navios continuem a ser movidos a combustíveis fósseis, com poucos incentivos para a transição para alternativas sustentáveis e hipocarbónicas nas próximas décadas.
No quadro do Objetivo 55, um pacote de propostas legislativas apresentado pela Comissão Europeia no verão passado para alcançar a meta de redução das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) em 55% até 2030, a União Europeia (UE) propõe-se a lidar com as significativas emissões do setor dos transportes marítimos através de um gradual abandono do uso de combustíveis fósseis previsto na proposta de Regulamento(1) relativo à utilização de combustíveis renováveis e hipocarbónicos nos transportes marítimos (FuelEU Maritime).
Contudo, a ZERO já tem vindo a dar conta de estudos que demonstram que, tal como está, a proposta nada mais faz do que quadruplicar o uso de gás fóssil na forma de Gás Natural Liquefeito (GNL) no transporte marítimo europeu de 6% hoje até 23% até 2030. Na mesma linha, uma análise(2) comissionada pela Danish Shipping (organização dinamarquesa de armadores de comércio marítimo) reforça que o projeto de regulamento torna o gás fóssil custo-competitivo face às alternativas verdadeiramente limpas.
Prolongamento dos combustíveis fósseis compromete neutralidade climática até 2050 e é incompatível com relatório do IPCC
Vale a pena aqui notar que prolongar o uso de combustíveis fósseis no transporte marítimo coloca em causa o objetivo juridicamente vinculativo a que a UE se propôs de alcançar a neutralidade climática até 2050. Mais ainda, é incompatível(3) com as recomendações do mais recente relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla inglesa) que aconselha claramente a promoção de combustíveis alternativos à base de hidrogénio, incluindo a amónia e outros combustíveis sintéticos, no transporte marítimo.
Numa tentativa de alterar o rumo das negociações, duas relevantes nações marítimas europeias, a Alemanha e a Dinamarca, avançaram com uma proposta que elenca mudanças cruciais no Conselho da União Europeia para reforçar a proposta original da Comissão. Neste sentido, propôs-se: i) a restrição do uso de combustíveis fósseis ao adotar metas mais ambiciosas de intensidade de gases com efeito de estufa para os combustíveis navais a partir de 2025 e visando a completa descarbonização até 2050; ii) estabelecer um mandato para uma sub-quota mínima até 2030 de 6% para combustíveis sintéticos produzidos com energia 100% renovável, como o hidrogénio verde; iii) adotar um multiplicador para combustíveis sintéticos aplicado a volumes acima da sub-quota para incentivar a sua utilização para além de 2030.
Caso fossem adotadas pelos governos nacionais, estas alterações teriam o potencial de garantir que o FuelEU Maritime cumprisse o seu desígnio inicial. Lamentavelmente, a proposta contou apenas com o apoio dos Países Baixos, da Bélgica, da Irlanda e da Áustria. Por outro lado, num artigo(4) publicado esta semana pela imprensa espanhola, a Espanha aparentemente parece favorecer a criação de uma sub-quota para combustíveis renováveis de origem não biológica (RFNBOs, na sigla inglesa).
Ainda assim, os Estados-membros, e Portugal, ficaram, para já, aquém de criar verdadeiros incentivos para a utilização de combustíveis sintéticos e renováveis. O Conselho adotou a sua orientação geral, sem aumentar o nível de ambição da proposta da Comissão quanto às metas de intensidade de GEE a fim de alcançar zero emissões até 2050 e sem estipular sub-quotas para RFNBOs. Contudo, nem tudo é mau: os Estados-Membros concordaram em estabelecer um multiplicador de 2 exclusivo para RFNBOs até 2030, a par com uma cláusula de revisão para incluir mecanismos específicos para RFNBOs.
Coligação lamenta falta de ambição
Ainda no rescaldo da reunião do Conselho, é crucial relevar a declaração submetida(5) por uma coligação de Estados-membros constituída pela Alemanha, Dinamarca, Países Baixos, Irlanda, Suécia e Luxemburgo, lamentando a falta de ambição desta orientação geral do Conselho e sublinhando a importância das propostas que foram apresentadas no sentido de reforçar as metas de GEE e um maior apoio aos RFNBOs (incluindo através da implementação de uma sub-quota). Esta posição será crucial no quadro das discussões que terão lugar entre o Conselho e o Parlamento, em conjunto com a Comissão, no sentido de negociar o texto final deste importante Regulamento, os chamados trílogos.
Não esqueçamos que é verdadeiramente crucial almejar transportes marítimos limpos e zero emissões, sobretudo se Portugal pretende alcançar os seus próprios objetivos de neutralidade carbónica explanados no Roteiro de Neutralidade Carbónica e no Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC 2030).
Portugal menos ambicioso
Para Portugal, um país que geralmente se posiciona entre os mais ambiciosos em matéria de ação climática, defender uma posição mais alinhada com as propostas da Dinamarca e Alemanha representaria uma oportunidade significativa não só de solidificar a sua posição de liderança climática, mas sobretudo de concretizar outros objetivos nacionais associados, como é o caso do desenvolvimento e utilização de hidrogénio verde e, bem assim, de energias renováveis.
A Estratégia Nacional para o Hidrogénio (ENH2) estipula concretamente a meta de 3-5% de hidrogénio verde no consumo de energia no transporte marítimo doméstico até 2030. A combinação das soluções propostas pela Dinamarca e Alemanha representa uma oportunidade única de tornar o hidrogénio verde mais acessível e, simultaneamente, mais atrativo para a utilização no transporte marítimo, permitindo, ao mesmo tempo, alcançar os objetivos da ENH2. De realçar que a aplicação de uma sub-quota mínima de 6% até 2030 para combustíveis sintéticos produzidos com energia 100% renovável implicaria um aumento significativo da procura de hidrogénio verde por parte da indústria do transporte marítimo europeia, na ordem das 800,000 toneladas.
Tendo em conta os lucros recorde registados nos últimos anos na indústria do transporte marítimo, não podem haver desculpas para que não se invista em combustíveis alternativos que não emitam GEE para a atmosfera. Atualmente, o transporte marítimo depende a 99% de combustíveis fósseis e emite cerca de 3% dos GEE globais, um valor que se situa acima das emissões anuais de grandes economias, como a Alemanha. Sem esforços significativos para reduzir as emissões dos navios, o setor poderá vir a emitir até 10%(6) de GEE até 2050.
O Presidente da ZERO, Francisco Ferreira reforça que: “Não faz sentido continuarmos a fazer investimentos ociosos em gás natural liquefeito, quando temos alternativas limpas ao nosso dispor que podem ser exploradas e a sua produção escalada. Chegou a hora de Portugal assumir uma posição de verdadeira liderança na ação climática, maximizando os investimentos em hidrogénio e amónia verdes, direcionando-os para o transporte marítimo, um dos setores que mais dificilmente se poderá eletrificar. Este passo é essencial se queremos alcançar os objetivos climáticos do Acordo de Paris e assegurar um planeta não só sustentável, como habitável”.
Cabe agora à Comissão dos Transportes do Parlamento Europeu tomar as rédeas da ambição e trabalhar no sentido de garantir uma transição efetiva para alternativas sustentáveis e hipocarbónicas nas próximas décadas. É crucial que Portugal e os Eurodeputados portugueses assumam posições firmes na defesa de uma política climática europeia verdadeiramente alinhada com os objetivos do Acordo de Paris, sobretudo numa ótica de desenvolvimento sustentável de um dos mais importantes setores mundiais.
Próximos passos
A Comissão dos Transportes do Parlamento Europeu irá votar a proposta da Comissão em julho, antes de levar o voto até à sessão plenária em Estrasburgo em meados de setembro. Assim que o Parlamento votar a sua posição final, o Regulamento será discutido entre as três instituições europeias e o texto final aprovado em conformidade, após alcançado um acordo.
Notas para o editor:
(1) https://ec.europa.eu/info/sites/default/files/fueleu_maritime_-_green_european_maritime_space.pdf
(2) https://cedelft.eu/publications/fueleu-maritime-and-eu-ets/
(5) https://zero.ong/wp-content/uploads/2022/06/Statement-TTE-FuelEU-Maritime.pdf
(6) https://wwwcdn.imo.org/localresources/en/OurWork/Environment/Documents/Fourth IMO GHG Study 2020 Executive-Summary.pdf
Cookie | Duração | Descrição |
---|---|---|
cookielawinfo-checkbox-analytics | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Analytics". |
cookielawinfo-checkbox-functional | 11 months | The cookie is set by GDPR cookie consent to record the user consent for the cookies in the category "Functional". |
cookielawinfo-checkbox-necessary | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookies is used to store the user consent for the cookies in the category "Necessary". |
cookielawinfo-checkbox-others | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Other. |
cookielawinfo-checkbox-performance | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Performance". |
viewed_cookie_policy | 11 months | The cookie is set by the GDPR Cookie Consent plugin and is used to store whether or not user has consented to the use of cookies. It does not store any personal data. |