Início » O inferno regressa aos céus de Lisboa e a ZERO quer medidas imediatas, a par de repensar a relocalização do aeroporto
Autoridades e concessionária falham em proteger os cidadãos do ruído
No âmbito da ação da ZERO “dÉCIbEIS A MAIS, O INFERNO NOS CÉUS”, a ZERO realizou em Camarate, no concelho de Loures, a mais extensa campanha de medições de ruído aeroportuário desde 2019, ocorrida entre os passados dias 14 e 19 de julho. Numa área densamente habitada, contando com a colaboração da Junta de Freguesia local e de moradores de um dos edifícios sobrevoados, e recorrendo a equipamento de medição devidamente homologado e certificado* operado pela empresa NoiseLab, a ZERO constatou que os níveis de ruído superam amplamente os limites legalmente estabelecidos – isto é, após um período de acalmia motivado pela pandemia, o Inferno está de volta aos céus de Lisboa.
Os valores diários recolhidos pela ZERO são mostrados na tabela abaixo e revelam que todos os dias foram superados os limites legais tanto para a média ponderada de 24h, o denominado Lden, cujo limite legal para zonas mistas (como é o caso em termos de classificação legal) é de 65 dBA, como para o período noturno, cujo limite legal para as mesmas zonas é de 55 dBA. É importante referir que as áreas urbanas sob os cones de aproximação e descolagem de aviões são compostas por inúmeros recetores sensíveis (escolas, universidades, hospitais, bibliotecas, etc.), onde, na ausência de uma infraestrutura aeroportuária próxima, os limites legais são mais exigentes (Lden=55dBA; Ln=45dBA).
Data | Lden (dBA) (24h) |
Diferença Lden (dBA) para o Legislado (65dBA) | Ln (dBA) (23 às 7h) |
Diferença Ln (dBA) para o Legislado (55dBA) |
14/07/2022 | 72,1 | +7,1 | 63,1 | +8,1 |
15/07/2022 | 72,0 | +7,0 | 65,0 | +10 |
16/07/2022 | 72,0 | +7,0 | 65,0 | +10 |
17/07/2022 | 72,3 | +7,3 | 64,5 | +9,5 |
18/07/2022 | 71,2 | +6,2 | 63,0 | +8,0 |
19/07/2022 | 70,2 | +5,2 | 61,7 | +6,6 |
Total do período de seis dias | 72,0 | +7,0 | 64,0 | +9,0 |
Deve-se também ter em conta que a escala de decibel é logarítmica e a intensidade sonora duplica a cada 3 dBA. Ou seja, estamos perante níveis de intensidade de ruído que são várias vezes superiores ao que a lei determina.
Como tem sido largamente difundido, incluindo pela ZERO, o ruído constitui uma forte perturbação da qualidade de vida, nomeadamente o ruído noturno, causando doença cardiovascular, stress, redução da capacidade de aprendizagem das crianças, entre outros distúrbios e patologias. Note-se que a Organização Mundial de Saúde, em locais afetados pelo tráfego aéreo, recomenda fortemente valores máximos da contribuição do ruído dos aviões de 40dBA em período noturno (Ln) e 45 dBA no período das 24 horas do dia (Lden).
ZERO denuncia que regime de restrição de voos noturnos continua a ser uma farsa
A ZERO monitorizou nos últimos dias o número de movimentos aéreos (aterragens e descolagens) ocorridos durante a noite no aeroporto, para aferir o cumprimento da Portaria 303-A/2004 de 22 de março. De acordo com legislação do ruído publicada em 2000, não deveria ocorrer qualquer movimento aéreo no aeroporto de Lisboa entre as 0 e as 6 horas, mas a referida Portaria de 2004, motivada na altura pela realização do Euro 2004, estabelece a possibilidade de voos nesse período mediante restrições, quer no tocante às aeronaves que podem operar em função das suas emissões sonoras, quer no número de voos ocorridos. Na semana iniciada a 11 de julho, a ZERO registou um total de 140 movimentos nesse horário, o que corresponde a uma flagrante violação da legislação, que estabelece um limite de 91 voos semanais – ou seja, foram registados 49 voos acima do permitido (o mesmo tipo de violação ocorre se considerarmos outros períodos de sete dias neste mês de julho).
Ou seja, não só o limite não está a ser cumprido, como está a ser largamente excedido em mais de 50%. Já no período entre as 23 e as 7 horas, a ZERO tem registado sistematicamente cerca de 70 movimentos por noite. Estamos, portanto, perante um atropelo gigante e inadmissível a um direito fundamental dos cidadãos, o direito ao descanso, com todas as consequências daí decorrentes em termos de distúrbios de sono e patologias associadas.
ZERO quer uma noite de descanso efetivo, sem quaisquer aviões a passar
A ZERO faz recordar que noutros aeroportos europeus, mesmo afetando muito menos população que o Humberto Delgado, as restrições noturnas são escrupulosamente cumpridas, sendo habitual que voos com hora prevista de chegada ou partida dentro do período restrito não cheguem a realizar-se. A ZERO entende que deve haver um período de seis horas todas as noites, das 0 às 6 horas, sem absolutamente nenhum movimento aéreo, e propõe incluir um período de funcionamento limitado nas horas contíguas.
Queixa da ZERO à Autoridade Nacional de Aviação Civil sem quaisquer efeitos práticos
A ZERO já tinha constatado em 2019 que o regime de voos noturnos em vigor no Aeroporto de Lisboa estaria a ser incumprido, e nesse contexto enviou um pedido de investigação e de atuação em conformidade à Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC), com conhecimento à Inspeção-Geral da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território (IGAMAOT) e à Agência Portuguesa do Ambiente (APA).
A ZERO espera que estejam a ser aplicadas as contraordenações previstas às companhias aéreas e à ANA Aeroportos, enquanto entidade gestora da infraestrutura; porém, o que preocupa a Associação é realmente a ineficácia da sua queixa em termos práticos, com prejuízo para a saúde de quem reside nas proximidades do aeroporto ou debaixo dos cones aéreos. Assim, a ZERO apela a uma atuação firme das autoridades no sentido de fazerem cumprir a legislação, nomeadamente da parte da APA e da IGAMAOT, garantindo o cumprimento integral dos valores limites de ruído no que diz respeito ao período noturno.
Plano de Ação de ruído continua no papel
O corrente Plano de Ação do Ruído para o Aeroporto Humberto Delgado, elaborado apela ANA Aeroportos e aprovado pela Agência Portuguesa do Ambiente ao abrigo da legislação, foi disponibilizado apenas em 2021, mas diz respeito ao período 2018-2023, ou seja, foi apresentado três anos depois da sua suposta entrada em vigor. A ZERO faz ainda notar que este plano se baseia na operação de 2016, com 182.148 movimentos anuais, sendo que em 2019 a operação já tinha crescido para 222.984 movimentos, i.e., 22,4% face a 2016, sendo que, nos últimos meses, a operação está praticamente ao nível dos meses homólogos de 2019, pré-pandemia. Ou seja, estamos perante um plano que já estava profundamente desatualizado quando entrou em vigor.
Neste plano prevê-se a insonorização a partir de 2021 de vários edifícios de serviços, incluindo públicos, nomeadamente hospitais e escolas, e de habitação, operação que ficaria a cargo da própria concessionária do aeroporto. Mas no entender da ZERO este plano é extremamente deficiente e ineficaz, pois, para além da obsolescência já apontada, prevê intervenções demasiado dilatadas no tempo e circunscritas geograficamente, e pauta-se por critérios discricionários para as mesmas, limitando-as às com “razoável custo associado”, não existindo critério objetivo e defensável para separar os edifícios intervencionados dos não intervencionados – segundo o plano, “apenas serão considerados os edifícios de construção mais antiga”, com data de licença de construção até ao ano 2000, um critério que dá jeito à concessionária mas não dá jeito aos cidadãos afetados, independentemente da data de construção do edifício onde vivem.
Contudo, para piorar, não há qualquer indício de que o plano esteja a ser executado: não há obra executada, nem tão pouco foi disponibilizada a plataforma digital para os proprietários de imóveis afetados se candidatarem a financiamento no âmbito do Programa de Isolamento Acústico.
É igualmente relevante mencionar que há um conjunto de informação obrigatória, nomeadamente relativa ao sistema de monitorização de ruído e ocorrência de voos noturnos através de uma plataforma que não existe.
Ou seja, estamos perante uma inação reveladora de uma total inépcia das autoridades de ambiente e aeroportuárias em proteger a saúde pública, coadjuvadas por uma conivência por parte das autarquias e do Governo, que continuam a manifestar um autismo crónico e conveniente em relação a este problema. Em suma, todas as promessas feitas, legislação e planos são reiteradamente pura e simplesmente incumpridas.
A ZERO entende ainda que eventual relocalização do Aeroporto Humberto Delgado não pode servir de desculpa para não realizar as intervenções que mitiguem a calamitosa situação existente e que constituem um grave atentado à saúde de dezenas de milhares de pessoas, pois independentemente disso o aeroporto manter-se-á em funcionamento durantes longos anos.
Saber os custos do ruído provocado pela utilização do Aeroporto Humberto Delgado e levar a sério a Estratégia Nacional para o Ruído Ambiente (ENRA2030)
A ZERO entende que, no contexto da Avaliação Ambiental Estratégica ao novo aeroporto de Lisboa, os custos para a saúde pública da manutenção do aeroporto na Portela, que são pagos por toda a sociedade, devem ser quantificados e incluídos nas contas dos custos da sua relocalização para local adequado. A este propósito, refira-se que a ZERO aguarda com expectativa a divulgação do estudo que a Câmara Municipal de Lisboa, através de deliberação unânime em 2019, se comprometeu a promover com o objetivo de conhecer os “impactes diversos da exploração do Aeroporto de Lisboa, incidindo nos diversos focos de poluição identificados, incluindo os níveis de ruído e emissões existentes e efluentes produzidos, contemplando a incidência do tráfego atual na saúde pública, no bem-estar e no ambiente”.
Estando em preparação a Estratégia Nacional para o Ruído Ambiente (ENRA2030) e constituindo as grandes infraestruturas de transportes um dos mais importantes fatores de degradação do ambiente acústico, o facto de uma percentagem significativa do total de portugueses expostos a níveis de ruído acima dos limites legais residirem nas áreas afetadas pela operação do Aeroporto da Portela deveria ser motivo suficiente para se pensar nos ganhos em termos de saúde, bem-estar, produtividade e qualidade de vida que a relocalização desta infraestrutura representa.
ZERO lança formulário para acolher reclamações sobre ruído dos aviões
Ao contrário da esmagadora maioria das entidades gestoras dos grandes aeroportos europeus, no site do aeroporto de Lisboa não existe um formulário que permita aos cidadãos de uma forma expedita queixarem-se do ruído provocado pelo seu tráfego aéreo. No site da ANAC (entidade reguladora do sector da aviação) também não é possível ao cidadão comum apresentar essa queixa de uma forma simples. Também por isso, a ZERO tem recebido inúmeras dessas queixas. Assim no sentido de facilitar esta reclamação a todos os queixosos, a ZERO disponibiliza no seu próprio site um formulário com vista a facilitar e agilizar o envio das reclamações para as entidades competentes (https://forms.gle/y7v8NWvmAsh3Vifv7).
Nota:
*As medições foram feitas com sonómetro / analisador sonoro homologado e de classe de precisão 1, com respetivo calibrador acústico. Analisador marca 01dB modelo Symphonie com calibrador acústico marca Rion modelo NC-74. O nosso agradecimento à NoiseLab pela sua imprescindível colaboração.
Cookie | Duração | Descrição |
---|---|---|
cookielawinfo-checkbox-analytics | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Analytics". |
cookielawinfo-checkbox-functional | 11 months | The cookie is set by GDPR cookie consent to record the user consent for the cookies in the category "Functional". |
cookielawinfo-checkbox-necessary | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookies is used to store the user consent for the cookies in the category "Necessary". |
cookielawinfo-checkbox-others | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Other. |
cookielawinfo-checkbox-performance | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Performance". |
viewed_cookie_policy | 11 months | The cookie is set by the GDPR Cookie Consent plugin and is used to store whether or not user has consented to the use of cookies. It does not store any personal data. |