GreenWatch ZERO: O estranho caso “verde” da Energia Nuclear
Será que a energia nuclear merece o selo verde da União Europeia?
Hoje escrevemos sobre um tópico bem contencioso: A Energia Nuclear. A discórdia no debate em torno desta forma de energia não é de hoje, e certamente não acabará tão cedo. Em julho de 2022, a União Europeia deu um passo para alimentar a discórdia com a aprovação da controversa “Taxonomia Verde”, que começou a vigorar a 1 de janeiro de 2023, e classificou o investimento em energia nuclear como sustentável, equiparando-a às energias renováveis, abrindo assim caminho para que se canalize investimentos para esta atividade. Mas será então a Energia Nuclear efetivamente verde e merecedora desta classificação?
Vamos primeiro perceber o que é esta taxonomia e o que implica. A Taxonomia Verde é um sistema de classificação das atividades económicas sustentáveis estabelecido pela União Europeia. O seu objetivo é fornecer uma linguagem e critérios comuns às empresas e investidores para avaliar o impacto ambiental dos seus investimentos e assegurar o seu alinhamento com os objetivos ambientais da UE.
Segundo estes critérios, uma atividade económica é considerada ambientalmente sustentável se contribuir substancialmente para um ou mais dos seguintes objetivos:
- Mitigação das alterações climáticas;
- Adaptação às alterações climáticas;
- Uso sustentável e proteção da água e recursos marinhos;
- Transição para a economia circular;
- Prevenção e controlo da poluição;
- Proteção e restauro da biodiversidade e ecossistemas.
Outra dimensão que vale a pena mencionar é o princípio “Não Prejudicar Significativamente” (Do No Significant Harm (DNSH), em Inglês), que prevê que uma atividade apesar de contribuir positivamente para um dos pontos anteriores, não poderá pôr em causa qualquer dos outros critérios.
Olhemos então para as principais preocupações com esta forma de energia.
O urânio é um elemento naturalmente radioativo e o principal “combustível” que alimenta a geração de energia nuclear. E, sem surpresa, a sua extração acarreta uma série de problemas ambientais na forma de poluição nos solos e água, agravados pela radioatividade, e riscos para a saúde humana e dos seres vivos nas áreas circundantes. A jusante, a principal preocupação são os resíduos altamente radioativos que permanecem perigosos durante milhares de anos e exigem um armazenamento e eliminação seguros – contrariando evidentemente a filosofia da economia circular.
Estes últimos pontos continuam a ser um dos maiores desafios da Indústria Nuclear, sendo que os atuais métodos preferenciais para o efeito são o armazenamento temporário de resíduos radioativos à superfície, normalmente em instalações especialmente concebidas para o efeito, ou em contentores em depósitos geológicos profundos (minas ou outras formações rochosas) de forma permanente – ainda que esteja por comprovar a viabilidade deste último e os potenciais efeitos a longo prazo. E tendo tudo isto em consideração, os custos associados são muito elevados.
Estes pontos anteriores levantam dúvidas quanto ao cumprimento do princípio DNSH. A isto, acrescem ainda as preocupações do ponto de vista político e social. Especificamente, o risco de acidentes nucleares. Não poderia deixar de mencionar o caso de Chernobyl em 1986 que deixou efeitos devastadores para a vida humana e para o ambiente, nem o caso da central de Fukushima em 2011 que, nos deixou um sério aviso. Seja por erro humano ou por fenómenos naturais, a verdade é que num mundo que enfrenta sérios desafios com as alterações climáticas, e em que as relações sócio e geopolíticas se podem fragilizar a qualquer momento, a existência de “hotspots” de risco e de uma atividade que pode bem alimentar a proliferação de armas nucleares. deverá pesar bastante nestas considerações. Bom será lembrar o recente caso da central Nuclear Zaporizhzhia na Ucrânia cujo funcionamento e integridade ficou ameaçada, e a forma como foi utilizada como trunfo bélico na Guerra causada pela invasão Russa.
Quais são então as implicações da inclusão da energia nuclear na taxonomia verde?
Na prática, isto incentivará os investimentos nesta forma de energia, desviando assim recursos preciosos para aumentar a capacidade das energias renováveis. Uma central nuclear leva entre 10 a 19 anos a ser construída – desde o seu planeamento à operação, o que em nada contribui para os objetivos de descarbonização a curto-médio prazo. As energias renováveis podem ser implementadas imediatamente, tanto para proporcionar independência energética aos países, como soberania energética aos cidadãos com opções descentralizadas, e que nos permitem atingir metas climáticas ambiciosas.
Tornou-se aparente a natureza política desta classificação, que em muito serve os ávidos defensores da energia nuclear, como é o caso de França. As energias renováveis ainda enfrentam muitos obstáculos para a sua rápida e efetiva implementação, e numa altura em que os esforços deveriam ser canalizados neste sentido, a inclusão da energia nuclear distrai-nos disso.
Será então a energia nuclear verde?
O nosso veredicto é não.