Cidades com menos carros, porquê?
Vivemos num momento crucial, em que a necessidade de repensar as nossas cidades e a sua abordagem à mobilidade se torna mais evidente do que nunca. Em dezembro de 2021, um relatório do Instituto Nacional de Estatística (INE) revelou que Portugal atingiu a impressionante marca de 7 milhões de veículos ligeiros em circulação, numa população de aproximadamente 10,3 milhões de pessoas. Isto traduz-se numa média de 677 veículos por cada mil habitantes, colocando Portugal acima da média europeia de 567 veículos por cada mil habitantes, segundo dados da Eurostat.
Custo para o ambiente… e para a saúde humana
Infelizmente, este aumento na posse de automóveis tem um custo significativo para o ambiente e a saúde pública. O setor dos transportes, em particular o transporte rodoviário, é a principal fonte de poluição do ar nas áreas urbanas de Portugal, contribuindo para 6.000 mortes prematuras no país a cada ano e um total alarmante de 300.000 na Europa. Estas estatísticas sombrias obrigam-nos a repensar urgentemente o papel dos automóveis nas nossas cidades e a buscar alternativas mais sustentáveis, para retirar o protagonismo do vilão deste filme que estamos vivendo.
Que estratégias adoptar? Exemplos europeus já em vigor
Felizmente, muitas cidades europeias já estão a dar passos corajosos em direção a um futuro com menos carros. Estão a adotar políticas que restringem o uso de automóveis, especialmente os mais poluentes, por meio da implementação de Zonas de Emissões Zero (ZZE) e Zonas de Emissões Reduzidas (ZER). Os resultados são notáveis: uma análise da Campanha Cidades Limpas revelou que essa abordagem não apenas reduz a poluição, mas também impulsiona as economias locais. Os clientes que optam por meios de transporte sustentáveis, como caminhar, andar de bicicleta ou usar o transporte público, tendem a gastar mais dinheiro em estabelecimentos locais do que os condutores de automóveis. Isto desafia a noção convencional de que restrições ao uso de automóveis prejudicam o comércio e destaca a importância de promover a mobilidade sustentável.
Além desses exemplos, algumas cidades têm adotado estratégias ainda mais ousadas. Em Londres, os condutores são agora obrigados a pagar uma taxa de congestionamento diária de quinze libras para circular no centro da cidade, de segunda a sexta-feira. Essa medida resultou numa redução do congestionamento em 30%. Por outro lado, de forma muito semelhante, Zurique, na Suíça, adotou o conceito de Gestão da Procura de Viagens (Travel Demand Management – TDM), que restringe o uso de veículos privados por meio de portagens urbanas e cobranças com base na distância percorrida. Isso levou a uma redução significativa no número de carros na cidade e à expansão do transporte público, com a criação de novas linhas. Agora, paragens de autocarro ou elétrico estão disponíveis a cada 300 metros.
Mas os benefícios vão além disso. Cidades que limitam o número de carros nas ruas experimentam uma redução significativa nas emissões de CO2, contribuindo para metas de redução de emissões e indo mais rapidamente ao encontro da meta de limitar o aumento da temperatura global a +1,5°C. Além disso, ao reduzir o tráfego de veículos, criam-se cidades mais seguras, com menos acidentes rodoviários. Um exemplo muito positivo disso é a cidade Oslo, na Noruega, que em 2019 alcançou zero mortes por acidentes de trânsito, após uma década de medidas que incluíram a redução das velocidades nas vias, a expansão de calçadas para peões e o investimento no transporte público. Outro excelente exemplo disso ocorreu em Pontevedra, uma cidade em Espanha, onde a circulação de veículos ligeiros foi reduzida ao estritamente necessário. Além disso, foram criadas áreas de prioridade para pedestres com o rebaixamento das calçadas. Atualmente, a velocidade máxima permitida nas ruas dessa cidade espanhola é de 30 km/h, e em algumas áreas, é ainda mais reduzida, chegando a 10 km/h.
A diminuição da dependência dos carros também oferece a oportunidade de transformar o espaço urbano e devolver as ruas aos pedestres e ciclistas. Em Oslo, mais de 700 vagas de estacionamento foram transformadas em ciclovias, parques e áreas de convívio. Paris planeia remover 70.000 lugares de estacionamento para criar faixas de transporte ativo. Estas mudanças não só melhoram a qualidade de vida, mas também contribuem para cidades mais sustentáveis e mais resilientes aos efeitos das alterações climáticas.
Promover meios de transporte ativos, como caminhar e andar de bicicleta, é fundamental para a saúde e o meio ambiente. À medida que restringimos o uso de automóveis, podemos criar mais infraestruturas para facilitar essas opções de locomoção, tornando as nossas cidades mais saudáveis.
Artigo escrito por Susana Miguéis.