Consumir produto embalado em fim de vida ou não comprar/desperdiçar?
Nos últimos anos, a pandemia de Covid-19, o impacto crescente da crise climática e a guerra na Ucrânia contribuíram para a deterioração da segurança alimentar e da nutrição a nível mundial. De acordo com o último relatório da FAO, O Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Mundo (2022), o número de pessoas afetadas pela fome aumentou para 828 milhões em 2021, um aumento de cerca de 46 milhões desde 2020 e de 150 milhões desde 2019. No total, estima-se que 3,1 mil milhões de pessoas não têm acesso a uma dieta saudável.
Em Portugal, calcula-se que 11,5% da população corre risco de deficiência de micronutrientes causada por uma dieta de má qualidade e pouco diversa e que 3,2% não obtém a quantidade de alimento suficiente para uma vida ativa e saudável.
Entretanto, segundo o relatório da FAO, O Estado da Alimentação e da Agricultura (2019), um terço da produção alimentar é desperdiçada anualmente. Cerca de 14% dos alimentos do mundo são perdidos depois de serem colhidos e antes de chegarem às lojas, enquanto mais de 17% dos alimentos acabam por ser desperdiçados no retalho e pelos consumidores, particularmente em contexto doméstico. De acordo com as estimativas da FAO, os alimentos que se perdem e que são desperdiçados poderiam alimentar 1,26 mil milhões de pessoas com fome.
Mas o desperdício alimentar não é apenas um problema social ou humanitário, tem também um enorme impacto ambiental. Quando desperdiçamos comida, desperdiçamos também os recursos que foram utilizados para a sua produção, toda a energia e água necessárias para os cultivar, colher, transportar e embalar. E não fica por aí.
O desperdício alimentar também é responsável por 8% das emissões de gases causadores do efeito de estufa. Quando os alimentos vão para os aterros sanitários, a sua decomposição produz metano – um gás com efeito de estufa ainda mais potente do que o dióxido de carbono.
Dar prioridade à redução das perdas e desperdícios alimentares é, por conseguinte, fundamental para o clima, para a segurança alimentar e para a sustentabilidade dos sistemas agro-alimentares, melhorando a utilização eficiente dos recursos naturais, aumentando o rendimento das culturas e a qualidade nutricional das mesmas, diminuindo o seu impacto no planeta e as perturbações na cadeia de abastecimento.
Qual é a opção mais sustentável? Consumir um produto embalado mesmo que esteja próximo ou que já tenha ultrapassado o prazo de validade? Ou não consumir e desperdiçá-lo?
Um produto que tenha ultrapassado o prazo de validade deve sempre ser analisado com cautela antes de ser consumido. Avaliar o seu aspeto, cheirar e eventualmente provar. Há alimentos que não devem ser consumidos depois do prazo indicado, enquanto outros podem, pois normalmente os prazos são feitos com uma margem de segurança maior.
É preciso saber interpretar corretamente os rótulos, pois há muitos alimentos que podem ser consumidos depois do prazo indicado quando conservados nas condições corretas, sem qualquer risco:
- Consumir até…: o alimento não deve ser consumido depois da data indicada. Exemplos: Carne fresca, peixe fresco e queijo fresco;
- Consumir de preferência antes de…: A data-limite é identificada com dia, mês e ano e indica a data até à qual o alimento conserva as suas propriedades específicas. Pode ainda ser consumido depois do prazo indicado se forem respeitadas as regras de conservação. Exemplos: azeite, batatas fritas, bolachas e cereais;
- Consumir de preferência antes do fim de…: A data-limite é identificada com mês e ano e indica a data até à qual o alimento conserva as propriedades específicas. Apresenta maior durabilidade devido às suas características de conservação. Pode ser consumido depois do prazo indicado se forem respeitadas as regras de conservação. Exemplos: congelados, conservas.
A comprar um produto embalado próximo do prazo de validade, deve ter-se em conta:
- Que tipo de produto é (um queijo fresco é diferente de um pacote de arroz);
- Se o produto é necessário num futuro muito próximo ou não;
- Se pode ser congelado, pois com a congelação consegue-se prolongar um pouco o prazo de validade sem risco;
- Se o produto pode ser preparado ou se existe a disponibilidade do comprador para preparar o produto rapidamente e congelar a seguir.
Mas e o impacto ambiental do uso das embalagens?
Quando falamos em embalagens, temos de ter em conta a função primordial destas: acondicionar e proteger produtos, proporcionando a adequada distribuição, conservação e consumo destes e, em última instância, prolongando o seu prazo de validade. Mas na realidade os resíduos das embalagens têm crescido a par dos resíduos alimentares, o que põe em causa o seu potencial de contribuição para reduzir o desperdício alimentar.
Os resíduos das embalagens de plástico são outro sintoma de ineficiência do sistema alimentar atual que deve ser atacado em conjunto com o do desperdício alimentar. É premente que os produtores/embaladores adotem medidas de ordem ambiental, como a redução do excesso de embalagem, critérios de ecodesign, materiais menos poluentes e biodegradáveis, ou ainda embalagens reutilizáveis, com vista à minimização dos resíduos.
E as embalagens não têm uma pegada ecológica?
Sim, têm. Dependendo dos fatores que são tidos em conta, a sua pegada pode ser maior ou menor. Também depende dos materiais usados, das distâncias percorridas, do potencial de reciclagem, do risco de migração de poluentes para os alimentos (mais comuns em alguns materiais do que noutros).
Muitos estudos tendem a centrar o impacto ambiental das embalagens apenas na pegada carbónica (em particular quando falamos de materiais como o plástico e o papel), mas este é apenas um dos aspetos que têm de ser tidos em conta para avaliar uma embalagem.
Uma embalagem otimizada aplicada a alimentos de grande perecibilidade pode representar um ganho em termos de prevenção do desperdício, mas existem muitos alimentos onde a utilização de embalagens reutilizáveis não aumenta o risco de desperdício alimentar (em particular quando estamos a falar de vendas a granel que permitem a escolha das quantidades efetivamente necessárias) e permite uma enorme poupança de recursos ambientais.
Por fim, a opção mais sustentável será evitar o desperdício dos produtos alimentares já produzidos, que têm atrás de si todo um processo de produção, processamento, empacotamento e distribuição.
O desperdício alimentar é uma realidade chocante, com um impacto social e ambiental elevado e por isso deve ser combatido.
Em Portugal as estatísticas do INE, dados de 2020, indicam que nesse ano foram desperdiçados 1,89 milhões de toneladas de alimentos, pelo que cada português desperdiçou em média 183,6 quilos de alimentos (a média na União Europeia é de 127 quilos/habitante). Os dados revelam ainda que são as famílias em casa que mais desperdiçam.
Como podemos evitar contribuir para este problema?
- Comprar a granel, em vez de escolher pacotes pré-embalados;
- Fazer listas de compras baseadas no planeamento semanal das refeições;
- Resistir às promoções se não tem a certeza de conseguir aproveitar o alimento em tempo útil;
- Quando comparar artigos semelhantes de duas marcas, escolha a que tem menos embalagens;
- Reutilize embalagens como os sacos de papel e de plástico, caixas ou frascos sempre que possível;
- Através da educação e consciencialização constante de quem está ao nosso redor;
- Adotar práticas de consumo consciente, como comprar frutos e legumes “feios;
- Gerir bem os produtos quando se aproxima o fim do seu prazo de validade;
- Armazenar adequadamente os alimentos respeitando as regras de conservação;
- Aproveitar ao máximo os alimentos de que dispomos através de pratos de aproveitamento de restos, caldos, molhos, etc.;
- Salvar comida de ser desperdiçada de restaurantes, supermercados e pastelarias. A Too Good To Go criou uma aplicação que permite comprar o excedente do dia em estabelecimentos perto de ti e a 1/3 do preço;
- Através da aplicação de práticas circulares, os alimentos perdidos e desperdiçados podem ser convertidos em composto ou utilizados para produzir biogás, evitando assim as emissões nocivas de metano. Fazer compostagem doméstica ou colaborar na recolha seletiva de biorresíduos, de forma a garantir que mesmo as partes dos alimentos que não podem ser aproveitadas, são encaminhadas para reciclagem e a matéria orgânica é devolvida à terra.
Se quiseres conhecer mais estratégias da ZERO para evitar o desperdício alimentar, vê aqui.