GreenWatch: Estará a Lei de Bases do Clima efetivamente a ser cumprida?
O que é a Lei de bases do Clima?
A Lei de Bases do Clima (Lei n.º 98/2021) foi aprovada por maioria parlamentar há dois anos (no dia 5 de novembro de 2021) e é uma lei de elementar importância, pois proporciona um quadro jurídico essencial para fazer face à escalada da crise climática.
É de louvar a existência desta lei, no âmbito da qual Portugal veio assumir formalmente a sua intenção de alcançar até 2045 a neutralidade climática. Mas estará o Governo a agir em conformidade com a situação de emergência climática que é reconhecida na própria lei?
É necessária uma ação urgente para que Portugal realmente cumpra o compromisso assumido e para que a Lei de Bases do Clima não passe de um conjunto de boas intenções no papel.
Apesar de o Governo afirmar convictamente o cumprimento da Lei de Bases do Clima no que é essencial, facilmente se comprova a falta de ambição na sua execução, através de um claro incumprimento na adoção de várias medidas políticas e legislativas, consideradas centrais, e cujos prazos previstos para a sua implementação não foram cumpridos.
A importância dos Orçamentos de Carbono, Avaliações e Planos setoriais
Um atraso de extrema relevância é o da apresentação dos Orçamentos de Carbono para o período 2023-2025 e para o quinquénio 2025-2030. Segundo o Governo, o atraso prende-se com o facto de o Parlamento ainda não ter criado o Conselho de Ação Climática (CAC), estando o Governo a aguardar a criação deste órgão consultivo, que terá, entre outras, a responsabilidade de emitir parecer sobre os orçamentos de carbono. Mas será esta espera justificada? Os orçamentos estabelecem limites de emissões de gases de efeito de estufa para o país, sendo por isso essencial conhecer esses limites nacionais para se ajustar a ação climática em concordância. Sem a existência e a gestão eficaz destes orçamentos, torna-se ainda mais desafiador alcançar as metas climáticas. Este compasso de espera, devido a uma circunstância fundamentalmente processual, torna-se, por isso, ainda mais grave e injustificado, já que a inexistência dos orçamentos de carbono tem implicações práticas na trajetória do país.
Sobre o próprio CAC, cuja atividade está prevista iniciar a 1 de janeiro de 2024, pouco ou nada se sabe no que diz respeito aos prazos e procedimentos inerentes à sua operacionalização. Fica a esperança de que o contexto político atual não venha a servir de justificação para um contínuo atraso da sua constituição, já que o pleno funcionamento do CAC é imprescindível no garante de que a lei é aplicada e cumprida na sua integralidade.
De igual modo considerado substancial, e já em incumprimento desde 1 de fevereiro de 2023, é a apresentação do relatório de avaliação inicial de impacte climático, onde são identificados os diplomas governativos em potencial divergência com as metas e instrumentos presentes na Lei de Bases do Clima. Este relatório é fulcral para saber onde estamos e para onde queremos ir. De igual modo, a menos de dois meses do prazo para a obrigação da aprovação por parte do Governo dos planos setoriais de mitigação e os planos sectoriais de adaptação às alterações climáticas para os setores considerados prioritários (Artigo 74.º), estes ainda não foram sequer apresentados.
A própria Assembleia da República está em falta na apresentação do relatório de avaliação do impacte carbónico da Assembleia da República. Este deverá ser apresentado no primeiro ano de cada legislatura, no caso do governo atual (XXIII Governo Constitucional) até 30 de março de 2023. Este consiste numa avaliação do impacte carbónico da atividade e funcionamento da Assembleia da República na legislatura anterior, bem como as medidas a adotar para mitigar esse impacte. Agora com o iminente término da atual legislatura, este incumprimento é ainda mais grave, sob pena de o relatório vir a ser apresentado, expetavelmente, já próximo de 2025, meta estipulada como prazo para a Assembleia da República atingir a neutralidade climática (Artigo 73.º1 da LBC), o que obrigará à adoção de rápidas medidas para não se falhar mais este prazo.
O papel das finanças na ação climática
Várias das obrigações políticas em incumprimento desde 1 de fevereiro de 2023 estão sob a responsabilidade do Ministério das Finanças: a regulamentação do risco e impacte climático nos ativos financeiros, o relatório sobre património, investimentos, atividades, participações e subsídios públicos, e a revisão das normas sobre governo das sociedades. Apesar de poderem parecer, à primeira vista, meros instrumentos institucionais, são, na verdade, fundamentais na direção das políticas públicas, dinamização do financiamento sustentável, bem como na informação sobre riscos climáticos junto dos agentes económicos e financeiros. É fundamental que se comece a considerar os cenários climáticos em todas as decisões económicas e financeiras públicas e privadas.
Participação pública e acesso à informação
Por último, é alarmante a contínua exclusão dos cidadãos e das associações de ambiente no planeamento, tomada de decisões e avaliação das políticas públicas, quando a participação pública ocupa um lugar central na Lei (Artigos 9º e 10º), não sendo, no entanto, até hoje claro o seu enquadramento. Persiste também o atraso na disponibilização do Portal de Ação Climática, uma ferramenta digital que deveria estar acessível desde 1 de fevereiro de 2023. Este portal é essencial, na medida em que irá permitir a todos os cidadãos participarem na ação climática, acederem a informação sobre emissões e metas, financiamento para o clima e estudos e projetos relevantes.
Estará então a Lei de Bases do Clima a ser efetivamente cumprida?
Todas estas medidas corroboram o incumprimento de uma lei que se precisa urgentemente aplicada, pois desempenha um papel de destaque na regulação das atividades humanas que contribuem para as alterações climáticas, bem como serve como pedra angular para promover um comportamento ambiental responsável dos agentes na sociedade, impulsionando uma ambição coletiva para a ação climática e, assim, contribuir para a preservação do planeta para os habitantes atuais e futuros.
E, por isso, o nosso veredicto final é não.