Início » Indústria portuguesa com lucros suplementares no mercado de carbono de quase mil milhões de Euros entre 2008 e 2019
Atribuição gratuita de licenças de emissão permitiu lucros especulativos de cerca 50 mil milhões de Euros à indústria de uso intensivo de energia na Europa.
A indústria de uso intensivo de energia na Europa lucrou cerca de 50 mil milhões de Euros entre 2008 a 2019 como resultado da alocação gratuita de licenças no âmbito do Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CELE), conclui um relatório da consultora ambiental Independente CE Delft divulgado pela Carbon Market Watch, organização parceira da ZERO. Trata-se de lucros especulativos não resultantes de atividades económicas produtivas da parte dos beneficiários, possibilitados por uma falha grave no mercado de carbono da União Europeia (UE), em que não só os poluidores não pagam pelo que poluem como ainda lucram adicionalmente.
O relatório cobre 18 países da União Europeia incluindo Portugal, bem como o Reino Unido. A maioria destes lucros aconteceu na Alemanha, Itália, França e Espanha (por esta ordem), e as indústrias que mais lucraram foram a do ferro e aço, refinarias, cimento e petroquímica.
Existem três mecanismos que as empresas usaram para garantir lucros adicionais:
Mecanismo 1 – As empresas receberam licenças de emissão gratuitas em excesso que venderam com lucro no mercado. Por exemplo, no setor do cimento esse valor foi de 3,1 mil milhões de euros e no setor petroquímico 600 milhões de euros;
Mecanismo 2 – As empresas compraram compensações internacionais mais baratas (até 2020) para abater nas suas emissões e venderam licenças que lhes foram atribuídas gratuitamente com lucro no mercado. Por exemplo, no setor de ferro e aço esse valor foi de 850 milhões de euros, no das refinarias 630 milhões de euros, e no do cimento 610 milhões de euros.
Mecanismo 3 – As empresas passaram os ‘custos’ das licenças de emissão obtidas gratuitamente para o preço dos produtos pago pelos consumidores. Por exemplo, no setor de ferro e aço esse valor foi de 12 a 16 mil milhões de euros, e no das refinarias 7 a 12 mil milhões de euros.
Portugal é o terceiro país com maiores lucros suplementares por unidade de PIB
No caso de Portugal, o total de lucros especulativos ascende a 975 milhões de euros no período 2008 a 2019. Tal como se verifica no resto da Europa, a maior parte desses lucros, 731 milhões de euros, foi obtida através da passagem de custos (implícitos) para o consumidor (mecanismo 3). A segunda maior fatia dos lucros, 188 milhões de euros, provém da venda de licenças atribuídas gratuitamente (mecanismo 2) e a terceira fatia, 56 milhões de euros, foi obtida com compras de compensações internacionais mais baratas (mecanismo 2). Se tivermos em conta os lucros por unidade de Produto Interno Bruto, então os países onde os lucros foram maiores são a Grécia, Polónia e Portugal, por esta ordem.
Em termos de empresas, a três que mais lucraram recorrendo a estes mecanismos são a CIMPOR (315 milhões de euros), a Petrogal (236 milhões de euros) e a Secil (102 milhões de euros).
Empresas têm de pagar por toda a poluição que geram
A Carbon Market Watch e a ZERO consideram que no meio de uma crise climática nenhuma empresa deve poder poluir sem pagar, e muito menos ser recompensada por isso. Trata-se de uma falha de mercado existente no cerne de uma das principais políticas climáticas da Europa, que tem de ser corrigida. A UE deve parar de atribuir licenças gratuitas para poluir, e em vez disso leiloá-las, investindo as receitas em ação climática.
Recorde-se que as indústrias de uso intensivo de energia têm direito a licenças de emissão gratuitas porque alegam estar uma desvantagem competitiva face a empresas de fora da UE, em que o carbono não tem custos. No entanto, os milhares de milhões de lucros suplementares devido à alocação gratuita de licenças são um benefício económico significativo para estas indústrias. Além disso, o estudo mostra-o, a maioria dos setores industriais repassam pelo menos parte do ‘custo’ das licenças gratuitas para o preço dos produtos, acumulando lucros adicionais significativos.
Esta alocação gratuita foi nos primeiros anos do CELE uma forma de as empresas se habituarem a ele. No entanto, no longo prazo as desvantagens são evidentes, pois o sinal de preço de que os investimentos em tecnologias de baixo carbono necessitam fica comprometido, os produtos aumentam de preço no consumidor, e não é sequer totalmente eficaz na prevenção da importação de produtos produzidos fora da UE com uma elevada pegada carbónica.
Como parte do Pacto Ecológico Europeu, a Comissão Europeia está a considerar um Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM) como uma alternativa às medidas preventivas de fuga de carbono no âmbito do CELE. Um CBAM que substitua a alocação gratuita implicaria o fim de lucros por parte das empresas devido a distorções no sistema. Por outro lado, juntando o CBAM e a alocação gratuita de licenças proporcionaria uma proteção dupla do setor industrial, fomentando lucros especulativos com as licenças ainda maiores, reduzindo drasticamente a eficácia de atribuir um preço ao carbono.
Um preço do carbono suficientemente alto é determinante para estimular investimentos em tecnologias hipo-carbónicas e mais eficientes. As alocações gratuitas atribuídas a setores com um consumo intensivo de energia contrastam fortemente com o setor da produção de energia, que paga as suas licenças do CELE desde 2013, e que tem alcançado reduções significativas de emissões nos últimos anos. Ao mesmo tempo, as emissões da indústria pesada estagnaram e, se a regras não mudarem, não se espera que diminuam nos próximos dez anos.
As regras do CELE serão revistas no Verão no âmbito do pacote de políticas na área da energia e clima da UE Fit for 55. Importa aproveitar a oportunidade para impedir distribuição gratuita de mais 6,5 mil milhões de licenças na próxima década, como está previsto. Se tal se consumar, os governos da UE correm o risco de perder mais de 300 mil milhões de euros em receitas provenientes dos leilões. Fazer com que todos os poluidores paguem significa mais recursos para os governos custearem políticas climáticas que beneficiem a sociedade em geral.
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