Início » Metano que escapa de navios movidos a gás fóssil supostamente “limpos” está a alimentar a crise climática
Uma investigação realizada aos navios movidos a gás natural liquefeito (GNL) supostamente “limpos” revela quantidades significativas de metano invisível que são lançadas para a atmosfera, expondo o “segredo sujo” da Europa no mar
A nova e condenatória investigação conduzida pela Federação Europeia dos Transportes e Ambiente (T&E), da qual a ZERO faz parte, revela imagens infravermelhas que mostram metano– um potente gás com efeito de estufa – por queimar a ser libertado para a atmosfera a partir de navios movidos a gás natural liquefeito (GNL), supostamente “limpos” – ver vídeo resumo da investigação:
Os políticos europeus estão “a brincar com o fogo” ao apoiarem o GNL, já que, num período temporal de 20 anos, o metano tem um potencial de aquecimento 80 vezes superior ao do dióxido de carbono (CO2).
A T&E refere, e a ZERO secunda, que “ao promoverem os navios movidos a GNL, os políticos europeus estão a prender-nos a um futuro ligado ao gás fóssil.” Por mais que estes navios sejam ‘pintados de verdes’, a verdade é que, para lá da superfície, a maioria dos navios movidos a GNL atualmente no mercado são piores para o clima do que os navios movidos a combustíveis fósseis que pretendem substituir.
Estas imagens mostram o calor e as emissões de gás do tubo de escape dos motores do navio. A luz clara perto do tubo de escape indica uma fonte de calor. À medida que a pluma se afasta do tubo de escape aquecido, é possível observar emissões de hidrocarbonetos por queimar.
As fugas de metano ocorrem ao longo da cadeia de abastecimento de gás fóssil [1]. Sublinhe-se que o uso de GNL fóssil como combustível naval é particularmente problemático, porque as fugas ocorrem a partir dos motores dos navios. De acordo com dados da Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla inglesa), dependendo do motor, estima-se que entre 0,2% e 3% das fugas de gás resultantes do processo de combustão são lançadas diretamente para a atmosfera.
Por este motivo, cerca de 80% [2] do GNL fóssil é atualmente queimado no motor, com piores emissões de gases com efeito de estufa do que os motores tradicionais movidos a fuelóleo sujo [3]. Aliás, as plumas de emissões que são lançadas para os céus e lá permanecem por longos períodos de tempo são indicação disto mesmo.
A investigação foi conduzida pela T&E no porto de Roterdão, o maior da Europa, num dia claro de novembro, utilizando uma câmara de infravermelhos de última geração, com um filtro especial que permite detetar gases fósseis [4]. Atendendo a que o GNL é tipicamente constituído por cerca de 90% de metano, qualquer combustível por queimar que se escape pelo motor será também maioritariamente constituído por metano.
Nas imagens é possível observar claramente as significativas emissões de metano provenientes de dois navios. O primeiro é um navio porta-contentores movido a GNL fóssil, o Louvre, pertencente à companhia de navegação francesa CMA-CGM.
De acordo com uma avaliação das imagens, revista pelos pares, realizada pela TCHD Consulting (especializada em consultoria de imagens óticas de gás), as imagens registadas do Louvre constituem prova da libertação de intensas emissões de hidrocarbonetos por queimar através de três saídas de fumo, diretamente para a atmosfera acima do navio e para lá dos limites de captura do vídeo.
De acordo com a CMA CGM, os seus navios movidos a GNL potenciam uma redução significativa nas emissões de CO2 por contentor, pelo que a empresa está a investir fortemente em GNL. Em declarações no seu website, a empresa refere que “o GNL é a melhor solução atualmente disponível para reduzir o impacto ambiental do transporte marítimo”. Contudo, as suas comunicações não fazem qualquer menção ao metano ou a quanto metano tipicamente se escapa dos seus navios.
O segundo navio movido a GNL fóssil que a T&E conseguiu localizar e seguir é o Eco-Delta, uma draga utilizada para limpar rotas de navegação ao retirar areia do subsolo marinho. Novamente, foram documentadas emissões por queimar e parcialmente queimadas, com metano a ser libertado através de dois tubos de escape situados na frente do navio.
Em 2021, foram comissionadas mais embarcações movidas a gás fóssil do que nos quatro anos anteriores, com os navios movidos a GNL a serem promovidos como uma alternativa limpa aos combustíveis tradicionais. A indústria do gás fóssil continua a advogar o GNL como uma solução “verde” para o transporte marítimo, apontando para valores mínimos de fugas de metano, notoriamente baseados em dados próprios. A T&E não deixa de notar que esta atitude se parece cada vez mais um com “methane-gate”.
No ano passado, a União Europeia (UE) propôs metas de intensidade de gases com efeito de estufa para combustíveis navais que forçariam os armadores a abandonar o fuelóleo residual, o combustível naval mais utilizado atualmente.
Contudo, a T&E avisa que sem garantias de sustentabilidade, esta medida irá simplesmente perpetuar o uso do GNL como a alternativa mais barata. Uma análise recente feita pela T&E, e divulgada pela ZERO, demonstra que mais de dois terços dos novos navios poderão vir a ser movidos a gás natural até 2025. A materializar-se, este cenário elevaria a percentagem de GNL fóssil dos estimados 6% atuais para mais de 1/5 de todos os combustíveis navais na Europa até 2030, prolongando a utilização de combustíveis fósseis até para além de 2040.
A T&E adianta: “Estamos a viver uma crise climática e não nos podemos dar ao luxo de colocar mais metano na atmosfera”. A ZERO reforça que esta investigação é apenas uma pequena amostra, mas deveria funcionar como um claro aviso para os políticos: o incentivo ao uso do GNL é uma aposta errónea numa altura em que a nossa atenção coletiva deveria estar centrada em soluções genuinamente limpas baseadas em hidrogénio.
Por agora, e devido à complexidade associada a uma investigação deste tipo, a investigação da T&E limitou-se a dois navios. Os navios movidos a GNL foram localizados através de dados constantes na plataforma Marine Traffic e da IHS que especificam o motor e tipo de combustível utilizado pelos navios.
Notas:
[1] É possível rastrear estes navios utilizando dados de tráfego marítimo. Por exemplo, poderá verificar a localização do porta-contentores Louvre filmado no decorrer da investigação em https://www.marinetraffic.com/en/ais/home/shipid:6335458/zoom:14
[2] Estimativa do combustível utilizado pelos navios movidos a GNL na frota MRV de 2020, utilizando dados sobre as características de frota do IHS.
[3] Conferir a figura 9, Comparação da intensidade GEE WTW de diferentes combustíveis, relatório T&E de 2020 sobre o FuelEU Maritime.
[4] Um guia sobre o funcionamento da câmara – https://cutmethane.eu/learn/the-basics-of-optical-gas-imaging/
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