Início » Aeroporto de Lisboa: ZERO chumba Plano de Ação 2024-2029 contra ruído por não salvaguardar saúde pública
A ZERO analisou o Plano de Ação de Ruído do Aeroporto Humberto Delgado em Lisboa para o período 2024-2029 apresentado pela gestora da infraestrutura aeroportuária e elaborado para cumprimento da Diretiva Europeia sobre ruído, e que está neste momento em discussão pública até ao próximo dia 6 de Setembro, e dá-lhe um rotundo chumbo. No seu entender, trata-se de um plano simplista, vago, superficial, sumário e sem ambição, pois muitas das medidas propostas carecem de cronograma de implementação, de quantificação da sua eficácia, de detalhes sobre a sua execução. Um elemento relevante, é que o documento tem menos de metade das páginas do plano anterior (2018-2023) e uma qualidade relativa muito inferior, e aponta para um período de execução não a cinco anos mas de “algumas décadas” (ipsis verbis). Ou seja, o plano parece pressupor a manutenção da infraestrutura, contrariando as conclusões da Comissão Técnica Independente (CTI) e a decisão do governo de encerrá-la após o início do funcionamento do aeroporto de Alcochete. Por estes motivos, a ZERO considera que se trata de um plano que não salvaguarda a saúde pública dos cerca de 400 mil habitantes e frequentadores da Área Metropolitana de Lisboa que são diariamente fustigados pelo intenso ruído dos aviões.
O plano consiste num curto documento de 38 páginas escritas a duas colunas, uma em português e outra em inglês, não apresenta sequer uma carta de ruído, e é constituído por 38 medidas de “gestão e redução de ruído”, sendo que várias não passam de acções correntes relacionadas com o controlo e caracterização do ruído (por exemplo, “elaboração de mapas de ruído”, que, já agora, a ZERO gostaria fossem incluídos no presente documento, principalmente os mapas das áreas em excedência dos indicadores legais) ou de declarações de intenções que devem fazer parte de uma qualquer gestão racional de um espaço aeroportuário (por exemplo, “interdição de aproximações de aeronaves à Pista a baixa altitude com elevada aceleração” – quais os valores de altitude e de aceleração, como será cumprido, pergunta a ZERO).
Para agravar, os números apresentados relativos à dimensão da população afetada por ruído noturno, em particular a níveis que excedem 45 dB(A) entre as 23h00 e as 7h00, estão severamente sub-avaliados, não se entendendo face à evolução histórica dos dados. A ZERO fez uma comparação, e, face aos valores apurados nos anteriores planos de ação e no estudo do Grupo de Trabalho da Assembleia da República sobre Voos Noturnos no Aeroporto Humberto Delgado efectuado em 2019, o presente plano apresenta uma população afectada (a área com valores superiores à isófona de 45 dB(A)) que é cerca de metade.
Evolução do número de Pessoas afectadas e dos movimentos aéreos desde 2015 | ||||||
2016 | Variação 2011-16 (%) | 2019 | Variação 2016-19 (%) | 2023 | Variação 2019-23 (%) | |
> Lden 55 dBA (24h) | 288.300 | 132% | 161.446 | |||
> Ln 45 dBA (23h00-7h00) | 312.600 | 125% | 388.027 | 24% | 182.326 | -53% |
Nº de movimentos por ano | 182.148 | 28% | 221.773 | 21% | 222.753 | 0,4% |
A ZERO reconhece que aviões da nova geração (neo) podem reduzir os níveis de ruído em até cerca de 20% em relação à anterior, mas, para a um número de movimentos semelhante, mesmo que todas as frotas de todas as companhias a operar entre as 23h00 e as 7h00 fossem constituídas por esses aparelhos, difícil ou impossivelmente poderíamos observar uma redução tão acentuada do número de pessoas expostas a níveis de ruído superiores a 45 dBA nesse período.
O plano apresenta ainda medidas que objetivamente resultarão num aumento do número de voos, e por essa via também num aumento da degradação do ambiente acústico, como é o caso flagrante da “construção de 4 saídas rápidas” (medida 17).
É proposta a constituição de um “Comité de Ruído” que acompanhe a execução do plano, mas nele não está previsto, de forma incompreensível, serem incluídos os municípios e freguesias afetadas, as organizações de moradores ou as Organizações de Ambiente. Além disso, o programa de isolamento acústico – de validade relativa, pois no anterior plano não foi cumprido – deixa de fora muitos edifícios expostos a níveis de ruído superior ao recomendado pela OMS (Ln 40 dB(A), Lden 45 dB(A)).
A gestora da infraestrutura aeroportuária tem a obrigação de financiar sem recurso a novas taxas os programas de isolamento previstos, que no anterior plano de redução de ruído deveriam ter sido executado até ao final do ano passado mas estão longe de o ser.
A ZERO defendeu no parlamento que um programa de isolamento muito mais ambicioso, a executar até ao final desta década antes do encerramento definitivo do actual aeroporto que teria efeitos benéficos também em termos de melhoria da eficiência energética dos edifícios, poderia ser financiado de forma complementar através de taxas de ruído que correspondem aos custos do ruído aeronáutico para a saúde humana, para o património e para a produtividade.
Atualmente, a ANA Aeroportos aplica uma componente ligada ao ruído nas taxas de aterragem, mas cujo valor é desprezável. A ZERO propõe que seja instituída uma real taxa de ruído que varie de acordo com as emissões sonoras das aeronaves e que tenha um valor médio correspondente aos custos efetivos que têm que ser suportados pela sociedade devido a este flagelo, e que em 2019 se situavam em pelo menos 7 euros por passageiro.
Duas das mais importantes medidas que poderiam reduzir substancialmente o impacto do tráfego aéreo em Lisboa sobre a saúde humana e os custos para a saúde pública, que se cifraram só em termos de voos nocturnos em 206 milhões de euros em 2019, não estão previstas no plano proposto. Para a ZERO é inaceitável que não esteja prevista a obrigatoriedade de as companhias usarem apenas aeronaves neo ou equivalentes entre as 23h00 e as 7h00, e que não sejam, para começar, completamente proibidos os voos entre a 00h30 e as 5h00, por forma a reduzir substancialmente o ruído aeronáutico durante a noite.
A ZERO calcula que a ANA – Aeroportos de Portugal investiu dez vezes menos do que o previsto na execução das medidas contidas no plano anterior, sob a justificação, inaceitável, de que não dispunha de verbas por não haver uma taxa de ruído, que entretanto passou a ser uma componente variável da taxa de aterragem mas que é mínima. De acordo com o Plano 2018-2023 o programa de isolamentos acústicos deveria abranger todos os edifícios de uso especialmente sensível (equipamentos de saúde e educação) e de uso sensível (habitações) expostos a níveis de ruído noturno superior a 60 dBA. Dado que o programa de isolamento de equipamentos de educação e saúde não foi concluído e o programa de isolamento de habitações não foi sequer iniciado, a ZERO considera que a credibilidade do presente plano e do gestor da infraestrutura é bastante reduzida. No seu entender impõe-se uma atuação imediata e inequívoca da Inspeção Geral do Ambiente a pedido da Agência Portuguesa do Ambiente junto da ANA no sentido de penalização do incumprimento das suas obrigações legais.
A ZERO apela a todos os cidadãos, empresas e instituições afetadas pelo ruído dos aviões, ou mesmo que não o sejam, a pronunciarem-se sobre o Plano de Ação de Ruído por mensagem de correio eletrónico enviada à ANA (ambiente.als@ana.pt) até 6 de setembro. Mas aponta ainda que este processo de consulta pública está ferido na transparência, na medida em que não está a ser utilizado o portal participa.pt, a ANA apenas disponibiliza no seu site o resumo não técnico e só permite a consulta do Plano por marcação prévia dos interessados, mas estando o seu conteúdo completo a ser disponibilizado pela Câmara Municipal de Lisboa. Acresce que a consulta pública foi lançada silenciosamente em Agosto, momento em que muitos dos interessados em participar estão de férias, pelo que a ZERO irá denunciar e reclamar destas más práticas junto da Agência Portuguesa do Ambiente.
Estratégia de longo prazo deve definir claramente data para o encerramento do aeroporto
No anterior plano de ação 2018-2023 a estratégia de longo prazo refere explicitamente a construção do Aeroporto do Montijo como complemento ao Humberto Delgado, que seria expandido, entre 2021 e 2026, pelo que seria de esperar que no plano 2024-2029 a ANA explicitasse o processo de encerramento do actual aeroporto, dando cumprimento à recente Resolução do Conselho de Ministros recentemente adoptada sobre este assunto.
Para a ZERO é totalmente inaceitável que se sugira, na Estratégia de longo prazo, que o Aeroporto da Humberto Delgado possa não ser encerrado tal como foi determinado pelo atual governo e suportado pela generalidade dos partidos com representação parlamentar na sequência das conclusões da Comissão Técnica Independente (CTI) que conduziu a Avaliação Ambiental Estratégica. Exige-se que a ANA apresente um cronograma previsional para o encerramento do Aeroporto da Portela no âmbito da Estratégia de longo prazo do plano de ação para a redução de ruído 2024-29.
A ZERO apela à Agência Portuguesa do Ambiente que tenha a máxima exigência técnica na apreciação do plano de forma a garantir a minimização dos impactes da operação aeroportuária em Lisboa na população afetada.
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