Início » Aeroporto Humberto Delgado na origem de potenciais milhares de casos de hipertensão, diabetes e demência
As cerca de 414 mil pessoas – aproximadamente 4% da população portuguesa – que vivem num raio de 5 km do aeroporto Humberto Delgado em Lisboa estão particularmente expostas e são afetadas pelas partículas ultrafinas emitidas pelos aviões, segundo um estudo da Federação Europeia de Transportes e Ambiente (T&E)[1], da qual a ZERO faz parte. O estudo sugere que milhares de casos de hipertensão arterial, diabetes e demência, em Lisboa e noutras cidades da Europa, podem estar ligados a estas partículas minúsculas emitidas pelos aviões, sendo que Lisboa é a cidade que de longe mais concentra pessoas a viver, trabalhar e estudar nas imediações do aeroporto.
O trabalho[2] explora a ligação entre as partículas ultrafinas e a saúde das pessoas que vivem perto dos 32 aeroportos mais movimentados em toda a Europa, fazendo um resumo da evidência científica disponível e estimando a afetação da saúde dessas pessoas a partir de dados do aeroporto de Schiphol em Amesterdão. Estas partículas são deixadas em suspensão no ar pelos aviões, dispersam-se amplamente na atmosfera, têm um diâmetro mil vezes inferior ao de um cabelo humano e são invisíveis. Quando inaladas, passam facilmente através dos pulmões para a corrente sanguínea e espalham-se por todo o organismo, podendo originar problemas de saúde sérios a longo prazo, incluindo respiratórios, cardiovasculares, neurológicos, endócrinos e gestacionais.
Estima-se que as partículas ultrafinas decorrentes da atividade do aeroporto de Lisboa possam estar na origem de 15.473 casos de hipertensão, 18.615 casos de diabetes e 1.837 casos de demência entre a população da cidade e arredores, ou seja, no total cerca de 36 mil casos de doença; isto é, até 9% da população num raio de 5 km com doença atribuível ao aeroporto[3][4].
Estes números podem estar subestimados por dois motivos: (1) neste estudo foi considerada uma distribuição uniforme da população em redor do aeroporto e não foi tido em conta o regime de vento dominante, que em Lisboa é Norte-Sul, expondo mais a zona a Sul do aeroporto – a zona mais populosa, com uma parte significativa da população sob a influência direta do cone de aterragem e descolagem; (2) apenas foram considerados os efeitos sobre a saúde em que existe uma forte associação com a exposição a partículas ultrafinas. Condições com possível ou provável associação à exposição, como nascimentos prematuros ou anomalias congénitas, não foram consideradas.
Note-se que os valores de concentração de partículas ultrafinas medidas num raio de 5 km em redor do Aeroporto de Schiphol, que estão na base do estudo, situam-se entre 4.000 e 30.000 partículas/cm3, um valor abaixo das 60.000-136.000 partículas/cm3 registadas pela ZERO[5] no Verão de 2023 em zonas altamente populosas em redor do aeroporto de Lisboa.
O estudo agora divulgado complementa o estudo da Universidade Nova de Lisboa[6] de 2019 que mostra inequivocamente que a concentração de partículas ultrafinas nalgumas zonas de Lisboa sobe conforme a sua exposição à influência do aeroporto e movimento de aviões. Dada a proximidade do aeroporto ao centro da cidade, os efeitos das partículas estendem-se por áreas significativas. As zonas mais afetadas são nas imediações do aeroporto, como Alvalade, Campo Grande e Cidade Universitária – onde se situam o Hospital de Santa Maria, universidades, escolas e jardins infantis –, e sob rota de aproximação e descolagem dos aviões, como as Avenidas Novas, Bairro do Rego, Amoreiras e Campolide.
Trata-se de uma situação que não encontra semelhança em mais nenhum outro aeroporto europeu, desastrosa para a saúde dos cidadãos de Lisboa que vivem e fazem a sua vida nestas zonas, agravando as doenças provocados pelo excesso de ruído.
No total dos aeroportos considerados, a exposição às partículas ultrafinas pode estar associada a 280.000 casos de hipertensão, 330.000 casos de diabetes e 18.000 casos de demência. Como as concentrações destas partículas são maiores mais perto dos aeroportos, as populações que vivem nessas zonas têm um risco de doença maior por comparação com uma população semelhante não exposta: num raio de 5 km, o risco acrescido de sofrer de demência é de cerca de 20%, de diabetes cerca de 12%, e de hipertensão arterial cerca de 7%, como mostra a figura abaixo.
Todos os aeroportos considerados no estudo, nomeadamente os que têm maior número de voos, têm muito menos população num raio de 5 km ao seu redor em comparação com o Humberto Delgado, conforme mostra a figura abaixo.
Até à data, não há regulamentação sobre os níveis seguros de partículas ultrafinas no ar, apesar de a Organização Mundial de Saúde (OMS) já ter alertado há mais de 15 anos para que se trata de um poluente preocupante. Os aviões são uma fonte primária deste tipo de poluição ao redor dos aeroportos, pois uma parcela significativa (14%) das emissões de partículas por parte da aviação ocorre durante o ciclo de descolagem e aterragem, espalhando-se por área maiores em comparação com as emissões provindas do transporte rodoviário.
Em termos globais, a exposição de longo prazo às partículas com origem na aviação resulta num número estimado de mortes prematuras entre 14.000 e 21.200 todos os anos, e pode estar relacionada com problemas cardiovasculares, hospitalização por asma e problemas respiratórios. A exposição de curto prazo pode causar sintomas como tosse e dificuldade em respirar.
Usando combustível de aviação (jet fuel) de melhor qualidade permite reduzir a emissão de partículas ultrafinas em até 70%, conforme mostra o estudo. Quanto mais limpo o combustível, com menos aromáticos e enxofre, menor a poluição gerada. A limpeza de jet fuel pode ser feita recorrendo a hidrotratamento, processo usado no transporte rodoviário e marítimo, e que tem um custo que pode ser menor do que 5 cêntimos por litro. Contudo, as normas para produção de combustível para a aviação não o exigem.
Para reduzir o impacto nas partículas ultrafinas na saúde dos cidadãos mais afetados pelos aeroportos em Portugal, a ZERO aponta as seguintes medidas:
A metodologia baseia-se nos resultados de um estudo sobre partículas ultrafinas em redor do aeroporto Schiphol em Amesterdão realizado pelo Instituto Nacional de Saúde Pública e Ambiente dos Países Baixos (RIVM), extrapolando-os para os 32 aeroportos mais movimentados da Europa. A extrapolação assume que as partículas ultrafinas aumentam linearmente com o tráfego aéreo e que esta poluição se espalha de forma uniforme em redor de cada aeroporto.
O RIVM efetuou medições nas imediações do aeroporto, verificando concentrações entre 4.000 e 30.000 partículas/cm3 no raio de 5 km ao seu redor, 3.000 a 6.000 partículas/cm3 no raio 5-10 km e 1.000 a 4.000 partículas/cm3 no raio 10-20 km, números em consonância com campanhas de medição recentes em torno dos aeroportos Paris Charles de Gaulle e de Copenhaga. As concentrações de partículas ultrafinas nos centros das cidades sem influência de aeroportos, incluindo do tráfego rodoviário e de outras fontes, podem variar entre 3.000 e 12.000 partículas/cm3, o que realça a importante contribuição dos aeroportos neste tipo de poluição.
O RIVM encontrou uma forte associação entre a exposição de longo-prazo às partículas ultrafinas e casos de diabetes, hipertensão e demência. Também encontrou possíveis associações a partos prematuros e a bebés pequenos para a idade gestacional, a mortalidade devido a Alzheimer, e relação provável com anomalias congénitas.
No estudo agora divulgado pela Federação Europeia de Transportes e Ambiente, as concentrações estimadas em redor dos 32 aeroportos em análise foram cruzadas com a população existente ao redor de cada aeroporto usando dados de distribuição populacional, identificando o número de pessoas expostas a diferentes níveis de concentração. Subsequentemente, o impacto no aumento dos riscos na saúde foi estimado apenas para as patologias fortemente associadas à exposição a partículas ultrafinas: hipertensão, demência e diabetes. Finalmente, houve um cruzamento destas estimativas com os riscos aumentados destas doenças, deduzido o número total de casos.
[1] Versão briefing do estudo: https://zero.ong/?listas_ficheiros=estudo-sobre-efeito-da-aviacao-na-saude-da-populacao
[2] Estudo completo: https://zero.ong/?listas_ficheiros=estudo-completo-sobre-efeito-da-aviacao-na-saude-da-populacao
[3] O estudo não distingue possíveis casos de co-ocorrência de patologias nos mesmos indivíduos com causa atribuível ao aeroporto.
[4] O estudo corrigiu todas as associações relacionados com exposição a outros poluentes, como óxidos de azoto, PM2,5, fuligem e ruído.
[5] https://zero.ong/noticias/poluicao-do-ar-relacionada-com-o-aeroporto-em-niveis-alarmantes-nalgumas-partes-de-lisboa/
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