Início » Ano de 2024: menos incêndios, mas quatro vezes mais área ardida – o incendiarismo continua negligenciado
No dia em que se inicia o período mais crítico de combate aos fogos rurais — o chamado “nível Charlie”, entre 1 de julho e 30 de setembro — a ZERO apresenta a sua avaliação crítica ao Relatório de Atividades 2024 do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais (SGIFR).
Da leitura efetuada sobressaem desde logo alguns aspetos preocupantes: embora se registem menos ignições no total (um facto positivo), o incendiarismo é responsável por 84% da área ardida, a qual é quatro vezes superior à do ano anterior. Além disso, voltaram a registar-se vítimas mortais associadas aos incêndios e assiste-se a um marcar passo nas medidas do Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais (PNGIFR) sendo que o estado de implementação do Plano Nacional de Ação se encontra em 48%, com 25% das iniciativas a não saírem ainda do papel.
No ano de 2024, registaram-se 6 255 incêndios, menos 1 268 face aos 7 523 registados no ano anterior, ou seja, uma redução de 17%, mantendo a tendência de redução verificada desde 2018. Contudo, só no mês de setembro, ardeu 92% da área ardida do ano. Esta redução do número de incêndios não se traduziu em menos área ardida, mas sim no oposto. 137 651 hectares foram queimados em 2024, quatro vezes mais do que no ano anterior, (mais 103 142 ha face aos 34 509 registados em 2023) e mais do dobro do limite anual previsto pelo PNGIFR (60 000 ha).
Em 2024, os grandes incêndios — ocorrências com área superior a 500 ha — tiveram um aumento brutal: 35 ocorrências que representaram 0,56% dos eventos, sendo que, por comparação, em 2023 ocorreram apenas 3 ocorrências, representando 0,05% no número total. Os grandes incêndios foram responsáveis por 84% da área total ardida, o que é alarmante. O sistema falhou em cumprir a meta de 0,3% estabelecida para os grandes incêndios prevista para 2024, sendo este um dos principais indicadores de insucesso deste Plano de Ação, contrastando com o aparente sucesso no controlo que se verifica com o decréscimo das ignições associadas ao uso negligente do fogo.
É de referir ainda que, em 2024, morreram 16 pessoas, incluindo 9 operacionais, um grande contraste com o ano de 2023, em que não tinha havido vítimas mortais.
Em 2024, o incendiarismo e o uso do fogo foram as principais causas identificadas dos incêndios, representando cerca de 83% das ocorrências com causa conhecida, incendiarismo 42% e uso do fogo 41%, totalizando 1 655 e 1622 casos, respetivamente. Em termos de área ardida com causa identificada, o incendiarismo destacou-se em 2024, correspondendo a 84 272 hectares (84% do total com causa conhecida), enquanto o uso negligente do fogo representou 9 600 hectares, menos de 10% do total. Estes dados revelam que o incendiarismo continua a ser um grave problema estrutural não reconhecido.
O relatório chega a mencionar, de forma superficial, um estudo preliminar da Polícia Judiciária que traça o perfil do incendiário, associando-o a “alcoolismo, exclusão social e perturbações psíquicas”, ou seja, o sistema tem consciência de que uma parte significativa do problema do fogo posto tem raízes em questões de saúde pública e sociais, mas falha redondamente em traduzir essa consciência em ação.
A única “medida” que o relatório apresenta em relação aos incendiários é a ação policial e judicial: vigilância, investigação e detenções (36 indivíduos em 2024). Não existe qualquer referência a programas de articulação entre os ministérios da Justiça, da Saúde e da Segurança Social para criar respostas de tratamento e reinserção para estas pessoas após cumprirem as suas penas, sendo que ao nível das medidas de reinserção social para incendiários com duplo diagnóstico (comportamentos aditivos e dependências combinados com perturbações mentais), a análise do relatório revela um vazio absoluto.
Quando apenas prendemos o incendiário, isolamos o sintoma do problema, sem qualquer plano de reabilitação ou reintegração do indivíduo, o que significa que a abordagem se concentra na punição e não na terapia, não resultando em qualquer solução duradoura para esta questão complexa.
Em vez de “apostarmos todas as fichas” na gestão do combustível ou no combate — cujas tarefas nos podem proporcionar resultados aquém do desejado — se investíssemos uma pequena soma na tentativa de resolver este problema social e de saúde pública, com recurso, por exemplo, à criação de equipas multidisciplinares de reinserção social e de saúde mental, muito provavelmente, poderíamos obter ganhos imediatos com impacto significativo na redução da área ardida e proteção de pessoas e bens.
Este novo relatório, ao contrário do que aconteceu em 2023, falha em não discriminar os tipos de negligência associados ao uso do fogo, não sendo possível tirar conclusões sobre alterações de comportamento face ao ano de 2023. Igualmente importante são as causas acidentais, por exemplo, o uso indevido de maquinaria em atividades florestais, que representaram 16% das ocorrências.
O relatório refere que a taxa de reacendimento foi de 5,9%, o que nos parece um dado “mal calculado”: o valor é de 9%, uma vez que não deveríamos ter em conta o total dos incêndios, mas sim os incêndios com causa conhecida. Relembramos que a meta do Plano seria menos de 5% em 2024 e de 1% em 2030, sendo de notar que diante de mais um fator de insucesso do plano ao nível do cumprimento de metas.
Apesar de avanços em projetos como o BUPi e a valorização dos Condomínios de Aldeia, o relatório confirma que apenas 5 das 20 metas do Programa Nacional de Ação (PNA) estão em linha com os objetivos definidos para 2030.
Se bem que a execução global do PNA esteja em 48%, verifica-se que 25% medidas não foram ainda iniciadas, o que evidencia um claro atraso face aos objetivos previstos.
Mostra igualmente que, embora o investimento total tenha sido concretizado e até aumentado, a sua distribuição — com um crescimento de 29% no combate vs. 15,7% na prevenção — pode não estar totalmente alinhada com o espírito do PNA, que previa uma aposta forte na prevenção estrutural. O que é facto é que houve um crescimento da despesa com o combate de mais 63 milhões de euros e de mais 48 milhões de euros destinados à prevenção, num total de gastos de 284 milhões de euros e de 354 milhões de euros, respetivamente – total de gastos do SGIFR de 638 milhões.
Destacam-se ainda como áreas críticas:
Ainda assim, a ZERO reconhece os progressos nalguns aspetos:
Com metade do período do PNGIFR 2030 já passado, Portugal já queimou 57% da área máxima prevista para o período 2020-2030.
Para a ZERO, sem uma reorientação séria das políticas públicas, e sem um verdadeiro esforço nacional para mudar comportamentos e gerir o território de forma sustentável, as metas de 2030 não serão cumpridas — e, muito provavelmente, voltaremos a assistir à repetição de tragédias humanas.
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