Início » O que fazemos » Comunicados de imprensa » Ceifa dos cereais causará verdadeira “chacina” de crias de abetardas e águias-caçadeiras
Nas Zonas de Proteção Especial(1) estabelecidas para a preservação das aves estepárias, os agricultores beneficiários de apoios agroambientais estão autorizados a partir de hoje, dia 17 de junho, a ceifar a aveia, o cereal de sequeiro mais cultivado nestas áreas classificadas integradas na Rede Natura 2000. Esta situação induzirá uma verdadeira “chacina” das pequenas crias de abetardas e de águia-caçadeira.
Isto significa que o apoio público para fins de conservação está a contribuir, na prática, para a extinção de algumas das mais emblemáticas aves estepárias – grupo de aves que dependem de sistemas agrícolas associados à rotação cereal-pousio, que englobam a abetarda, o alcaravão, a águias-caçadeira, os cortiçóis-de-barriga-branca e os de barriga negra, o francelho ou o sisão. É urgente uma mudança na configuração e aplicação destas medidas de apoio.
O que verdadeiramente se passa é que a gestão efetuada pelos agricultores nas referidas áreas – a maior parte dos quais apoiados por medidas agroambientais, pagas com verbas nacionais e comunitárias – resulta, em norma, numa combinação entre produção de feno para alimentar o gado e produção de cereais, como o trigo, a cevada ou a aveia, para futura comercialização do grão, o que criou uma armadilha fatal que inviabiliza o sucesso reprodutivo da abetarda e de águia-caçadeira, a qual pode ser explicada da seguinte forma:
Perante isto, dificilmente se compreende que, num ano de condições climatéricas favoráveis, se tenha fixado a data de 17 de junho para início do corte da aveia, cereal mais cultivado pelos agricultores, dois dias antes em relação à data fixada no ano passado – 19 de junho – um ano em que até se poderiam alegar razões de força maior, devido à influência da seca na atividade agrícola. Mesmo a data de 24 de junho para os restantes cereais que não a aveia, e leguminosas, é claramente insuficiente para garantir o sucesso reprodutivo das espécies referidas – no ano passado, a data estabelecida foi 14 de junho.
De salientar que esta situação tem sido a norma, levando a um contributo decisivo para a diminuição para mais de metade dos efetivos de espécies, como a águia-caçadeira, abetarda e o sisão, nos últimos 10 anos. Por sua vez, este modelo de decisão está associado à definição das datas de corte dos cereais que supostamente proporcionaria algum equilíbrio entre os aspetos económicos e ambientais em presença nas decisões tomadas pela Estruturas Locais de Apoio. Estas estruturas são compostas por organismos públicos, por associações representativas dos agricultores e por organizações não governamentais de ambiente, mas na realidade, como nestas estruturas os agricultores estão em maioria, prevalece a vontade destes últimos em prejuízo da conservação das estepárias que tem ficado para segundo plano.
Acresce que, para a ZERO, identificam-se diversas fragilidades no atual modelo de apoio aos agricultores para que estes possam contribuir para uma conservação efetiva das aves estepárias. Desde logo, a fraca atratividade gerada pelos montantes financeiros disponibilizados para o efeito, aos quais é adicionada uma absurda redução de apoio que prejudica quem tem mais área – situação que apenas contribui para que a componente económica associada ao resultado da venda dos cereais ou da aposta na produção de gado tenha um peso pouco relevante na decisão de contribuir ou não para a salvaguarda das referidas aves. No caso da criação de gado, em particular a de gado bovino – esta também muito subsidiada por apoios públicos e contribuindo em grande parte dos 51% do total das emissões de gases com efeito de estufa da agricultura (dados de 2020) –, a subsidiação direta ou indireta desta atividade é particularmente perversa. Esta atividade pecuária faz com que os agricultores se interessem mais pela produção de feno para alimentar o gado do que pela produção de cereais, o que não só contribui para o insucesso reprodutivo da abetarda e da águia-caçadeira, mas também porque, ao aumentar a presença de animais nas áreas cultivadas e/ou em pousio, o sucesso reprodutivo do sisão é fortemente prejudicado, ainda que esta última espécie também nidifique, embora em menor grau, em searas.
No entanto, importa referir que a situação dificilmente se inverterá se mantivermos um modelo imoral de apoios públicos que, na prática, em vez de proteger as aves estepárias está, de forma direta e irresponsável, a contribuir para o seu desaparecimento, já que involuntariamente transforma os agricultores em agentes da destruição dos valores naturais quando estes poderiam ser, de forma empenhada, promotores ativos da conservação destas espécies ameaçadas de extinção e dos seus habitats.
Neste contexto, a ZERO não pode deixar de exigir que Ministra do Ambiente e Energia, Graça Carvalho, e o Ministro da Agricultura e Pescas, José Manuel Fernandes, deixem de compactuar com esta imoralidade na utilização de fundos públicos que está a contribuir decisivamente para a extinção destas espécies em Portugal. Em paralelo, que chamem a si o compromisso de removerem o quanto antes esta gravíssima disfuncionalidade da política pública, através de uma revisão do atual quadro financeiro e de condicionalidade destinado à preservação destas espécies nas áreas designadas para o efeito que está em vigor até 2027, no âmbito do PEPAC – Plano Estratégico da Política Agrícola Comum.
(1) Zonas de Proteção Especial para a conservação das aves estepárias: Campo Maior, Castro Verde, Cuba, Évora, Monforte, Mourão/Moura/Barrancos, Piçarras, Reguengos, São Vicente, Torre da Bolsa, Vale do Guadiana, Veiros, Vila Fernando; Zonas de Proteção Especial do Tejo Internacional, Erges e Ponsul e da Costa Sudoeste também são apoiadas.
(2) A águia-caçadeira – que é uma espécie migradora que só está entre nós para se reproduzir – necessita de 3 anos para atingir a maturidade reprodutiva e na abetarda tal só ocorre a partir dos 6 anos de idade.
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