Início » Dia Nacional do Mar: ZERO apela a que se efetivem as estratégias e medidas de conservação do meio marinho
A História de Portugal está, desde sempre, muito ligada ao mar e às questões marítimas, ainda que a importância e a relevância que lhe são atribuídas tenham variado consoante o contexto político e socioeconómico. Cada vez mais é reconhecido o potencial económico do mar, naquele que é o país com uma das maiores Zonas Económicas Exclusivas (ZEE) do mundo. Da mesma forma, é inegável que o mar assume um papel fundamental na dimensão social e cultural da identidade das comunidades costeiras portuguesas e, como tal, tem um impacto considerável no bem-estar das respetivas populações.
Portugal recebeu em junho passado a segunda edição da Conferência dos Oceanos das Nações Unidas e, se por um lado se tornou evidente que cada vez mais celebramos o papel essencial que o mar tem para o nosso país, por outro é também claro que continuamos a não corresponder às nossas responsabilidades e garantir a proteção que lhe é necessária. Ano após ano assistimos ao declínio da saúde dos oceanos a par do aumento das pressões causadas pelas atividades humanas, e a efetivação das estratégias e políticas de conservação dos ecossistemas marinhos continuam aquém do necessário.
Tirando partido do papel de liderança nas matérias do mar que Portugal tem vindo a assumir, a ZERO apela à urgência de se avançar das metas para a materalização com medidas concretas para conhecer o verdadeiro estado ecológico do meio marinho, controlar e combater os crescentes impactos da poluição decorrentes das atividades humanas, respeitando o princípio da precaução no que toca a futuras ameaças.
A proteção, recuperação e manutenção da integridade dos ecossistemas marinhos e costeiros só pode ser assegurada se efetivamente tivermos conhecimento sobre o seu estado. A Diretiva-Quadro Estratégia Marinha (DQEM) é um dos principais instrumentos europeus da política de conservação do mar, cujo principal objetivo é obter ou manter o Bom Estado Ambiental (BEA) do meio marinho, em análises feitas em ciclos de 6 anos. Os descritores e metas para atingir o BEA são definidos pelos respetivos Estados-membros, e incluem, entre outros, indicadores de Biodiversidade, Integridade dos fundos marinhos, Lixo marinho e Contaminantes.
Da análise do 1.º Ciclo da DQEM, correspondente ao período de 2012-2018, é difícil traçar um retrato fidedigno do atual do estado ambiental dos ecossistemas marinhos, em parte porque cerca de 30% das monitorizações previstas não foram iniciadas por alegadas dificuldades de financiamento. Nos indicadores efetivamente medidos, e apesar de em boa parte se ter atingido a classificação de Bom Estado Ambiental, o grau de confiança da análise foi baixo ou médio, sobretudo devido à ausência de dados.[1],[2]
Para o programa de medidas do 2.º ciclo da DQEM, que se encontra em fase de consulta pública[3], a ZERO apela a que se priorizem programas de monitorização e fiscalização robustos, que deem resposta aos constrangimentos identificados no ciclo anterior e assegurem o cumprimento e manutenção das metas de conservação.
As áreas marinhas protegidas são uma das formas mais eficazes de, por um lado, recuperar os ecossistemas marinhos degradados pela crescente pressão das atividades humanas, e por outro de garantir a salvaguarda e proteção da biodiversidade dos mesmos. Em 2020, as Áreas Marinhas Protegidas (AMP) representavam apenas 8,9% da área total das águas marítimas sob jurisdição nacional, falhando o objetivo de garantir, até essa data, uma proteção de pelo menos 10%. Para 2030, Portugal compromete-se a garantir que pelo menos 30% das águas sob jurisdição nacional sejam classificadas como AMP e 10% como área de proteção estrita. Este objetivo foi reforçado durante a Conferência dos Oceanos e espera-se, agora, a sua efetivação, mantendo presente que é um objetivo ambicioso e crucial que não pode, nem deve ser atrasado.
O estabelecimento de AMP deve reger-se por processos transparentes e inclusivos, primando pela justiça no acesso aos recursos, e deve ainda assegurar planos de gestão adequados às especificidades de cada área, que mobilizem meios de monitorização e fiscalização eficiente, por forma a garantir o cumprimento dos objetivos de conservação e recuperação dos ecossistemas. Para isso, é necessário acelerar-se o processo de implementação de uma Rede Nacional de Áreas Marinhas Protegidas (RNAMP), que não só consagre os princípios anteriores, mas também clarifique a designação das novas AMP, como previsto na Estratégia Nacional para o Mar (ENM) 2021-2030, o instrumento que traça o rumo para a política pública do Mar na próxima década.
O oceano profundo é um dos locais mais desconhecidos do nosso planeta, e apenas uma ínfima parte dos ecossistemas destes meios foi efetivamente mapeada. A mineração em mar profundo é uma séria ameaça à integridade desses ecossistemas e poderá acarretar danos irreversíveis na sua biodiversidade. Avançar com atividades de mineração em habitats potencialmente ricos, sobretudo do ponto de vista de espécies marinhas cruciais para o desenvolvimento do conhecimento científico, é absolutamente contraproducente. Antes de se avançar é indispensável conhecer todos os riscos afetos à atividade, e aferir se é sequer possível aplicar estratégias de mitigação dos impactos ambientais e sociais para a exploração destes recursos minerais.
Apesar desta ameaça ser particularmente relevante para o mar português, dado que contempla extensas áreas de oceano profundo que poderão até vir a ser alargadas com o plano de extensão da plataforma continental, a posição de Portugal no que diz respeito à mineração em mar profundo não é clara, chegando mesmo a ser, por vezes, contraditória. Neste sentido, várias ONG portuguesas de ambiente[4], entre elas a ZERO, apelam ao governo Português que defenda o princípio da precaução, e adote uma moratória à mineração em mar profundo, tanto para águas sob jurisdição nacional, como para águas internacionais.
A ZERO congratula o governo Português pelo papel de liderança e os passos dados na prossecução de uma Área de Emissões Controladas de dióxido de enxofre e óxido de azoto (ECA) na costa Atlântica. Esta iniciativa, consagrada também na Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030 (ENM 2021-2030), constitui um passo fundamental para o combate à poluição do ar resultante do transporte marítimo, no sentido de minimizar os impactos nefastos que este setor traz para a biodiversidade dos ecossistemas marinhos e para as vidas humanas em todo o continente europeu.
As comunidades costeiras portuguesas sofrem significativamente com a poluição do ar oriunda dos navios e é, portanto, crucial que Portugal continue a trabalhar no sentido de proteger a saúde das populações mais afetadas. Neste sentido, a ZERO acolhe positivamente o compromisso político dado pelo Secretário de Estado para o Mar, José Maria Costa, durante a COP27 do Clima a decorrer em Sharm El Sheik, de prosseguir com a criação de uma ECA na costa atlântica. Esta será uma das medidas a adotar no quadro da descarbonização do setor do transporte marítimo e da integração de Portugal na Iniciativa Green Shipping Challenge lançada pelos Estados Unidos e Noruega também no decorrer da COP27.
Portugal, enquanto nação oceânica, deve continuar a assumir um papel pioneiro nas políticas e estratégias de conservação e proteção do meio marinho, e relevá-las à importância estratégica que o mar tem para o nosso país. Embora tenhamos testemunhado alguns sinais positivos de Portugal no que toca às políticas e estratégias de conservação do meio marinho, os objetivos ambiciosos estabelecidos até 2030 pedem que se mobilizem meios que efetivem medidas concretas para cumprimento e acompanhamento dos mesmos. Estabelecer metas ambiciosas é verdadeiramente importante, mas de nada servirão se carecerem de monitorização e fiscalização eficazes para preservar e restaurar os ecossistemas marinhos a longo prazo, e usufruir de um oceano saudável e próspero para as gerações vindouras.
Notas:
[1]https://www.dgrm.mm.gov.pt/documents/20143/0/Parte+D_PCE_JAN2020.pdf/c60fa888-d503-c076-766a-de5716c17f6d
[2]https://www.dgrm.mm.gov.pt/documents/20143/43971/Parte+D_Continente_JAN2020.pdf/1fd20090-8971-d41e-6756-750579c5ae38
[3] https://participa.pt/pt/consulta/atualizacao-do-programa-de-medidas-das-estrategias-marinhas-2-ciclo
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