Início » Dois anos de Lei de Bases do Clima a várias velocidades: parada, devagar ou devagarinho
Assinalam-se os dois anos da entrada em vigor da Lei de Bases do Clima (Lei n.º 98/2021), legislação que a ZERO entende como decisiva na governança climática do país, pois trata-se de uma lei que estabelece diretrizes fundamentais para uma abordagem coletiva e integrada à preservação de um clima viável para o ser humano e outros seres vivos. Contudo, no seguimento do esforço que a ZERO continuamente desenvolve para perceber e estimular o processo de regulamentação e aplicação da lei, a associação mostra-se apreensiva, pois, em suma, os progressos são medíocres: estamos praticamente a meio da década crítica para conseguirmos limitar o aquecimento global a cerca de 1,5°C, em que as emissões de gases com efeito de estufa têm de baixar drasticamente até 2030, quer no mundo quer no país, mas a lei marca passo.
A ZERO assinala o aniversário da lei apresentando um panorama geral da sua evolução, classificando as medidas prioritárias com cores de semáforo no respeitante ao seu progresso.
O Conselho para a Ação Climática viu em agosto de 2023 a promulgação do decreto-lei que estabelece a sua composição, organização e funcionamento (Lei n.º 43/2023), com previsão de início da sua atividade no passado dia 1 de janeiro de 2024, o que já era tarde. Mas esta data não foi cumprida e na atual conjuntura política – que não justifica o incumprimento – esta estrutura só deverá estar constituída daqui a vários meses. A sua operacionalização é vital, pois trata-se de um órgão consultivo e independente que superintenderá a aplicação da lei, e do qual dependem importantes dispositivos nela contidos, por si só também em atraso por esse e outros motivos. Um dos dispositivos dependentes do Conselho para a Ação Climática é o dos Orçamentos de Carbono, que estabelecem limites quinquenais de emissões de gases de efeito de estufa para o país, os quais não existem para o período atual até 2025 nem para 2025-2030. Este atraso é preocupante, na medida em que é fundamental conhecer estes limites para se ajustar a ação climática em concordância.
De igual modo no vermelho está a apresentação dos planos setoriais de mitigação e de adaptação às alterações climáticas para os setores considerados prioritários (Artigo 74.º) e do relatório de avaliação inicial de impacte climático legislativo (Artigo 75.º), tendo já passado o prazo para estas obrigações do governo.
Outro prazo que agora termina (a 1 de fevereiro de 2024) é o da Estratégia Industrial Verde (Artigo 68.º), um documento fundamental para o país efetuar uma transição energética mais rápida, justa e sustentável, e que na verdade deveria ter sido apresentado muito antes do prazo devido à sua extrema relevância. Visto esta estratégia necessitar de parecer prévio por parte do Conselho para a Ação Climática e devido a outros motivos de atraso, antevê-se que a estratégia estará apta a ser iniciada só daqui a um ano.
Por outro lado, a Lei de Bases do Clima prevê o fim da subsidiação aos combustíveis fósseis até 2030 (Artigo 28.º), e o próprio Parlamento Europeu defendeu a sua eliminação o mais tardar até 2025, mas no entender da ZERO Portugal não tem dado passos nesse sentido – antes pelo contrário, mantém, por exemplo, a suspensão parcial da atualização da taxa sobre as emissões de CO2 no imposto sobre produtos petrolíferos (ISP).
Outra medida presente na lei que prossegue no vermelho é a restrição da produção e comercialização de combustíveis ou biocombustíveis que contenham óleo de palma ou outras culturas alimentares insustentáveis. Foi, inclusivamente, considerado na lei um prazo para o seu término anterior à data de início da própria lei (”a partir de 1 de janeiro de 2022” (Artigo 44.º2-b)), assim como essa medida já tinha sido prevista no Orçamento do Estado de 2021. No entanto, desde então, não só não se deu a sua efetivação, como nunca mais foi considerada nos orçamentos subsequentes.
No laranja persiste a falta de clareza quanto ao enquadramento da participação pública, que ocupa um lugar central na lei (Artigos 9.º, 10.º e 11.º), que deve incluir os cidadãos, as associações de ambiente e o tecido empresarial no planeamento, tomada de decisões e avaliação das políticas públicas climáticas. Para esse efeito, existe agora uma ferramenta digital(1) que consiste numa mera secção do site referente à transparência governamental intitulada “ação climática”. A informação é relevante, mas meramente informativa e expositiva, perdurando a inexistência de um canal de comunicação exclusivo que possibilite a participação ativa de todos na ação climática. Em linha com o estipulado na Lei de Bases do Clima, seria fundamental a disponibilização desse canal de comunicação, através do qual cidadãos e sociedade civil colocam questões ao governo em matérias relacionadas com a ação climática e ambiental; solicitam o agendamento de sessões de esclarecimento e/ou debate com os responsáveis políticos; e acedem à calendarização da implementação de políticas climáticas, incluindo, por exemplo, as datas previstas para a realização de consultas públicas e de sessões de participação públicas.
Igualmente no laranja encontram-se os planos regionais e municipais para a ação climática, que a lei estipula como data limite para a sua aprovação o dia 1 de fevereiro de 2024 (Artigo 14.º). Este planeamento constitui um importante mecanismo para a adequação da ação climática à realidade e contexto dos territórios locais. Contudo, a falta de apoio por parte do governo central às autarquias na elaboração destes planos, quer ao nível financeiro quer ao de recursos humanos técnicos adequados, traduz-se na impossibilidade de apresentação do plano por parte da maioria dos municípios.
Muito a conta gotas, alguns dispositivos passaram ao verde, mas cuja efetivação não estava diretamente sob a alçada do Estado, como é o caso do relatório anual sobre a exposição ao risco climático do setor financeiro e segurador (Artigo 35.º), a ser apresentado pelo Banco de Portugal e a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF).
Por outro lado, a Assembleia da República divulgou recentemente o seu relatório de avaliação do impacte carbónico da sua atividade e funcionamento (Artigo 73.º), onde são identificadas as medidas a adotar para mitigar aquele impacte. Apesar do atraso na sua divulgação e da parca informação que contém, é de louvar o esforço por parte da Assembleia na sua elaboração, servindo este documento como um importante ponto de partida para o caminho que tem de ser feito para este órgão governativo alcançar a neutralidade climática até 2025, conforme a lei prevê.
Em balanço, a ZERO conclui que muito pouco foi feito nestes dois últimos anos, e a maioria das medidas na Lei de Bases do Clima persiste no vermelho ou amarelo, sendo particularmente gravosas as omissões relativas aos orçamentos de carbono, ao relatório de avaliação inicial de impacte climático e aos planos setoriais de mitigação e de adaptação às alterações climáticas, todos na gaveta sem data prevista de apresentação.
Estes atrasos na implementação da Lei de Bases do Clima prejudicam fortemente o correto planeamento e execução da política e ação climática nacional, atrasando medidas urgentes para concretizar as transformações estruturais necessárias para que Portugal acelere o passo e consiga alcançar a neutralidade climática até 2045, pelo que a ZERO aguarda com expectativa que o novo governo resultante das eleições de 10 de março remedeie este estado de coisas e dê finalmente prioridade à Lei de Bases do Clima.
Notas:
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