Início » Eletricidade muito mais cara que o gás fóssil no setor residencial entrava descarbonização
A ZERO analisou os preços regulados da fatura da eletricidade e do gás – gás natural canalizado e gás butano em garrafa – no setor doméstico em Portugal Continental e concluiu que existe uma distorção inaceitável nos custos comparativos em desfavor da eletricidade que contraria os objetivos de descarbonização, pois o gás é 100% fóssil e a eletricidade é 70% renovável.
A comparação realizada pela ZERO teve em conta as potências contratadas mais comuns na eletricidade no setor doméstico – 3,45 kVA, que representa cerca de 45% dos contratos, e 6,90 kVA, cerca de 25% –, considerando os preços do mercado regulado com e sem tarifa social. A tarifa social é traduzida em desconto sobre a tarifa de acesso às redes para proteger as famílias com menores rendimentos.
No caso do gás natural fóssil, não estão em causa potências contratadas. A tarifa de acesso às redes depende do nível de consumo que é traduzido em escalões. A análise incidiu sobre o 1.º escalão de consumo (onde se concentram cerca de 70% dos contratos domésticos), também com e sem tarifa social.
Na análise do gás butano em garrafa foram avaliados os preços de mercado com e sem o apoio da chamada Botija de Gás Solidária (ou Bilha Solidária), que alivia o custo da aquisição do gás de botija para famílias mais vulneráveis que consiste num apoio mensal de 15 euros por botija de gás, limitado a uma botija por mês, cumprindo um objetivo semelhante à tarifa social aplicada ao gás canalizado.
De acordo com os dados analisados, o preço da eletricidade é de 0,1658 €/kWh, enquanto o do gás natural fóssil se situa em 0,0785 €/kWh – menos de metade. No caso dos beneficiários da tarifa social, a diferença é ainda mais acentuada: 0,1174 €/kWh para a eletricidade, face a apenas 0,0410 €/kWh para o gás natural, o que significa que a eletricidade custa quase três vezes mais. Mesmo no caso do gás em botija, o diferencial mantém-se, com a eletricidade a custar cerca de 1,5 vezes mais.
A comparação só fica completa quando se considera o kWh útil, ou seja, o calor efetivamente aproveitado pelos equipamentos – um fogão a gás tem uma eficiência de apenas cerca de 50%, ao passo que uma placa de indução ronda os 90%. Já as eficiências entre um esquentador a gás e um termoacumulador a resistência elétrica são ambas de cerca de 80%. Assim, se corrigirmos os valores de acordo com a eficiência, o custo do kWh útil de gás natural fóssil para aquecimento de água é de 0,098 €/kWh, ao passo que usando eletricidade num termoacumulador a resistência é de 0,207 €/kWh. Só quando se usa uma bomba de calor, com uma eficiência a rondar os 250%, é que o aquecimento de água fica mais barato – 0,061 €/kWh – usando eletricidade.
Quando comparamos os encargos diários, a desvantagem da eletricidade é ainda mais substancial: 4,1 vezes, na medida em que, para uma potência contratada de 6,9 kVA, o valor diário é de 0,3396 €/dia, enquanto para o gás natural fóssil é 0,0839 €/dia. No caso da tarifa social, os encargos são menos diferentes, mas ainda assim muito penalizadores da eletricidade, em que são 1,2 vezes superiores no caso de uma potência contratada de 3,45 kVA e 2,1 vezes no caso de 6,9 kVA.
Entre as razões principais para esta distorção está o facto de o Estado Português, também com o forte apoio da União Europeia, ter efetuado avultados investimentos nas redes de gás, subsidiando indiretamente o consumo de gás fóssil canalizado, e no caso da rede elétrica isso não existe, sendo a fatura, por imperativo comunitário, sobrecarregada com os investimentos na necessária manutenção e reforço da rede, para além da forma como os preços de eletricidade são estabelecidos diariamente em mercado.
A ZERO considera que o esforço de descarbonização do Programa E-LAR anunciado no início de agosto pelo governo, ao fomentar o uso de eletrodomésticos a eletricidade por substituição dos equivalentes existentes a gás, é um passo na direção certa da redução de emissões de gases de efeito de estufa. A redução do consumo de gás natural ou butano, ambos de origem fóssil por eletricidade, cuja percentagem incorporada de fontes renováveis no ano de 2024 foi de 71%, é imperativo. A ZERO lamenta que estejam fora destes apoios as bombas de calor para águas quentes sanitárias, cuja eficiência é três vezes maior que um termoacumulador elétrico.
Na ponderação dos princípios de economia circular e análise de ciclo de vida, importa ter em conta se a substituição de equipamentos a gás por equipamentos elétricos compensa em termos da sua pegada material e de emissões de dióxido de carbono associadas ao funcionamento e fabrico dos equipamentos. A resposta depende do custo ambiental de eliminar um aparelho antes do tempo e da forma como ele é compensado pelas emissões evitadas. De uma forma geral, para um uso normal dos equipamentos elétricos, a redução nas emissões rapidamente supera a soma das emissões associadas ao uso de gás e fabrico dos equipamentos descartados, e por isso, a substituição compensa. É conveniente lembrar que os materiais dos equipamentos antigos devem ser recolhidos e reciclados, conforme o programa prevê.
Após diversas simulações, e assumindo a manutenção das atuais diferenças de preço entre gás e eletricidade, a ZERO concluiu que, no caso de uma utilização média para um agregado familiar de duas pessoas, para os beneficiários do tipo III (fora das áreas consideradas Bairros Sustentáveis e sem tarifa social), a substituição de um esquentador a gás natural por um termoacumulador, ao abrigo do Programa E-LAR, esgota o apoio de 500 € ao fim de cerca de quatro anos quando se considera apenas o preço da eletricidade e o do gás natural, dado que o preço da eletricidade associada ao novo equipamento é mais elevado que o preço do gás natural; se houver também cessação do contrato de gás, eliminando os encargos diários dessa fatura, o apoio esgota-se ao fim de cinco anos. No caso da substituição de um fogão ou forno a gás natural por um elétrico, o apoio de 300 € do Programa E-LAR esgota-se ao fim de cerca de sete anos, período este que se ampliará para algumas dezenas de anos se houver o cancelamento do contrato de gás natural. Face ao montante bem mais elevado dos apoios no caso dos beneficiários dos tipos I (nos Bairros Sustentáveis) e II (com tarifa social), a vantagem económica mesmo com o custo mais elevado da eletricidade é inequívoca e logo à partida superior ao tempo médio de vida dos equipamentos elétricos adquiridos. Para assegurar uma maior vantagem do Programa E-LAR é necessário tomar medidas para que as diferenças de preço entre gás e eletricidade desapareçam tão rapidamente quanto possível, um resultado expectável se houver políticas fiscais verdes refletindo objetivos climáticos.
Para que a eletrificação dos edifícios de uma parte significativa das famílias avance de forma rápida e eficaz, é indispensável que a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), reveja em profundidade a metodologia de cálculo dos preços da eletricidade e do gás fóssil no que diz respeito às componentes reguladas.
Com o objetivo de incentivar a generalização do uso de eletricidade em substituição do gás fóssil nas casas das famílias em Portugal, a ZERO propõe que o IVA a aplicar a todas as parcelas da fatura de eletricidade para contratos de eletricidade até 6,9 kVA de potência contratada passe de 23% para 6%.
Ao mesmo tempo a ZERO apela ao Governo e Parlamento que dêem sinais claros no Orçamento do Estado do próximo ano de que adotarão medidas que eliminem todos os subsídios diretos e indiretos ao consumo de gás fóssil, incluindo a aplicação a todas as parcelas da fatura deste combustível fóssil da taxa máxima de IVA de 23% a partir de janeiro do ano de 2026, bem como efetuem um aumento progressivo do valor do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP) que integra a Taxa de Carbono, cujo valor deverá ser também atualizado.
Ao aprovar estas medidas, o Estado estará a proteger as famílias dos custos crescentes associados aos combustíveis fósseis – os quais irão inevitavelmente aumentar com a aplicação do preço do carbono ao gás doméstico. Ao mesmo tempo, será criado um contexto muito mais favorável para que os programas de apoio à aquisição de equipamentos elétricos tenham a adesão maciça de que o país necessita para acelerar a transição energética. Tornar a eletricidade mais barata é também obrigatório para reduzir a pobreza energética no processo de descarbonização.
O gás fóssil não pode continuar a ser cerca de duas vezes mais barato do que a eletricidade e com encargos diários que podem ser quatro vezes menores, expondo os consumidores e o país a choques externos que podem ter elevados impactos na inflação de um bem essencial como a energia.
Preço por kWh* (€) (sem IVA) | |||
Eletricidade | Potência contratada (kVA) | 3,45 | 0,1658 |
6,90 | 0,1658 | ||
Gás natural fóssil | Escalão | 1 | 0,0785 |
Gás botija butano | 0,1530 | ||
Nº vezes mais cara | |||
Preço da eletricidade versus gás natural fóssil | 2,11 | ||
Preço da eletricidade versus gás botija butano | 1,08 |
* preço da eletricidade e do gás natural considerando tarifa de acesso às redes e tarifa de comercialização; no caso da eletricidade considerando Imposto Especial de Consumo (0,001 €/kWh); no caso do gás natural considerando Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP) (0,0147 €/kWh); no caso da botija de gás butano considerando o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP) (0,0162 €/kWh).
Preço por kWh* (€) (sem IVA) | |||
Eletricidade | Potência contratada (kVA) | 3,45 | 0,1174 |
6,90 | 0,1174 | ||
Gás natural fóssil | Escalão | 1 | 0,0410 |
Gás botija butano | 0,0790 | ||
Nº vezes mais cara | |||
Preço da eletricidade versus gás natural fóssil | 2,86 | ||
Preço da eletricidade versus gás botija butano | 1,49 |
* preço da eletricidade e do gás natural considerando tarifa de acesso às redes e tarifa de comercialização; na tarifa social não há lugar na eletricidade ao pagamento de Imposto Especial de Consumo (IEC) e no gás natural não há lugar ao pagamento de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP); no gás butano em botija admitiu-se o desconto associado à denominada “botija solidária”.
Preço por dia* (€) (sem IVA) | |||
Eletricidade | Potência contratada (kVA) | 3,45 | 0,1786 |
6,90 | 0,3396 | ||
Gás natural fóssil | Escalão | 1 | 0,0839 |
Nº de vezes mais cara | |||
Preço da eletricidade versus gás natural fóssil | Potência contratada (kVA) | 3,45 | 2,13 |
6,90 | 4,05 |
* preço diário da tarifa de acesso às redes e tarifa de comercialização (termos fixos)
Preço por dia* (€) (s/ IVA) | |||
Eletricidade | Potência contratada (kVA) | 3,45 | 0,0818 |
6,90 | 0,1461 | ||
Gás natural | Escalão | 1 | 0,0692 |
Nº de vezes mais cara | |||
Preço da eletricidade versus gás natural | Potência contratada (kVA) | 3,45 | 1,18 |
6,90 | 2,11 |
* preço diário da tarifa de acesso às redes e tarifa de comercialização (termos fixos)
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