Início » Estratégia Nacional de Adaptação Climática sem financiamento e sem calendário definidos
A ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável considera que a proposta de Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas 2030 (ENAAC 2030), cuja consulta pública terminou ontem, revela fragilidades estruturais que impedem Portugal de responder de forma eficaz e socialmente justa aos impactos crescentes dos fenómenos extremos meteorológicos como ondas de calor, secas severas, chuvas torrenciais, incêndios rurais e erosão costeira. Apesar de os reconhecer como riscos graves, a estratégia falha em três pilares essenciais: não coloca as soluções baseadas na natureza, i.e., ações de proteção, gestão e restauro dos ecossistemas que proporcionam benefícios ambientais, sociais e económicos e geram resiliência, no centro da solução; não impõe a adaptação climática como requisito obrigatório nos instrumentos de ordenamento do território – nomeadamente no Regime Jurídico de Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT) e no Regime Jurídico de Urbanização e Edificação (RJUE); e não apresenta qualquer quadro financeiro, cronograma de implementação ou projeção de resultados esperados.
A ausência destas três fundações torna a ENAAC 2030 num documento programático sem força operacional. Embora o diagnóstico climático seja atualizado e rigoroso, falta-lhe aquilo que define uma verdadeira estratégia: metas concretas, prioridades, meios, prazos e enquadramento em instrumentos jurídicos obrigatórios.
A desadequação ao estipulado na Lei de Bases do Clima é um exemplo: a lei exige que Portugal disponha de planos setoriais de adaptação para território, geografia e meio natural; infraestruturas, equipamentos e meio construído; e atividades económicas, sociais e culturais., mas todos, que deveriam ter sido aprovados até ao final de 2023, são omissos. A sua inexistência e a completa ausência de calendarização na ENAAC 2030 fragilizam todo o edifício da política nacional de adaptação.
A ZERO destaca que a estratégia trata de modo tangencial aquilo que deveria estar no centro de qualquer resposta moderna e cientificamente robusta de adaptação a um clima em mudança: as soluções baseadas na natureza. Estas soluções são essenciais para restaurar rios e margens, aumentar a infiltração, proteger aquíferos, criar zonas de retenção natural em áreas urbanas, reforçar dunas e sapais enquanto barreiras naturais, e reduzir os custos das intervenções estruturais. A ENAAC 2030 deveria assumi-las como eixo prioritário, mas limita-se a referências dispersas e insuficientes, abrindo espaço para que persistam abordagens que privilegiam obras de engenharia rígida, muitas vezes mais caras, menos eficazes e ambientalmente mais lesivas.
Mas é no território urbano que a insuficiência da Estratégia proposta se torna mais evidente. A vasta maioria da população portuguesa vive em cidades expostas a calor extremo, com elevada impermeabilização dos solos, com risco de cheias repentinas e espaços verdes insuficientes. Para a Estratégia responder a estes desafios, a ZERO considera imprescindível que a adaptação urbana seja obrigatoriamente integrada no Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial e no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação. Só assim será possível garantir que a arborização urbana, a renaturalização de linhas de água, a aumento da permeabilidade dos pavimentos, os sistemas de drenagem natural, os corredores ecológicos urbanos e as soluções construtivas adequadas ao clima português deixem de depender da discricionariedade de cada município e se tornem normas vinculativas em todo o país. Sem esta integração juridicamente obrigatória, Portugal continuará vulnerável, desigual e mal preparado para enfrentar as ondas de calor e as cheias que já estão a aumentar em frequência e intensidade.
A ZERO sublinha ainda que a proposta de ENAAC 2030 falha numa das dimensões mais elementares de qualquer política pública: não existe qualquer quadro financeiro que identifique investimentos necessários, nem critérios de importância, nem mecanismos de financiamento dedicados. A ausência de um cronograma impede saber quando cada medida será implementada e a inexistência de resultados esperados impossibilita a avaliação da eficácia real da estratégia. Sem financiamento, sem calendário e sem metas mensuráveis, nenhuma estratégia pode ser considerada credível.
No plano da governança, a ENAAC 2030 em consulta pública exclui a sociedade civil, a academia, as comunidades locais e os grupos vulneráveis do Grupo de Coordenação, desprezando a necessária participação social na estratégia. A ZERO propõe a criação de um Fórum Nacional de Adaptação que assegure participação efetiva, permanente e informada das estruturas sociais, e insiste na necessidade de operacionalizar o Conselho para a Ação Climática, previsto na Lei de Bases do Clima mas ainda inexistente, enquanto órgão que garante a coordenação, coerência e acompanhamento contínuo da política climática nacional.
Em síntese, a ZERO considera que Portugal precisa urgentemente de uma estratégia de adaptação que seja clara, vinculativa e executável. Isto implica assumir como prioridade transversal as soluções baseadas na natureza, integrar normas obrigatórias de adaptação climática no RJIGT e no RJUE, colocar a adaptação urbana no centro da da estratégia e definir um quadro financeiro, um cronograma e resultados que permitam medir o avanço do país rumo à resiliência climática. Adaptar Portugal à crise climática não é apenas uma urgência ambiental: é uma responsabilidade social, territorial e democrática que exige rigor, coragem política e compromisso real com as pessoas e os ecossistemas.
| Cookie | Duração | Descrição |
|---|---|---|
| cookielawinfo-checkbox-analytics | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Analytics". |
| cookielawinfo-checkbox-functional | 11 months | The cookie is set by GDPR cookie consent to record the user consent for the cookies in the category "Functional". |
| cookielawinfo-checkbox-necessary | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookies is used to store the user consent for the cookies in the category "Necessary". |
| cookielawinfo-checkbox-others | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Other. |
| cookielawinfo-checkbox-performance | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Performance". |
| viewed_cookie_policy | 11 months | The cookie is set by the GDPR Cookie Consent plugin and is used to store whether or not user has consented to the use of cookies. It does not store any personal data. |