Estratégia Nacional de Combate à Pobreza Energética: estudo da ZERO apresenta recomendações para um plano de ação eficaz

ZERO contabilizou 14 mil milhões de euros de apoios diretos ou indiretos para combate à pobreza energética até 2040

A pobreza energética, que atualmente afeta entre 35 e quase 100 milhões de pessoas na União Europeia, é uma preocupação crescente. Em Portugal, a percentagem da população incapaz de manter a sua habitação aquecida aumentou em 2022 em comparação com 2021, atingindo 17,5%, um valor significativamente superior à média europeia de 9,3%. E continua a aumentar, conforme dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) em 2023, registando mais 3,3 p.p. do que em 2022. Além disso, Portugal também ultrapassa a média europeia nos sinais de deterioração das habitações. Com raízes históricas profundas no país, a pobreza energética deve ocupar um lugar de destaque na agenda política nacional.

Neste contexto, a ZERO analisou a Estratégia Nacional de Longo Prazo de Combate à Pobreza Energética 2023-2050 (ELPPE), identificando os seus desafios e apresentando recomendações. Esta análise, realizada no âmbito de um projeto da Fundação Europeia para o Clima, destaca a necessidade de medidas mais robustas para combater a pobreza energética em Portugal. O estudo procura assegurar que os valores de apoios e investimentos presentes na Estratégia são bem utilizados. Os valores em causa podem atingir 14 mil milhões de euros até 2040, como sejam 3,1 mil milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência até 2026, (2,7 mil milhões da linha C2 – Habitação e 420 milhões da linha C13 – Eficiência energética de edifícios), um investimento de 7671 milhões de euros até 2040 por via da renovação do parque de edifícios e reduzir as situações de pobreza energética em Portugal previstos na ELPRE – Estratégia de Longo Prazo para a renovação dos Edifícios, um valor de até 1,2 mil milhões do Fundo Social em Matéria de Clima (FSAC) disponível para o período 2026 -2032, ou ainda 2,1 mil milhões de euros associados principalmente à tarifa social de eletricidade, se este mecanismo de apoio se mantiver até 2040.

O estudo elogia a estratégia como um passo importante para enfrentar a pobreza energética em Portugal, mas defende que são necessárias melhorias significativas para atingir seus objetivos, tendo analisado seis dimensões principais da estratégia:

• Diagnóstico da pobreza energética em Portugal
• Estratégias de atuação e medidas propostas
• Metas e objetivos estratégicos
• Processos de monitorização
• Fontes de financiamento
• Modelo de governação, processo de envolvimento e consulta de stakeholders

A análise, que se baseia na literatura científica existente sobre pobreza energética, identifica uma série de oportunidades de melhoria em áreas-chave.

Principais considerações

A ELPPE é um instrumento central e crucial para definir a visão e o caminho a percorrer no combate à pobreza energética, mas o estudo conclui que Portugal precisa de adotar uma abordagem mais abrangente, transparente e sustentável para enfrentar esse problema. As principais recomendações são:

1. Diagnóstico da pobreza energética em Portugal:

1. Definição de pobreza energética: A definição de pobreza energética, embora baseada na definição europeia, precisa de ser mais abrangente e representativa dos serviços energéticos e das diferentes formas como a pobreza energética se manifesta em Portugal. É crucial qualificar os serviços energéticos não apenas em termos de níveis, mas também de qualidade, segurança e sustentabilidade, garantindo que o acesso à energia não comprometa outras necessidades básicas. A definição deve destacar o impacto real da pobreza energética na vida das pessoas, relacionando-a com as suas consequências. Além de identificar e analisar os fatores contextuais, como clima, localização geográfica e condições socioeconómicas, que influenciam a pobreza energética, é fundamental entender as causas diretas e indiretas.

Definição de Consumidor vulnerável: É crucial aprimorar a definição de consumidor vulnerável, incluindo grupos omissos e analisando a interação entre este conceito e a pobreza energética.

1. Medição e Monitorização: Propõe-se um conjunto diversificado de indicadores para uma abordagem abrangente na medição da pobreza energética. Contudo, há melhorias potenciais na seleção e organização dos indicadores, pois a escolha de indicadores inadequados ou utilizados individualmente resulta em estimativas menos precisas. A escolha de indicadores não ajustados ao contexto português também é problemática. Além disso, há uma falta de análise de aspetos relevantes como a adequação dos serviços energéticos, a pobreza energética escondida, a oferta de energia, a regionalidade do problema, e a escolha forçada entre energia e outros serviços básicos. Expansão da escala de vulnerabilidade é favorável, permitindo uma análise mais robusta e precisa. As melhorias podem ser efetuadas com dados já disponíveis, mas a recolha de novos dados permitiria uma identificação mais completa e rigorosa dos agregados em pobreza energética.

1. Estratégias e medidas propostas para combater o problema: Relativamente às linhas de ação, a estratégia propõe um quadro extenso de medidas focando diversos aspetos relevantes, com ligação a objetivos, indicadores de resultado e instrumentos de ação. No entanto, a estratégia carece de análise quantitativa detalhada sobre o impacto de cada medida e maior ligação aos objetivos principais de redução da pobreza energética. Algumas medidas são gerais e necessitam de maior detalhe e direcionamento para as pessoas em pobreza energética. Recomenda-se mecanismos de salvaguarda do direito à habitação após ações de renovação, maior ligação entre eficiência energética e descarbonização, revisão da abrangência territorial dos incentivos fiscais, revisão dos critérios de elegibilidade das tarifas sociais, e maior apoio à descarbonização dos consumos para confeção de alimentos. É necessário envolver entidades locais e alinhar os objetivos nacionais com os locais, aproveitando abordagens e conhecimentos da comunidade científica e outros atores relevantes. A garantia de serviços mínimos de energia e o acesso a habitação privada a preços razoáveis são ações omissas que beneficiariam os consumidores mais vulneráveis.
2. Metas e Objetivos estratégicos: É necessária uma maior ligação entre medidas e metas, incluindo objetivos e metas intermédias que clarifiquem essas interligações. Os objetivos precisam de maior especificação quanto ao impacto na população alvo e sua ligação aos indicadores principais. A estratégia deve ser mais transparente quanto ao método de escolha das metas e como serão cumpridas pelas medidas propostas.
3. Processos de monitorização: A monitorização das medidas implementadas deve incluir a avaliação ex-ante do impacto para comparar o sucesso de cada medida, exigindo a recolha de dados e novos inquéritos, conforme mencionado na estratégia, com procedimentos para envolver pessoas em pobreza energética. Inspirado no trabalho de Anderson (2015) e Peters (2018), Allers, C. (2022) destaca que o desenho de políticas deve seguir vários aspetos, incluindo a importância de avaliar os efeitos das medidas em relação aos objetivos antecipados.
4. Fontes de financiamento: As fontes de financiamento para implementar as medidas também carecem de detalhe, considerando a diferença entre os fundos atuais e os necessários. É importante um papel mais relevante da política fiscal para equilibrar a distribuição de riqueza no setor da energia e angariar fundos públicos, priorizar o apoio a consumidores em dificuldades, envolver o setor privado no financiamento da transição energética, e abandonar mecanismos de apoio ineficazes. A maioria dos fundos deve ser direcionada para a renovação da envolvente passiva dos edifícios, que é a medida mais estrutural e de maior impacto a longo prazo.
5. Modelo de governação, processo de envolvimento e consulta dos intervenientes: A criação de um observatório nacional é um ponto positivo a destacar, mas um maior envolvimento da comissão consultiva nas diferentes fases do processo de mitigação da pobreza energética, desde o desenho do plano até à recolha de informação e implementação de medidas, poderá resultar num maior impacto no terreno e num apoio mais efetivo às pessoas em pobreza energética. Este processo deve basear-se em práticas colaborativas e de cocriação, envolvendo as pessoas em pobreza energética, para garantir legitimidade democrática e um sentido de propriedade sobre as decisões tomadas. A estratégia é bem-sucedida ao identificar a sua abrangência geográfica e indicadores para avaliar o progresso, mas falha em termos de transparência, não abordando a incerteza e o rigor das estimativas e métodos por detrás de algumas decisões. Além disso, o princípio da participação não é totalmente cumprido, pois o envolvimento das partes é parcial. O princípio da Continuidade e Capacidade pode vir a ser cumprido se o plano delineado na estratégia for implementado nas próximas revisões e no Plano de Ação. Por fim, a consulta pública deve ser respeitada integralmente nas próximas revisões da estratégia e do plano de ação.

Essa análise pode melhorar a abordagem e o conteúdo da estratégia. A ZERO acredita que as recomendações deste estudo são essenciais para integrar no Plano de Ação para o Combate à Pobreza Energética 2023-2050, criando instrumentos mais eficazes para abordar as diferentes facetas deste problema complexo e orientar a política de mitigação e erradicação da pobreza energética.