Início » Festival desenvolveu ações ilegais nas margens do Rio Mira, perante claras dificuldades das autoridades públicas em proteger o território
A ZERO denunciou as ações de mobilização de solo, terraplanagem, deposição de materiais e implementação de estruturas na margem do Rio Mira, durante a preparação do evento de música “trance” Atman – a decorrer entre 20 a 23 deste mês numa propriedade privada que abrange terrenos na margem do rio Mira. As ações ter-se-ão desenrolado para permitir que os participantes do evento privado tivessem acesso ao rio.
Apesar do alerta da ZERO às entidades públicas em agosto, ainda não é claro quais foram as ações tomadas e quais as consequências para o infrator, isto dois meses depois das denúncias.
Num território frágil e sob pressão como é a bacia hidrográfica do Mira, é crucial a existência de um acompanhamento mais próximo do território. Vai-se tornando evidente a falta de recursos das entidades públicas, o que aponta para a necessidade de apoiar soluções alternativas que possam assegurar o papel de proteger os bens comuns e fomentar a cultura territorial.
A margem do Rio Mira está protegida por múltiplas figuras, desde já pertence ao domínio hídrico, portanto ao abrigo da Lei da Água (Lei n.º 58/2005, redação atual), também está dentro da Reserva Ecológica Nacional (REN) – áreas estratégicas de infiltração e de proteção e recarga de aquíferos – e ainda em Espaço de Proteção e Valorização Ambiental, regulamentado sob o Plano Diretor Municipal (PDM) de Odemira. Só na interceção destas três tipologias de proteção podem intervir três entidades distintas: a Administração de Região Hidrográfica (ARH) do Alentejo enquanto, autoridade em matéria de proteção dos recursos hídricos da região que administra; a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Alentejo, responsável pelo cumprimento da REN; e a Câmara Municipal (CM) de Odemira, no dever de fazer cumprir o PDM do concelho.
Foi a estas entidades que a ZERO dirigiu ofícios, a 21 de agosto. No entanto apenas recebemos respostas em meados de setembro, após queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos. Até a data, a ZERO, enquanto parte interessada no processo, não recebeu mais informação adicional sobre o desenrolar dos procedimentos resultantes da denúncia, dois meses depois desta ter sido efetuada. É apenas através da comunicação social que tomámos conhecimento que estará em vias de ser instaurado um processo de contraordenação por parte da CCDR do Alentejo[i], sem sabermos a que se refere especificamente e as coimas e sanções acessórias previstas. Também é desconhecida a avaliação feita do impacte das atividades a desenvolver pelo festival nas margens do rio.
A ausência de comunicação e esclarecimento público atempado aponta para a falta de recursos das entidades, mas também para a falta de uma cultura institucional aberta à participação, necessária dadas as evidentes lacunas na capacidade de monitorização da ocupação e dos usos do solo, no zelo pelos bens públicos protegidos pelos planos de ordenamento territorial e outra regulamentação com vista à proteção ambiental.
No âmbito do projeto MEDwater[ii], a ZERO tem analisado as dinâmicas de territórios vulneráveis em matéria de disponibilidade e uso da água, nas regiões do Alentejo e do Algarve. A bacia hidrográfica do Mira é uma situação particular que merece atenção urgente, dadas as pressões antrópicas e climáticas que se fazem sentir.
A albufeira de Santa Clara, no curso do Rio Mira, encerrou o ano hidrológico a cerca de 30% da sua capacidade, com medidas de restrição de uso em vigor, imersas em polémica na disputa pela água[iii], perante uma tendência decrescente da pluviosidade e aumento dos consumos. O regime de caudais ecológicos ainda está por implementar[iv], apesar de definido no contrato de concessão da barragem. Recentemente a ZERO deu o alerta para a provável extinção de um peixe endémico da bacia hidrográfica do rio Mira, o escalo-do-Mira (Squalius torgalensis)[v], sendo esta situação – venha a confirmar-se ou não esta tragédia – um indicador claro das mudanças dramáticas a ocorrer neste território e a urgência de uma resposta proporcional.
A extensão do território a monitorizar por entidades como as ARH e as CCDR tornam a agilidade impossível face aos recursos existentes. Em municípios com a dimensão de Odemira, também o papel de fiscalização das câmaras é severamente limitado, sobretudo quando falamos de espaço rural.
Estas deficiências apontam para a necessidade de reforço das capacidades das entidades competentes e para importância de explorar outros modelos de governança dos bens públicos comuns, uma oportunidade que precisa de ser apoiada pela política pública, não descurando mecanismos de participação efetiva das populações.
[i] Carla Tomás (2023, 19 de outubro). “Promotor de festival ‘trance’ junto ao rio Mira terá movido terras ilegalmente, foi alvo de auto de notícia e corre risco de pagar multa”. Expresso: https://expresso.pt/sociedade/2023-10-19-Promotor-de-festival-trance-junto-ao-rio-Mira-tera-movido-terras-ilegalmente-foi-alvo-de-auto-de-noticia-e-corre-risco-de-pagar-multa-d0a52d32.
[ii] Informações sobre o projeto MEDwater: https://zero.ong/accoes/medwater/
[iii] Carla Tomás, Micael Pereira e Sara Pinho (2023, 3 de outubro). ” Investigação: como a crise da água no Sudoeste Alentejano se transformou numa batalha em campo aberto”. Expresso:
[iv] Segundo a proposta para o Plano de Eficiência Hídrica do Alentejo (volume I, quadro 2.25, p.94) divulgada para consulta pública, APA e DGADR (2023, maio)
[v] ZERO (2023, 20 de outubro). Comunicado: “Peixe endémico escalo-do-Mira poderá já estar extinto e vir a ser uma das primeiras vítimas das alterações climáticas”. https://zero.ong/noticias/peixe-endemico-escalo-do-mira-podera-ja-estar-extinto-e-vir-a-ser-uma-das-primeiras-vitimas-das-alteracoes-climaticas/?mp=1434&mc=6001
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