Os 4 desafios sem resposta adequada na estratégia para a próxima década

ZERO alerta que o setor da água em Portugal tem de ser mais eficiente no uso do recurso

A ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável analisou o PENSAARP 2030, o Plano Estratégico para o setor da água em Portugal para a próxima década, o qual 20 anos passados desde o primeiro plano, e sendo já o quarto plano para o setor, pouco ou nada vem mudar.

É com grande apreensão que a ZERO antevê os próximos 10 anos, uma vez que o plano, cuja consulta pública terminou na passada quinta-feira, revela uma excessiva preocupação com o equilíbrio económico-financeiro das entidades gestoras, não estando vertida uma verdadeira intenção de melhorar o desempenho ambiental das mesmas e a eficiência hídrica dos serviços onde as perdas de água representam 24% do volume de água que entra no sistema de abastecimento.

Os quatro desafios que a ZERO considera ser urgente resolver e aos quais o PENSAARP 2030 não dá a resposta adequada

1. As perdas de água são um fator decisivo na eficiência hídrica do setor. Segundo o último relatório de dados do setor (RASARP 2021), são captados atualmente cerca de 820 milímetro cúbico por ano (Mm³/ano) de água aos recursos hídricos superficiais e subterrâneos para abastecer a população, havendo a estimativa de que cerca de 194 Mm³/ano (24 %) sejam perdidos no processo de produção e distribuição em perdas físicas. Do volume de água que entra nos sistemas de abastecimento, 577 Mm³/ano são faturados aos utilizadores finais, o que representa um nível de água não faturada (incluindo perdas reais e comerciais) de cerca de 30%.

Esta é uma situação grave que tenderá a persistir se não existir uma resposta eficaz dos poderes públicos, em particular no que concerne aos Municípios, onde as perdas de água são mais elevadas, e que não se resolve com recomendações e sensibilização como preconizado no plano.

2. A regulamentação tarifária e a recuperação de gastos com os serviços de abastecimento de água e de serviços de gestão de águas residuais por via tarifária são aventadas enquanto mecanismos de incentivo à melhoria do desempenho económico e financeiro das entidades, algo que a ZERO vê com bons olhos, parecendo-nos, no entanto, que com a Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos (ERSAR) cada vez mais despojada dos seus poderes regulatórios e impedida de regular efetivamente os tarifários que são fixados – limitando-se a fazer recomendações não vinculativas que acabam ignoradas ano após ano – parece-nos óbvio que dificilmente serão cumpridos os objetivos das medidas propostas. Desta forma, continuará a persistir uma ausência de recuperação de custos associada a uma parte significativa dos sistemas de titularidade municipal, com uma subsidiação pouco clara.

A recuperação dos gastos pelas entidades gestoras pela via tarifária e o consequente e significativo aumento das tarifas imputadas aos consumidores, é uma medida que a ZERO vê com algumas reservas pela forma como pode vir a ser aplicada. A recuperação dos gastos exclusivamente por essa via e de forma abrupta, sem faseamento, certamente será geradora de sobrecarga económica nos consumidores e obviamente de insatisfação, podendo colocar em causa toda a lógica de regulação do equilíbrio económico e financeiro das entidades gestoras.

3. A gestão das águas pluviais está pela primeira vez incluída nas estratégias para o setor das águas, no entanto o plano não lhe dá a relevância necessária já que algumas das medidas associadas são remetidas para níveis de prioridade de menor importância. Face aos desafios impostos pelas alterações climáticas e ao impacto que uma adequada gestão das águas pluviais representa na mitigação dos efeitos das alterações climáticas, parece-nos premente a necessidade de investimento em redes separativas e da definição de medidas concretas nesse sentido, algo que não parece totalmente vertido no plano.
4. A reutilização de água tem de existir enquanto medida de reforço à escassez local de água. Nesse aspeto, Portugal está muito longe da realidade de outros países, mesmo a nível europeu, quando reutiliza apenas 1,2% da água residual tratada e a proposta de plano apresentada revela uma total falta de empenho em melhorar significativamente a posição nacional. Agilizar uma revisão da legislação em matéria de reutilização de água deve constituir uma prioridade, em especial no que respeita à descentralização de tratamento e consumo de “águas cinzentas” ao nível predial, quando o Regime Jurídico de Produção de Água para Reutilização Obtida a Partir do Tratamento de Águas Residuais pouco ou nada refere a esse respeito, e a regulamentação sobre os sistemas públicos e prediais de drenagem de águas e águas residuais (Decreto Regulamentar N.º 23/95, de 6 de agosto) pouco falta para completar 30 anos, estando totalmente desatualizada e desfasada daqueles que são os desafios e as necessidades atuais.

Notas finais

Os desafios que se colocam ao setor para as próximas décadas são enormes, podendo ser agravados pela evolução das alterações climáticas e dos seus efeitos sobre os recursos hídricos, tanto em termos de quantidade como de qualidade, pelo que é preciso fazer muito mais e muito melhor do que se tem feito até agora para termos serviços mais eficientes a todos os níveis.

É urgente implementar soluções diferentes, inovadoras e descentralizadas, particularmente no que respeita ao tratamento de águas residuais, à reutilização de água e à aproveitamento e/ou encaminhamento de águas pluviais. O PENSAARP 2030 refere, e bem, algumas dessas soluções, mas a nível de medidas concretas elas acabam por ficar esquecidas ou ser integradas em incentivos que vão pouco além da elaboração de mais estudos, guias técnicos, cadernos de sensibilização e recomendações. Depois de duas décadas de investimento, e de mais de 13 000 M€ investidos, apesar de haver certamente muita coisa que carece de conhecimento e reflexão o tempo é de agir.