Início » Parecer à versão preliminar da Estratégia Nacional de Ruído Ambiente 2025-2030
A ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável – e o Conselho Português para Saúde e Ambiente (CPSA) gostariam de elogiar a iniciativa da Agência Portuguesa do Ambiente pela elaboração da Estratégia Nacional para o Ruído Ambiente 2025-2030 (ENRA), reconhecendo-a como um passo essencial para garantir o cumprimento do Regulamento Geral do Ruído (RGR) e ultimamente, reduzir o número de pessoas expostas ao ruído ambiente. Com uma abordagem construtiva e com base na documentação disponibilizada no Portal Participa, as duas organizações apresentam, através deste parecer, as suas contribuições para a versão preliminar da ENRA, com o objetivo de reforçar a eficácia e a ambição da estratégia.
Primeiramente, a ZERO e o CPSA observam, que os dados apresentados na página 17 do documento em análise reportam ao ano de 2017, encontrando-se manifestamente desatualizados. Esta limitação compromete a possibilidade de uma análise técnica rigorosa do contexto atual. Torna-se, por conseguinte, essencial proceder à atualização da informação relativa à população exposta a níveis de pressão sonora superiores a 65 dB(A), 55 dB(A) e 45 dB(A), quer no período diurno, quer no período noturno. Adicionalmente, é imprescindível dispor de dados desagregados por fonte de ruído, que permitam aferir a exposição da população face aos limites recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), tendo como referência as mais recentes Environmental Noise Guidelines para a região europeia.
A utilização de dados atualizados e espacialmente resolvidos é condição imprescindível para a identificação precisa das fontes predominantes e para a definição de medidas de mitigação, com base em critérios de custo-efetividade e justiça ambiental.
É de referir que já existe um conhecimento mais profundo dos efeitos do ruído na saúde,. A exposição prolongada ao ruído provoca alterações hormonais e genéticas, problemas cardíacos, aumenta a inflamação e o stress oxidativo, e contribui para lesões em diversos órgãos, incluindo o cérebro, coração e sistema vascular, fígado, rins, intestinos e pâncreas. Está também associada a um aumento da prevalência de doenças mentais e da incidência de suicídio. A exposição ao ruído do tráfego rodoviário — uma das principais fontes de ruído ambiente — está relacionada com uma taxa de depressão 4% mais elevada e um aumento de 12% nos casos de ansiedade. Adicionalmente, por cada aumento de 10 dB nos níveis de ruído, verifica-se um acréscimo de 12% no risco de desenvolver depressão.
Por fim, é importante destacar que o ruído ambiente também tem efeitos significativos na saúde animal. Nos pássaros, em particular, o ruído afeta o comportamento, a condição física, a reprodução e o crescimento, além de induzir estados de stress crónico.
Segundo os dados referidos (2017), o tráfego rodoviário permanece como a principal fonte de exposição a ruído ambiental excessivo. Este diagnóstico reforça a necessidade urgente de implementação, ao nível nacional, da Estratégia Europeia para uma Mobilidade Inteligente e Sustentável, com destaque para políticas de incentivo à transferência modal, à redução do volume de tráfego motorizado individual, à mobilidade ativa e à eletrificação dos sistemas de transporte, em articulação com o ordenamento do território e a gestão da procura. Importa igualmente garantir a aplicação célere e eficaz do novo regulamento europeu relativo às emissões sonoras de motociclos, dado o seu contributo desproporcionado para a pressão sonora urbana.
No que se refere ao tráfego aéreo, a ZERO e o CPSA identificam incongruências significativas com o Relatório do Grupo de Trabalho dos Voos Noturnos (2022), elaborado para o Ministério das Infraestruturas e para a Assembleia da República, o que sugere que estratégia esteja a subestimar o valor total do número de vítimas. A título de exemplo, o relatório indica que, em 2019, apenas na Área Metropolitana de Lisboa, cerca de 72 683 pessoas estavam expostas a níveis de ruído superiores a 55 dB(A) entre as 23h00 e as 7h00. Em contraponto, a ENRA refere, para todo o país em 2017, apenas 34 100 pessoas expostas ao mesmo nível sonoro e no mesmo intervalo temporal. Para níveis superiores a 45 dB(A) no período noturno – a Organização Mundial de Saúde estipula 40 dB(A) como valor máximo – a discrepância é ainda mais expressiva: 388 000 pessoas (segundo o relatório dos voos noturnos) apenas na região de Lisboa, versus 267 200 pessoas para o conjunto do território nacional, de acordo com a ENRA.
Caso os dados relativos a 2019 reflitam de forma mais fidedigna a realidade atual — considerando que o tráfego aéreo já superou os valores pré-pandemia — estima-se que o tráfego aéreo na região de Lisboa poderá representar cerca de 14% de toda a população nacional exposta a níveis de ruído noturno superiores a 55 dB(A), ou cerca de 17% no caso de níveis superiores a 45 dB(A).
Neste contexto, a aplicação efetiva do princípio do poluidor-pagador revela-se essencial, podendo constituir um fator acelerador da relocalização do Aeroporto Humberto Delgado, reduzindo a exposição populacional e os custos externos associados, e minimizando os riscos fiscais associados ao atual contrato de concessão.
No domínio do ruído aeronáutico, torna-se particularmente relevante o reforço de medidas de ordenamento territorial. A mitigação de longo prazo dos impactes acústicos da aviação dificilmente poderá ser assegurada apenas por evolução tecnológica. Assim, defende-se a criação de servidões acústicas alargadas, para além das servidões aeronáuticas atualmente em vigor, impedindo novas construções de habitação permanente em áreas abrangidas pela isófona Ln 40, calculada com base na capacidade máxima projetada do aeroporto.
Relativamente ao ruído de vizinhança, uma das principais causas de queixa junto das autoridades, propõe-se a capacitação das forças policiais para a instalação de sonómetros certificados em residências, sempre que solicitado pelos queixosos. Tal medida deverá permitir uma identificação mais eficaz das fontes de ruído e a consequente aplicação de sanções e coimas, as quais deverão ser agravadas em caso de reincidência.
No âmbito das licenças temporárias ou permanentes para atividades potencialmente ruidosas, como estabelecimentos de diversão noturna, os municípios deverão assegurar que os montantes cobrados reflitam o grau de incomodidade gerado. Defende-se ainda que uma parte substancial dessas receitas seja consignada a um fundo municipal de mitigação do ruído, de constituição obrigatória.
A ZERO e o CPSA defende a introdução do conceito de servidão acústica para novas infraestruturas com potencial impacto sonoro significativo, como aeroportos, linhas ferroviárias e autoestradas, especialmente quando projetadas para atravessar zonas ainda não urbanizadas. Esta servidão deverá traduzir-se na criação de zonas tampão, devidamente delimitadas, onde seja expressamente condicionada ou interditada a edificação urbana. Esta abordagem preventiva permitirá evitar a exposição futura de populações a níveis elevados de ruído, promovendo uma melhor articulação entre o ordenamento do território e a gestão ambiental, em linha com os princípios da prevenção e do desenvolvimento sustentável.
O princípio do poluidor-pagador está estabelecido na legislação nacional e europeia, não se vislumbrando nenhuma razão para isentar a poluição sonora da sua aplicação, e deveria estar contemplado na estratégia. É por isso preciso que os instrumentos de gestão de ruído a que a legislação obriga prevejam os custos económicos e sociais que a população exposta e a sociedade em geral têm que suportar. Em alguns países europeus, como a França, são já aplicadas taxas de ruído em sectores como o da aviação, sendo que este dinheiro é utilizado para contribuir para o isolamento sonoro das habitações afetadas.
Estas abordagens deverão ser enquadradas numa lógica mais ampla de aplicação sistemática do princípio do poluidor-pagador, abrangendo todas as fontes identificáveis de ruído excessivo. Nesse sentido, recomenda-se a introdução de mecanismos obrigatórios para os Gestores de Grandes Infraestruturas de Transporte (GIT) e para os municípios com mais de 100 000 habitantes, que deverão realizar, com periodicidade quinquenal, estudos que estimem os custos económicos e sociais do ruído. Estes estudos devem fundamentar a criação de sub-taxas de ruído, integradas nas tarifas de utilização das infraestruturas (no caso das GIT) ou aplicadas às principais fontes de ruído urbano (no caso dos municípios). As receitas obtidas deverão ser integralmente alocadas a fundos específicos para mitigação de ruído, priorizando medidas custo-efetivas e com co-benefícios ambientais e sociais relevantes.
A ZERO e o CPSA recomendam o reforço da rede de estações de medição de ruído, com especial incidência nos grandes centros urbanos e em zonas sensíveis, como áreas residenciais, escolares e hospitalares. A disponibilização contínua e acessível destes dados é essencial para garantir a transparência e promover a consciencialização pública. Assim, a ZERO e o CPSA propõem que toda a informação recolhida por estas estações seja integrada e disponibilizada no Portal do Ruído, de forma clara e compreensível para os cidadãos, e que esta deve incluir indicadores sobre os efeitos da poluição sonora na saúde humana.
Com o objetivo de monitorizar a aplicação da Estratégia Nacional para o Ruído Ambiente e avaliar os seus efeitos na melhoria dos indicadores de saúde pública e de qualidade ambiental, a ZERO e o CPSA propõem a constituição do Conselho Nacional para o Ruído Ambiente, à semelhança do que existe em França. Este conselho deve incluir as instituições públicas pertencentes à administração central com responsabilidade direta e indireta nesta matéria, as entidades públicas e privadas com responsabilidades legais na adopção de medidas de gestão e redução de ruído e entidades da sociedade civil com participação activa na área.
A ZERO e o CPSA apoiam todos os esforços conducentes à prossecução deste objetivo, mas consideram que o plano de sensibilização é vago e carece de ações concretas. Propõe-se a realização de uma campanha sobre o ruído ambiente (podendo existir sinergias com campanhas semelhantes para a qualidade do ar) através da imprensa, da televisão, da rádio, de espaços publicitários e das redes sociais. Estas campanhas devem comunicar quantos portugueses são afetados pelo ruído, os seus impactos na saúde e na economia, bem como informar os cidadãos sobre como consultar os níveis de ruído a que estão expostos (através do Portal do Ruído) e os seus direitos.
A nível dos municípios com mais de 100 000 habitantes ou nas áreas afetadas pelas Grandes Infraestruturas de Transportes (GIT), e tendo em conta a necessária densificação das estações fixas de medição em contínuo de ruído ambiente, sugere-se a existência de painéis eletrónicos que se situem em locais de grande afluência e que forneçam de forma apelativa informação relativa aos dados das estações de medição de ruído mais próximas, tanto diários como anuais, e respectivas origens e impactos na saúde humana.
A ZERO e o CPSA consideram importante a criação de uma plataforma digital — o Portal do Ruído — e apresenta as seguintes sugestões:
A Estratégia Nacional para o Ruído Ambiente foram identificados vários desafios ao nível da aplicação efetiva instrumentos de gestão de ruído:
A este propósito, a ZERO e o CPSA propõem:
A ZERO e o CPSA concordam genericamente com as medidas 2.1.1, 2.1.2, e 2.1.3, mas consideram necessária a densificação das ações concretas que assegurem a sua implementação eficaz. Sugere-se que seja acrescentada uma medida relativa à adoção de planos de arborização de áreas adjacentes à rede viária.
Relativamente ao objetivo operacional 2.2, a ZERO e o CPSA sugerem que nos indicadores “% população exposta ao ruído > 65 dB(A) (…) deverá ser adicionado a % de população exposta ao ruído > 55 dB(A) e 45 dB(A).
A ZERO e o CPSA consideram extremamente relevante esta medida a este respeito faz desde já notar que o Conselho Nacional para o Ruído Ambiente que propomos acompanhe este processo.
Além disso, julgamos que deve ser considerada prioritária a introdução do princípio do poluidor pagador e sua regulamentação, nos termos que indicamos anteriormente, com o duplo objetivo de desincentivar as atividades ruidosas e financiar a implementação de medidas de mitigação custo-eficazes.
Deve ser introduzida uma métrica que contabilize o número de excedências aos níveis de ruído, à semelhança do que já é feito no domínio da qualidade do ar, mas também ruído constante, um tipo de ruído que embora seja muitas vezes de baixa incidência, com origem industrial ou de transporte rodoviário, tem efeitos na saúde e já é regulamentado em outros países. Estas métricas deverão ser acompanhadas da definição de valores-limite respectivos, a incorporar no Regulamento Geral do Ruído.
Também a alteração da Lei das Finanças Locais com o objetivo de criar um sistema de incentivos e desincentivos dirigido aos municípios nos parece muito importante ter em conta na concretização desta medida. Será fundamental que esta medida esteja concluída até ao ano de 2027.
Indicadores: A ZERO e o CPSA consideram que a meta estabelecida para 2030 é demasiado tardia face à urgência dos impactos do ruído ambiente na saúde pública, pelo que recomenda a antecipação do prazo para a implementação das medidas para 2028.
Deve haver medidas de proteção especial para os trabalhadores mais expostos ao ruído, reforçando a legislação atualmente em vigor relativa às prescrições mínimas de segurança e saúde no trabalho. Embora o Decreto-Lei n.º 182/2006, que transpõe a Diretiva 2003/10/CE, estabeleça limites e obrigações para a proteção dos trabalhadores, torna-se necessário garantir uma proteção acrescida considerando os valores limite do RGR.
Relativamente ao objetivo O3.2, a ZERO e o CPSA concordam com o seu conteúdo e com as medidas propostas. No entanto, alerta para a necessidade de reforçar os recursos humanos, através da contratação de técnicos qualificados na área do ruído ambiente, para que estas medidas possam ser efetivamente implementadas. Este reforço deve abranger as câmaras municipais, a APA, as CCDR, a Direção-Geral do Território e as Comunidades Intermunicipais (CIM).
Relativamente a esta medida, a ZERO e o CPSA consideram que deve ter como objetivo aprofundar o conhecimento que já existe e não servir de desculpa para não aplicar o princípio do poluidor pagador ou protelar a introdução nos planos de gestão e redução de ruído de informação relativa aos impactos do ruído na saúde humana e aos seus custos económicos. Não deve também ser utilizada para impedir a aplicação de taxas de ruído.
Em particular, no que respeita ao objetivo operacional 4.2, as organizações consideram que seria relevante identificar quais os equipamentos mais críticos do ponto de vista da emissão de ruído e privilegiar a integração da certificação acústica nos mesmos, com um sistema de cores, no âmbito do processo de certificação energética.
Adicionalmente, defende-se que a avaliação e certificação acústica sejam igualmente aplicadas aos veículos, tendo em conta que o tráfego rodoviário continua a ser uma das principais fontes de ruído ambiente.
A ZERO e o CPSA consideram extremamente importante este objetivo operacional e sugere que se caminhe para a adopção de incentivos económicos à adopção de soluções tecnológicas e produtos com melhor desempenho acústico.
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