Início » Planos da indústria europeia de aviação são um desastre para o clima
Numa altura em que o governo lança formalmente a Aliança para a Sustentabilidade na Aviação em Portugal, a qual a ZERO integrará a par de outros atores relevantes do sector, é tornado público um novo estudo da Federação Europeia de Transportes e Ambiente (T&E), da qual a ZERO faz parte, que evidencia que a indústria europeia de aviação planeia duplicar o número de passageiros até 2050 face a 2019 e manter praticamente inalterado o seu consumo de combustível fóssil e prejuízo no clima até meados do século.
A Aliança para a Sustentabilidade na Aviação[1] (ASA), anunciada na Resolução do Conselho de Ministros n.º 147/2024, de 28 de outubro, visa reunir um conjunto de intervenientes, incluindo a comunidade científica, companhias aéreas e de combustível, institutos públicos e não governamentais de ambiente, com o objetivo de fundar e traçar medidas e ações economicamente viáveis e cientificamente estruturadas para a descarbonização do transporte aéreo, construindo os mecanismos de ação capazes de liderar os agentes económicos nesse desígnio. No âmbito da ASA, será criado o Roteiro Nacional para a Descarbonização da Aviação (RONDA) que definirá a estratégia nacional para a sustentabilidade do setor.
O estudo agora divulgado aparece no momento mais oportuno possível, já que evidencia a urgência da ação dos decisores políticos relativamente aos impactos da aviação no clima e ambiente.
Apesar de menores consumos decorrentes de aeronaves mais eficientes e otimizações operacionais, o abastecimento de combustíveis nos aeroportos europeus aumentará 59% até 2050 em relação a 2019, conclui o estudo a partir de projeções da Airbus e da Boeing. Daqui resulta que o consumo de combustível, essencialmente jetfuel fóssil mas também SAF (Combustíveis Sustentáveis para a Aviação), continuará a crescer a uma média anual de 2,1% entre 2023 e 2050, tornando difícil ou impossível a redução das emissões do sector.
Mas mesmo no caso das projeções da Comissão Europeia para a aviação na União, mais conservadoras no crescimento do tráfego aéreo – a Comissão prevê um crescimento anual de 1,4% até 2050 e a Airbus e Boeing 3,3% em média –, as emissões aumentam 46% até 2040 em comparação com 1990, ano em que a economia deveria ver as suas emissões líquidas reduzidas em 90%, o que mostra a insustentabilidade do sector se não forem seguidas políticas públicas adicionais e mais eficazes para conter as suas emissões.
Apesar de haver a expetativa e obrigatoriedade de as aeronaves usarem cada vez mais combustíveis sustentáveis com emissões líquidas zero, devido ao crescimento exponencial da atividade, em 2049 o setor poderá estar a queimar tanto jetfuel fóssil quanto em 2023, mesmo utilizando 42% de SAF, conforme exigido pela legislação da europeia ReFuel EU Aviação.
As companhias aéreas têm duas alternativas principais ao combustível fóssil: biocombustíveis, frequentemente insustentáveis que usam, e combustíveis sintéticos (eSAF), produzidos a partir de hidrogénio e eletricidade renováveis e carbono capturado. O estudo conclui que, até 2050, a aviação europeia poderá consumir 24,2 Mt de biocombustíveis, em que 4 em cada 5 litros serão insustentáveis porque têm emissões indiretas e dependem de matérias-primas escassas ou importadas, de rastreio difícil e que podem não ser sustentáveis.
Os SAF são uma solução viável para a aviação se o tráfego aéreo não crescer exponencialmente, pois de outra forma as suas vantagens em reduzir emissões esbatem-se. Tendo em conta os cenários da indústria, em 2049, as emissões da aviação europeia serão praticamente as mesmas que em 2019 (-3%), e em 2050, quando a UE se comprometeu a alcançar emissões líquidas neutras, o setor ainda emitirá 79 milhões de toneladas de dióxido de carbono.
Sendo verdade que os eSAF são mais sustentáveis e escaláveis do que os biocombustíveis, não se antevê que a sua disponibilidade consiga acompanhar o rápido crescimento da aviação.
A legislação europeia sobre SAF – o ReFuelEU Aviação – obriga a uma utilização de 35% de eSAF até 2050. Se as projeções de crescimento do setor se concretizarem, isso traduzir-se-á em 24,2Mt de eSAF. Dado que os eSAF exigem muita energia na sua produção, neste cenário as necessidades energéticas da indústria de aviação da Europa para a sua produção seriam maiores do que todo o consumo de eletricidade na Alemanha em 2023 (506 TWh), evidenciando o desafio significativo para a transição energética e a sustentabilidade do setor.
Verificando-se as previsões de crescimento do tráfego aéreo da indústria, a aviação europeia emitirá cumulativamente entre 2023 e 2050 4,0 a 4,4 Gt CO2 (dependendo da efetiva sustentabilidade dos biocombustíveis). Isto equivale a uma média de 144-158 Mt de dióxido de carbono por ano, o que é incompatível com o objetivo do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5°C.
Por enquanto, a Comissão Europeia não possui planos concretos para limitar o crescimento do setor da aviação na sua meta para 2040. Se nenhuma política para conter esse crescimento for adotada, as emissões da aviação na Europa não diminuirão com a rapidez necessária.
Neste contexto, a ZERO espera que o governo português mostre a sua ambição incluindo no RONDA medidas que coloquem a aviação nacional em linha com o 1,5°C. Para isso, é importante:
[1] Resolução do Conselho de Ministros n.º 147/2024, de 28 de outubro (cria a ASA e o RONDA)
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