Reação discurso Primeiro-Ministro: Quando os fins não justificam os processos

ZERO concorda com promoção do investimento, mas está a tornar-se claro que os processos para o efetivar ultrapassaram em muito o equilíbrio afirmado pelo Primeiro-Ministro demissionário António Costa, pondo em causa o ambiente e as populações

Na sequência do discurso do Senhor Primeiro-Ministro António Costa ontem à noite, a ZERO considera que as palavras proferidas são infelizmente a prova de que os valores ambientais continuam a ser vistos como um empecilho ao desenvolvimento do país, o que pensávamos ser uma visão completamente ultrapassada. Afinal, recuamos décadas. O investimento estrangeiro e nacional é sempre bem-vindo, desde que não haja atropelos ao que tem custado conquistar, muito por imposição europeia. O valor associado à sustentabilidade, neste caso ambiental, parece não existir na classe política. De forma mais detalhada, o conteúdo do discurso não está em linha com os elementos entretanto vindos a público, onde está em causa o respeito pelo Estado de Direito e o equilíbrio entre ambiente e economia, com pressões que consideramos incompatíveis com o dirimir dos diferentes interesses em jogo e sem a necessária transparência. Agilizar não significa ultrapassar limites que põem em causa o rigor da aplicação dos instrumentos legais existentes, a sustentabilidade futura e o bem-estar das populações. Entre as principais discordâncias para com o discurso feito estão, entre outros, os seguintes argumentos:

• Uma cadeia de decisão inaceitável onde os estudos de icabmpacte ambiental legitimam decisões que já estão tomadas. Dois exemplos flagrantes são o projeto Data Center 4.0 onde a fase 1 foi autorizada e está perto da conclusão e onde as fases 2 a 6 foram depois sujeitas a avaliação de impacte ambiental, ou, no caso da Mina de Montalegre, onde a mina foi aprovada e outros elementos essenciais de operação como o complexo de anexos mineiros referentes à hidrorefinaria foram remetidos para estudo a realizar, obviamente conduzindo a uma futura decisão favorável dado o avanço da exploração entretanto assumida.
• O desrespeito pela legislação, pelas populações e pelos principais alertas da sociedade civil. No caso do projeto Data Center 4.0, e apesar de ser discutível a dimensão do impacte do projeto na Zona Especial de Conservação, nunca seria permitido pela Comissão Europeia a alteração dos seus limites. No caso da exploração de lítio, apesar das medidas de minimização consideradas, a dimensão e o tipo de explorações na área em causa, não respeita a qualidade de vida necessária às populações, nem mesmo a sua dignidade, ao contemplar, num dos casos, a própria possibilidade da sua relocalização, nem teve em conta muitos dos pareceres técnicos e apelos feitos aquando da discussão pública.
• Um SIMPLEX AMBIENTAL contra o ambiente. A ZERO lembra que o SIMPLEX AMBIENTAL foi elaborado por um Grupo de Trabalho presidido por João Tiago Silveira, atualmente arguido da “Operação Influencer”, e donde não fez parte qualquer organização do foro ambiental, ao contrário nomeadamente da participação da AICEP ou da Confederação Empresarial de Portugal (CIP). Apesar do objetivo legítimo de simplificação dos procedimentos administrativos para obtenção de autorizações e licenças ambientais, foi feito à custa de medidas que prejudicam e comprometem o ambiente em Portugal como a promoção do deferimento tácito, configurando um retrocesso de décadas, fazendo tábua rasa dos valores fundamentais que a política ambiental e o instrumento da avaliação de impacte ambiental visam proteger, tendo sido estruturado numa lógica onde ambiente é encarado apenas como um entrave à economia. O diploma que compromete este governo (Decreto-Lei nº 11/2023, de 10 de fevereiro), encurtou excessivamente prazos e excluiu avaliações, ou eliminou processos de verificação, sem fundamento científico adequado, ou sem a necessária ponderação de todos os interesses e perigos em causa. Mais do que reduzir a burocracia, promove a desresponsabilização face ao interesse coletivo, à proteção da natureza, à biodiversidade, à participação dos cidadãos e a um desenvolvimento sustentável.

A ZERO espera que as diferentes investigações em curso permitam expor e avaliar devidamente as diferenças entre uma aceitável concertação governativa e uma pressão intolerável entre instituições do Estado com a própria interferência de entidades privadas no processo de decisão. A ZERO defende uma rápida e urgente transição energética e climática do nosso país, mas isso exige ao mesmo tempo um debate e uma transparência que têm sido sistematicamente esquecidas, com uma total perda de credibilidade dos mecanismos de decisão, em particular, a avaliação de impacte ambiental.