Início » Ruído é uma ameaça grave à saúde: ZERO e CPSA exigem que os poluidores paguem pelos danos causados
A ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável – e o Conselho Português para Saúde e Ambiente (CPSA) elogiam a iniciativa da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) pela elaboração da Estratégia Nacional para o Ruído Ambiente 2025-2030 (ENRA). No entanto, as duas organizações alertam para o facto da estratégia ter surgido tardiamente, lembrando que a criação de uma estratégia nacional está prevista no Regulamento Geral do Ruído (RGR), em vigor desde 17 de janeiro de 2007, ou seja, há mais de 18 anos. Além disso, a estratégia “entra em campo a meio do jogo”, dado nos encontramos em meados de 2025, apesar dos trabalhos terem sido iniciados pela APA no início da década.
A nível europeu o ruído ambiente é reconhecido como a segunda principal causa ambiental de impactos negativos na saúde e no bem-estar, a seguir à poluição do ar. No entanto, e apesar da existência, desde 2002, da diretiva europeia 2002/49/CE que impõe a redução da poluição sonora e da população exposta, o combate ao ruído ambiente continua a ser desvalorizado em Portugal: vários municípios não aplicam os instrumentos de gestão de ruído legalmente previstos, falta de harmonização na sua elaboração, medidas de atenuação escassas e de efeitos reduzidos.
Cabe ainda destacar que o documento apresenta uma análise da população portuguesa afetada muito desatualizada (valores de 2017), e no caso da população exposta ao ruído por aeroportos, o ENRA apresenta incongruências significativas com o Relatório do Grupo de Trabalho dos Voos Noturnos (2022), elaborado para o Ministério das Infraestruturas e para a Assembleia da República, o que sugere a estratégia esteja a subestimar o valor total do número de vítimas. A título de exemplo, o relatório indica que, em 2019, apenas na Área Metropolitana de Lisboa, cerca de 72 683 pessoas estavam expostas a níveis de ruído superiores a 55 dB(A) entre as 23h00 e as 7h00. Em contraponto, a ENRA refere, para todo o país em 2017, apenas 34 100 pessoas expostas ao mesmo nível sonoro e no mesmo intervalo temporal. Para níveis superiores a 45 dB(A) no período noturno – a Organização Mundial de Saúde estipula 40 dB(A) como valor máximo – a discrepância é ainda mais expressiva: 388 000 pessoas (segundo o relatório dos voos noturnos) apenas na região de Lisboa, versus 267 200 pessoas para o conjunto do território nacional, de acordo com a ENRA.
Caso os dados relativos a 2019 reflitam de forma mais fidedigna a realidade atual — considerando que o tráfego aéreo já superou os valores pré-pandemia — estima-se que o tráfego aéreo na região de Lisboa poderá representar cerca de 14% de toda a população nacional exposta a níveis de ruído noturno superiores a 55 dB(A), ou cerca de 17% no caso de níveis superiores a 45 dB(A).
Por fim, a ZERO e o CPSA consideram que a estratégia define linhas de atuação positivas, mas continua a carecer de medidas concretas que assegurem o cumprimento do RGR e a efetiva redução do número de pessoas afetadas pelo ruído ambiente.
Assim, a ZERO e o CPSA apelam à inclusão, na Estratégia, de mecanismos eficazes que permitam resolver estruturalmente o problema do ruído, nomeadamente: a aplicação do princípio do poluidor-pagador, a introdução de sanções para os municípios em situação de incumprimento, aplicação da “servidão acústica”, a definição de limites máximos de excedência para o ruído ambiente, entre outras propostas que se detalham abaixo.
A exposição prolongada ao ruído provoca alterações hormonais e genéticas, problemas cardíacos, aumenta a inflamação e o stress oxidativo, e contribui para lesões em diversos órgãos, incluindo o cérebro, coração e sistema vascular, fígado, rins, intestinos e pâncreas,. Está também associada a um aumento da prevalência de doenças mentais e da incidência de suicídio. A exposição ao ruído do tráfego rodoviário — uma das principais fontes de ruído ambiente — está relacionada com uma taxa de depressão 4% mais elevada e um aumento de 12% nos casos de ansiedade. Adicionalmente, por cada aumento de 10 dB nos níveis de ruído, verifica-se um acréscimo de 12% no risco de desenvolver depressão.
Pelo menos uma em cada cinco pessoas na Europa está cronicamente exposta a níveis de ruído prejudiciais à saúde. Estima-se que o ruído afete gravemente o sono de 5 milhões de pessoas e seja responsável por 11 mil mortes prematuras e 40 mil novos casos de doença cardíaca isquémica todos os anos na UE, uma das principais causas de morte em Portugal e no mundo.
Cerca de 95 milhões de europeus estão expostos a ruído rodoviário perigoso e, em algumas cidades, até metade da população urbana vive com níveis sonoros considerados nocivos. Além disso, o ruído aéreo poderá comprometer a aprendizagem de cerca de 12.500 crianças em idade escolar.
Relativamente ao caso português, a ENRA apenas apresenta números de 2012 e 2017 – desatualizados em 7 anos – que revelam que, em 2017, cerca de 1.8 milhões de portugueses estão expostos ao valor máximo previsto para zonas sensíveis Lden 55 dB(A), um número que tem vindo a aumentar comparando com 2012. De facto, de acordo com uma publicação recente da Agência Europeia do Ambiente, em 2022, mais de 30% da população Portuguesa estaria exposta a níveis de ruído prejudiciais para a saúde (>Lden 55 dB(A)). É fundamental atualizar a informação acerca da população exposta a níveis de ruído acima dos 65 dB (A), 55 dB (A) e 45 dB (A), tanto no período noturno como no período diurno.
Por fim, é importante destacar que o ruído ambiente também tem efeitos significativos na saúde animal. Nos pássaros, em particular, o ruído afeta o comportamento, a condição física, a reprodução e o crescimento, além de induzir estados de stress crónico.
A ENRA reconhece diversos problemas estruturais na aplicação dos instrumentos de gestão de ruído, nomeadamente a ausência, em muitos municípios, de Mapas de Ruído, Zonamento Acústico ou Planos Municipais de Redução de Ruído, e os existentes, muito desatualizados. Acresce a fraca articulação entre estes instrumentos e os instrumentos de gestão territorial (PDM, PU, etc.), bem como a falta de harmonização na forma como são elaborados pelos diferentes municípios. A título de exemplo, alguns municípios ignoram a lei e a existência de zonas sensíveis (hospitais, escolas, habitações) prevista no Artigo 3º , sendo que classificam a totalidade do seu território como zona mista, onde são permitidos níveis de ruído bastante superiores.
Para colmatar estas falhas, a ZERO e o CPSA propõem que os instrumentos de gestão de ruído sejam rigorosamente revistos e validados pela APA, pelas CCDR’s e pela Direção-Geral do Território. Propõe-se ainda que o incumprimento por parte das autarquias tenha reflexo na Lei das Finanças Locais, penalizando-se financeiramente os municípios que não cumpram com as suas obrigações nesta matéria.
Em Portugal, a sociedade civil não tem acesso fácil e transparente à informação sobre os dados de ruído existentes, o incumprimento dos valores-limite de ruído, a sua magnitude, os impactos económicos, sociais e na saúde, nem às medidas de mitigação previstas ou implementadas. Esta falta de transparência compromete o escrutínio público e a eficácia das políticas ambientais, sendo o ruído uma das principais causas de queixa dos cidadãos.
Assim, a ZERO e o CPSA recomendam o reforço da rede de estações de medição, sobretudo em centros urbanos, zonas sensíveis, incluindo infraestruturas como portos, propondo criação de uma plataforma pública de leitura de registos oficiais de ruído, semelhante ao sistema QualAr para a qualidade do ar, que deverá integrar as medições recolhidas, disponibilizadas de forma contínua, acessível e compreensível para o público, e que esta deve incluir indicadores sobre os efeitos da poluição sonora na saúde humana.
O princípio do poluidor-pagador está estabelecido na legislação nacional e europeia e deveria estar contemplado na estratégia. É por isso preciso que os Planos de Gestão e Redução de Ruído, que algumas entidades têm obrigação de apresentar, prevejam os custos económicos e sociais que a população exposta e a sociedade em geral têm que suportar.
Em alguns países europeus, como a França, são já aplicadas taxas de ruído em sectores como o da aviação, sendo que este dinheiro é utilizado para contribuir para o isolamento sonoro das habitações afetadas. Em Portugal, na sequência da elaboração da ENRA 2025-2030, a ZERO e o CPSA vêm como essencial que a lei passe a prever estas taxas pelos gestores de grandes infraestruturas de transportes e pelos municípios que têm a obrigação legal de apresentar planos de ação para a redução ruído, devendo o nível destas taxas corresponder aos custos apurados e ser integralmente usadas em medidas de mitigação e compensação eficazes.
Deve ser introduzida uma métrica que contabilize o número de excedências aos níveis de ruído, à semelhança do que já é feito no domínio da qualidade do ar, mas também ruído constante, um tipo de ruído que embora seja muitas vezes de baixa incidência, com origem industrial ou de transporte rodoviário, tem efeitos na saúde e já é regulamentado em outros países. Estas métricas deverão ser acompanhadas da definição de valores-limite respectivos, a incorporar no Regulamento Geral do Ruído. Também deve haver medidas de proteção especial para os trabalhadores mais expostos ao ruído, reforçando a legislação atualmente em vigor, Decreto-Lei n.º 182/2006, relativa às prescrições mínimas de segurança e saúde no trabalho.
A ZERO e o CPSA alertam para a necessidade de reforçar os recursos humanos, através da contratação de técnicos qualificados na área do ruído ambiente, para que estas medidas possam ser efetivamente implementadas. Este reforço deve abranger as câmaras municipais, a APA, as CCDR, a Direção-Geral do Território e as Comunidades Intermunicipais (CIM).
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