Início » ZERO acusa Governo de reduzir ambição nas energias renováveis para 49% até 2030
Terminou no final da última semana a consulta pública relativa à transposição da Diretiva (UE) 2023/2413 referente ao terceiro grande pacote de modificações legislativas respeitantes a Energias Renováveis (por isso designada de RED III). A ZERO considera que as duas propostas de Decreto-Lei apresentadas pelo Governo português representam um avanço importante na modernização do sistema energético, mas alerta para retrocessos e omissões. Desta forma, a legislação proposta pode assim comprometer a neutralidade climática, o mais tardar até 2045, e aumentar o custo de vida no país.
No geral, as propostas ficam aquém da ambição necessária para cumprir as metas climáticas e acelerar uma transição energética justa. Embora existam avanços institucionais, os diplomas reduzem metas importantes, omitem setores-chave, fragilizam a sustentabilidade da biomassa e ignoram o papel central das comunidades de energia e da participação cidadã.
A proposta reduz a meta nacional de energia renovável no consumo final bruto para 49% em 2030, valor inferior aos 51% previstos no Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC 2030). Esta revisão é um retrocesso e uma violação do princípio da não-regressão climática implícito na Lei de Bases do Clima.
A ZERO alerta ainda que o diploma não cria mecanismos de correção de trajetória em caso de desvio das metas, contrariando o Regulamento Europeu de Governação da União da Energia, nem as metas intercalares de 40 e 44% de renováveis no consumo bruto de energia em 2025 e 2028, respetivamente, são vinculativas, o que fragiliza o acompanhamento do cumprimento das metas e a responsabilização das entidades públicas.
A ZERO sublinha ainda que a meta setorial para os transportes – 29% de energia renovável em 2030, com etapas de 19% em 2027 e 25% em 2028 – dificilmente será cumprida se Portugal mantiver a atual lentidão no incremento do uso do transporte público e na eletrificação da mobilidade terrestre (nomeadamente dos veículos de uso intensivo). Ao invés, os decisores políticos preferem uma maior utilização de biocombustíveis e de combustíveis de origem não biológica (RFNBO) no setor rodoviário, que têm custos mais elevados e disponibilidade limitada, penalizando os consumidores e a competitividade das empresas.
Assim, Portugal está a correr o risco de ficar preso a uma transição cara e desigual. Cada ponto percentual perdido na eficiência energética e na eletrificação traduz-se em mais dependência externa e em faturas mais altas, no curto e médio prazo, para o conjunto das famílias e empresas, alerta a ZERO.
A ZERO sublinha que os biocombustíveis e os combustíveis sintéticos à base de hidrogénio verde não devem ser desperdiçados na rodovia, que pode ser eletrificada em complementaridade com o desenvolvimento do transporte ferroviário, uma vez que eles são essenciais para o setor da aviação e do transporte marítimo e para o cumprimento das metas do Regulamento ReFuelEU Aviation e do Fuel EU Maritime que obrigam à incorporação progressiva de combustíveis sustentáveis nestes setores de difícil descarbonização. Seria, por isso, muito útil que o diploma definisse metas específicas para a aviação e o transporte marítimo num esforço de articulação com regulamentos europeus complementares.
A proposta define 75% de energia renovável nos edifícios em 2030 – o que é positivo, mas reduz a ambição face ao PNEC (80%) e não assegura mecanismos claros de implementação. A ZERO considera ainda essencial priorizar a geração descentralizada, promover comunidades de energia renovável e garantir o acesso equitativo a soluções renováveis para famílias com baixos rendimentos.
O diploma deveria igualmente prever planos locais de aquecimento e arrefecimento e incentivos dirigidos a tecnologias de alta eficiência, como bombas de calor, articulados com a Estratégia Nacional de Combate à Pobreza Energética.
A ZERO reconhece o esforço do Governo em introduzir o Princípio da Utilização em Cascata da Biomassa, que dá prioridade a usos materiais sobre a queima, mas alerta para brechas legais que permitem derrogações arbitrárias por motivos de “segurança de abastecimento”. Estas exceções abrem caminho à continuada queima insustentável de madeira de valor ambiental e económico elevado, enfraquecendo a coerência ambiental da transposição e o cumprimento das metas de sustentabilidade da diretiva.
A ZERO exige o fim dos subsídios à queima de biomassa florestal primária e a garantia de que apenas resíduos florestais verdadeiros são utilizados para produção energética, salvaguardando o papel das florestas como sumidouros de carbono.
No que respeita ao Sistema Elétrico Nacional, a ZERO valoriza a criação das Zonas de Aceleração de Energias Renováveis (ZAER) e a fixação de prazos para licenciamento, mas alerta para os riscos sérios de especulação fundiária que devem ser acautelados. As ZAER devem ter dimensão significativa de modo a preservar ao máximo o resto do território ao mesmo tempo que o país ganha condições para atingir a neutralidade climática
A associação congratula a sujeição das ZAER a uma Avaliação Ambiental Estratégica, e acrescenta que deve ser transparente, com forte participação pública e científica, e incluir mecanismos de compensação e benefícios diretos para as comunidades locais. É igualmente fundamental reforçar o papel das organizações não governamentais de ambiente (ONGA) nas comissões consultivas e assegurar a integração das comunidades de energia e projetos de uso múltiplo do território, como o agrivoltaico, e espera que desse processo resultem áreas classificadas como servidões de utilidade pública dedicadas à produção de eletricidade renovável, prevenindo a especulação e assegurando compensação justa aos proprietários.
A ZERO critica a ausência de uma estratégia clara para o envolvimento dos cidadãos e das comunidades de energia renovável na proposta tornada pública. O diploma mantém um modelo excessivamente centralizado, dificultando o papel das comunidades locais, autarquias e pequenos produtores, em contradição com o espírito da diretiva.
É essencial simplificar o licenciamento de pequenos sistemas fotovoltaicos, clarificar o estatuto jurídico das comunidades de energia e garantir o acesso a infraestruturas públicas e dados energéticos. Sem uma política que valorize a produção descentralizada e a participação democrática, Portugal arrisca-se a perder a dimensão social e inclusiva da transição energética.
Para a ZERO, a transposição da RED III deve colocar os cidadãos e as comunidades de energia no centro da transição, com benefícios diretos: tarifas locais reduzidas, participação acionista em projetos de energia renovável, fundos comunitários de energia e portais públicos de facilitação.
A ZERO apela ao Governo para que reveja a proposta, dando-lhe coerência com o PNEC 2030 e com a Lei de Bases do Clima, e garantindo uma transposição que vá ainda mais além do mínimo exigido pela Diretiva Europeia. Sem isto, Portugal corre o risco de transformar uma oportunidade de liderança climática numa transposição que nos mantém mais dependentes de combustíveis fósseis do que seria possível e desejável.
É fundamental repor a ambição nas metas de renováveis, integrar todos os setores emissores, incluindo a aviação e o transporte marítimo, eliminar exceções à sustentabilidade da biomassa e colocar os cidadãos e as comunidades de energia no centro da transição. Só assim Portugal poderá afirmar-se como um país verdadeiramente comprometido com a neutralidade e justiça climáticas e a democracia energética.
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