Início » O que fazemos » Comunicados de imprensa » ZERO considera que Pacto Europeu da Indústria Limpa hoje apresentado favorece grandes interesses económicos
A Comissão Europeia divulgou hoje o Pacto da Indústria Limpa (Clean Industrial Deal)[1], um ambicioso plano no âmbito do Pacto Ecológico Europeu que visa regenerar, tornar mais competitiva e descarbonizar a indústria Europeia, sobretudo a que consome mais energia, como a do aço, cimento e química. Este pacto pretende dar resposta aos desafios que a indústria enfrenta na Europa, como os elevados custos da energia, a concorrência global e obstáculos administrativos e regulamentares, centrando-se na promoção de tecnologias limpas, nos princípios da economia circular e no acesso a energia a preços acessíveis.
O Pacto da Indústria Limpa está estruturado em torno de seis prioridades: (1) redução dos custos da energia – o ponto-chave –, (2) eletrificação, (3) expansão das energias renováveis, (4) modernização das redes energéticas, para garantir um abastecimento energético estável e competitivo para as indústrias, (5) financiamento e investimento e (6) mercados globais. Ao reduzir a dependência de combustíveis fósseis e do seu preço volátil e ao investir em energia limpa produzida internamente, a União Europeia procura criar um ambiente industrial estável, sustentável e favorável ao investimento.
Outro aspeto importante é o do aumento da procura de produtos com baixo teor de carbono e a garantia de investimento para a descarbonização industrial. Através de políticas de contratos públicos e de incentivos à adoção pelo sector privado, a UE pretende criar mercados de ponta que incentivem a produção e a utilização de materiais industriais limpos. Ao mesmo tempo, a mobilização de financiamento público e privado será essencial para apoiar a transição, garantindo que as indústrias tenham acesso ao capital necessário para a produção, inovação e modernização limpas.
O Pacto da Indústria Limpa dá igualmente ênfase à segurança dos recursos, ao comércio global e ao desenvolvimento da força de trabalho. Ao reforçar as iniciativas de economia circular, expandir a reciclagem e garantir o acesso a matérias-primas essenciais, a UE pretende reduzir a dependência das importações e aumentar a resiliência industrial. A nível mundial, pretende-se que as parcerias comerciais sejam reforçadas para promover a cooperação no domínio das tecnologias limpas, enquanto são adoptadas medidas para combater a concorrência desleal. Assim, o investimento no desenvolvimento de competências deverá assegurar a preparação dos trabalhadores para a transição para uma economia verde, promovendo a liderança industrial da Europa, o crescimento do emprego e a justiça social.
Apesar das boas intenções do plano, a ZERO mostra reserva sobre ele, saudando, por um lado, a sua ambição, mas levantando sérias preocupações sobre a falta de medidas concretas para uma transição justa e inclusiva – posição, aliás, comum a várias redes da sociedade civil por toda a Europa das quais a ZERO faz parte.
Embora o acordo reconheça a importância da descarbonização, da circularidade e da resiliência energética, faltam compromissos vinculativos em relação à eliminação progressiva mas célere e determinada dos combustíveis fósseis, à definição de objetivos concretos de eficiência energética e à garantia de um acesso justo e igual a tecnologias limpas por parte dos atores do sector. É ainda fundamental que a UE passe a financiar as infraestruturas de transporte e distribuição de eletricidade e não a construção de ineficientes redes de gás.
A inclusão no pacto das preocupações em relação à economia circular e os compromissos em matéria de eficiência dos recursos são positivos, mas são necessários objetivos mais concretos em matéria de reutilização de materiais, de redução de resíduos e da economia de partilha. Além disso, a ZERO considera que a ênfase na competitividade industrial e no investimento das empresas ofusca uma participação pública mais ampla e as proteções sociais.
Uma das principais preocupações é o papel limitado dos trabalhadores e das comunidades locais na definição do caminho. Embora o acordo inclua disposições para um “observatório da transição justa” e um roteiro para trabalhos de qualidade, estas medidas são, em grande medida, meras aspirações que carecem de proteções sociais vinculativas.
A ZERO salienta que, sem cláusulas sociais obrigatórias nos contratos públicos e sem condições claras associadas ao apoio financeiro, manter-se-á a tendência de os trabalhadores e as comunidades vulneráveis suportarem os custos da transformação, enquanto as empresas colhem os benefícios. Da mesma forma, a ausência de um compromisso claro para acabar com os subsídios aos combustíveis fósseis, e do redirecionamento do acréscimo de receita que existiria por essa via para prioridades sociais e ambientais, enfraquece o pacto. Neste âmbito, a ZERO defende mesmo que a UE deveria criar uma Diretiva para a Transição Justa, pois sem cuidar de que trabalhadores e comunidades afetadas são apoiados e têm novas oportunidades e proteção social adequada, não deixando ninguém para trás, dificilmente a transição se fará.
Além disso, as disposições relativas ao comércio internacional e à segurança da disponibilidade de recursos suscitam preocupações quanto à falta de transparência e de equidade nas parcerias globais. Embora o Pacto da Indústria Limpa promova “parcerias de comércio e investimento limpos” para garantir matérias-primas e energia, estes acordos dão prioridade aos interesses industriais europeus em detrimento de uma cooperação equitativa com os países em desenvolvimento. A ausência de salvaguardas para garantir parcerias sustentáveis e justas, em especial com os países desfavorecidos do Sul Global, suscita o receio de que o pacto reforce as desigualdades económicas. A ZERO vai instar, em conjunto com os seus parceiros europeus e através das redes em que se insere, a Comissão Europeia a garantir que as políticas industriais não sirvam apenas as grandes empresas, mas promovam uma transição verdadeiramente inclusiva, transparente e justa.
O Pacto da Indústria Limpa terá implicações significativas para Portugal em múltiplas dimensões, desde a transformação industrial e a competitividade económica até à política energética e ao desenvolvimento e qualificação da força de trabalho.
As indústrias portuguesas, em particular as intensivas em energia como a do cimento, química, cerâmica e vidro, e a do hidrogénio para as abastecer, terão de se adaptar a requisitos de descarbonização mais rigorosos, ao mesmo tempo que competem no mercado europeu e mundial, beneficiando de custos energéticos potencialmente mais baixos face à abundância de energia renovável no país. O pacto promove mercados de produtos hipocarbónicos, o que pode abrir novas oportunidades para os fabricantes portugueses.
No entanto, o atraso no desenvolvimento da Estratégia Industrial Verde, cujo prazo, fevereiro de 2024, estabelecido na Lei de Bases do Clima (Artigo 68.º da Lei n.º 98/2021), está largamente ultrapassado, coloca em risco a janela de oportunidade para o país acompanhar competitivamente a transição ambiental, económica e social. A ZERO espera que o Pacto da Indústria Limpa sirva para abanar e reverter este marasmo, e insta o governo português a direcionar esforços para a definição urgente da Estratégia Industrial Verde, montando um diálogo abrangente com todas as partes interessadas, incluindo a sociedade civil e os parceiros sociais.
Neste âmbito, a ZERO tem vindo a defender o conceito de condomínios industriais sustentáveis, promovendo o ordenamento territorial estratégico das indústrias para otimizar recursos, reduzir impactos ambientais e fomentar a partilha de infraestruturas e de sinergias entre setores. Esta abordagem visa criar polos industriais de baixo carbono, garantindo uma transição justa e sustentável, com investimentos direcionados para a eficiência energética, a circularidade e a valorização dos territórios, dos trabalhadores e das comunidades locais.
[1] O Pacto da Indústria Limpa surge de uma necessidade de resposta por parte da União Europeia (UE) à Lei da Redução da Inflação (Inflation Reduction Act), um pacote análogo lançado nos Estados Unidos em 2022 pelo governo Biden. Este pacote previa subsídios e incentivos fiscais para apoiar as indústrias verdes, nomeadamente nos sectores da energia limpa, dos veículos elétricos e das matérias-primas críticas.
Desde aí a Europa tem publicado sucessivos documentos, como o Regulamento Indústria Neutra em Carbono (Net Zero Industry Act, 2023), o Relatório Draghi (Draghi Report, 2024) e, mais recentemente, a Bússola para a Competitividade (Competitiveness Compass, 2025), com o objetivo de simplificar a regulamentação, acelerar licenciamentos e assegurar o financiamento de indústrias limpas estratégicas, bem como de promover a competitividade económica da Europa, a estratégia industrial e o aumento do investimento público e privado.
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