Início » ZERO – Usando um semáforo, maioria das medidas da Visão Estratégica 2030 estão a laranja ou vermelho
Visão Estratégica do Plano de Recuperação Económica 2020-2030 é um documento positivo mas não prevê as ruturas necessárias para colocar Portugal na rota da sustentabilidade.
A ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável considera que o documento relativo à “Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030”, desenvolvida por António Costa Silva e colocada em consulta pública pelo governo (processo que terminou na passada sexta-feira, dia 21 de agosto), aborda um conjunto de áreas fundamentais, muitas delas em sintonia com os objetivos de desenvolvimento sustentável que preconizamos. De referir o reconhecimento das diferentes crises que afetam o planeta, com destaque para a crise climática, o reconhecimento da necessidade de alterações estruturais e profundas na sociedade, e a prioridade dada a um conjunto de investimentos que deverão ter por base a descarbonização através das energias renováveis e da eficiência energética, na ferrovia, na promoção de cidades mais sustentáveis, e num desenvolvimento mais equilibrado do interior valorizando os serviços dos ecossistemas.
Porém, a visão subjacente a todo o documento assenta no modelo económico tradicional, vigente desde o fim da segunda guerra mundial, de consumo generalizado e crescente, estando focada, na sua maioria, na garantia da oferta de recursos e respetivos serviços (energia, minerais e metais), e não da economia da procura, que forçosamente aponta e desenvolve a eficiência no uso e na alteração dos padrões de consumo. Esta é talvez a ideia do documento que merece uma análise mais crítica, que justifica muitas das soluções apresentadas (e.g. aumento da extração de minérios, incluindo no fundo do oceano), e que falha numa visão inovadora e sustentável para Portugal.
O contexto atual veio mostrar um novo mundo de possibilidades que pode ancorar e ser potenciado por avanços conseguidos nos últimos anos na área das energias renováveis, da mobilidade sustentável, da agroecologia, do repensar dos produtos no sentido de fomentar a sua durabilidade, reparabilidade e possibilidade de reutilização e reciclagem. Neste quadro, diversas ideias presentes no documento estão em linha com o que tem vindo a ser defendido pela ZERO. Porém outras ideias e propostas fazem adivinhar uma visão em sentido contrário.
A ZERO preparou o seu parecer no sentido de complementar as propostas constantes do documento que, acreditamos, podem contribuir para a concretização de uma visão mais ambiciosa em termos de futuro e de mudança.
As principais lacunas identificadas
1 – O documento falha ao não preconizar uma transformação sistémica, necessária e desejável do funcionamento da sociedade, nomeadamente:
i) Não pondo em causa a essência do modelo de crescimento económico baseado num consumo de recursos e numa pegada ecológica acima do suportável em detrimento da suficiência.
ii) Mantendo um conjunto de condições que são mutuamente exclusivas ou contraditórias que sabemos pela prática não serem seguidas, nomeadamente apostando numa forte reindustrialização e na exploração de recursos minerais à superfície terrestre e nos fundos marinhos, mas afirmando o cumprimento rigoroso das restrições ambientais.
iii) Admitindo uma diversificação da atividade turística e a necessidade de reduzir as emissões dos transportes, mas mantendo-a como um pilar essencial sem resolver as implicações negativas que a mesma tem em termos de pressão sobre as cidades, as áreas classificadas e sobre o território em geral.
iv) Insistindo numa gestão adequada dos recursos hídricos, mas admitindo novas barragens.
v) Reconhecendo quão fundamental é uma economia circular, mas sem dar a prioridade necessária à redução, redução, reparabilidade, mais do que à reincorporação de materiais provenientes da reciclagem.
2 – O documento não expressa a crise do comércio de bens, que a pandemia veio provocar, com a crise ambiental e climática e com a necessidade de reterritorializar a economia, assumindo a necessidade de uma redução permanente dos fluxos de bens e o continuado crescimento da circulação de informação, ideias e conhecimento através das redes de comunicação globais. À globalização dos fluxos de informação, conhecimento e sabedoria terá que corresponder uma redução do volume de circulação de pessoas e materiais e uma regionalização dos processos de produção e de consumo com a desejável diminuição da importância dos portos e aeroportos (o ritmo de crescimento do transporte marítimo e aéreo não é compatível com o cumprimento do Acordo de Paris, sendo muito questionável a prioridade e muitos dos investimentos marítimo-portuários).
3 – O documento defende a pesquisa de minerais, o que é defensável como forma de mapeamento dos recursos, mas que levanta enormes problemas:
i) Na prática o mapeamento é efetuado no âmbito de concessões privadas que ficam depois automaticamente habilitadas a avançar com a exploração e cujo investimento na prospeção só será feito se à partida a aceitação da sua viabilidade por parte do Estado for muito provável.
ii) Ao insistir na sistemática e suposta contabilização de interesses, não demarca claramente linhas vermelhas onde os requisitos de salvaguarda ambiental são indispensáveis cumprir – veja-se ainda recentemente a possibilidade de exploração de lítio e outros metais em áreas classificadas em termos de conservação da natureza.
iii) Parece acreditar que a extração de recursos virgens é compatível com a sustentabilidade do ecossistema onde tal acontece por recurso a tecnologias mais eficientes. No caso da indústria extrativa, em terra ou no mar, não é simplesmente possível compatibilizá-la com a salvaguarda dos ecossistemas onde ela ocorre, mesmo usando as tecnologias mais recentes. Tal deve ser reconhecido desde logo, e assumir os riscos e custos daí decorrentes.
4 – Outro aspeto ausente é o papel dado aos indivíduos e às famílias enquanto agentes promotores de uma economia sustentável. Embora as empresas sejam o coração de uma economia, as famílias ganham progressivamente importância nos pequenos investimentos que, se não forem devidamente incentivados, constituirão oportunidades perdidas. É o caso do modelo de produção descentralizada de eletricidade e do uso eficiente da energia (habitações e mobilidade privada), que é claramente preterido em favor do modelo maioritariamente centralizado e concentrado em poucos agentes do mercado. Por exemplo, as habitações e os veículos privados representam cerca de 50% do consumo total de energia final no país, pelo que é crucial tornar as famílias agentes do sistema energético, exatamente como se faz com que as empresas de oferta de energia.
Em suma, o documento assenta numa visão estratégica já vigente que fica muito aquém das necessidades de políticas e medidas mais profundas e coerentes que garantam a sustentabilidade do desenvolvimento.
A análise específica do documento
A ZERO analisou cada uma das propostas contidas nos diferentes eixos estratégicos, atribuindo uma cor de acordo com a lógica de um semáforo: verde, laranja ou vermelho.
No conjunto das medidas propostas relativamente aos diferentes eixos estratégicos identificados, a ZERO deu luz verde a trinta e seis, assinalou quarenta e uma a laranja como necessitando de reforço/complementação ou contendo aspetos necessariamente a corrigir e deu sinal vermelho a nove, que representam, claramente, erros estratégicos que poderão atrasar o caminho de Portugal rumo à sustentabilidade (ver página final).
Ameaças e potencialidades
A ZERO declara, desde já, a sua preocupação com o facto de, independentemente de discordâncias de fundo que por agora existam e que identificamos, este poder ser mais um documento inconsequente, onde o olhar estratégico será facilmente ultrapassado pela implementação das ideias apresentadas, pelos interesses instalados e pelas políticas que o Governo já pretende seguir (como exemplo, o já aprovado Plano Nacional para o Hidrogénio), pondo em causa a concretização dos objetivos de sustentabilidade que dele fazem parte.
Este é um momento de escolhas difíceis, mas é também o momento que definirá o nosso futuro coletivo. Por isso, devemos enfrentá-lo com esperança e com coragem para promover a transição para a sustentabilidade, fundamental para a sobrevivência da espécie humana. Se agirmos com sapiência e coragem, esta crise pode ser superada através da união de esforços na transformação dos modelos socioeconómicos, focando-nos no bem-estar das pessoas e no estabelecimento de uma relação de equilíbrio e respeito pelos limites do planeta.
Parecer da ZERO sobre Visão Estratégica do Plano de Recuperação Económica 2020-2030 disponível aqui
Quadro síntese disponível aqui
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