Início » Utilização de águas subterrâneas para produção de água para consumo humano ameaçada por poluição generalizada dos aquíferos
1 de outubro – Dia Nacional da Água: ZERO analisa novamente a qualidade das águas subterrâneas
Quatro anos após a primeira análise feita pela ZERO à qualidade das águas subterrâneas, agricultura e pecuária intensivas continuam a poluir intensamente os aquíferos. Foi isto que a ZERO apurou ao analisar os dados relativos à presença de azoto amoniacal e de nitratos nas águas subterrâneas, entre os anos 2018 e 2020, com base na informação disponibilizada pela Agência Portuguesa do Ambiente, através do Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos. Verifica-se uma situação preocupante, com registo de poluição em 49 dos 54 sistemas aquíferos com dados disponíveis.
Poluição ameaça utilização de um recurso vital
Portugal continental possui um total de 62 aquíferos, os quais representam uma reserva estratégica de água estimada em 7.900 hectómetros cúbicos (hm3).
De acordo com o relatório anual da ERSAR, 30,75% da água destinada ao consumo humano tem origem subterrânea (ERSAR, 2020)[1], o que demonstra bem a necessidade de preservação deste recurso. No entanto, aquilo que se verifica é uma poluição generalizada que ameaça a utilização, atual e futura, de um bem que, em virtude dos efeitos das alterações climáticas, é cada vez mais escasso, mas que é essencial para a produção da água que bebemos.
Cerca de 79% dos aquíferos existentes apresentam pontos de água com concentrações de nitratos e/ou azoto amoniacal acima dos valores máximos definidos na legislação[2], sendo que, muitos desses pontos se destinam à captação de água para consumo humano, o que obriga a que a qualidade da água desses aquíferos cumpra as normas de qualidade que constam no Anexo I do DL n.º 236/98.
De salientar que a própria Agência Portuguesa do Ambiente, no âmbito da avaliação intercalar da qualidade das massas de água relativa a 2018, reconhece que se tem verificado um agravamento do estado das massas de água subterrâneas, com diminuições de 8% das massas de água em bom estado.
Agricultura e pecuárias intensivas são as maiores fontes de poluição das águas subterrâneas
A poluição da água subterrânea por nitratos está fortemente relacionada com os métodos de produção agrícola intensivos, como consequência da excessiva utilização de fertilizantes químicos. A poluição por azoto amoniacal está, sobretudo, relacionada com a atividade pecuária, ocorrendo por contaminação dos solos através de estrume e/ou efluentes líquidos sem tratamento.
Agravamento do estado de poluição por nitratos coloca em risco a utilização de águas subterrâneas para consumo humano
A análise efetuada permitiu constatar uma ligeira redução no número total de aquíferos poluídos em relação à análise anterior, relativa aos anos 2013 a 2015, na qual se identificaram 55 face aos 49 da atual análise. No entanto, verifica-se um agravamento do estado de poluição dos aquíferos por nitratos, uma vez que foram identificados 35 aquíferos com elevadas concentrações de nitratos, mais 6 do que na análise feita pela ZERO, em 2017. Em 25 aquíferos foram identificadas amostras cuja concentração ultrapassava o Valor Máximo Admissível (50 miligramas/litro), colocando em risco a utilização da água para consumo humano.
No que respeita ao azoto amoniacal, 41 aquíferos apresentam amostras com concentrações superiores ao Valor Máximo Recomendado (0,05 mg/l), com 11 a atingirem valores 3 vezes acima do VMA estipulado no Anexo I do DL n.º 236/98.
Agravamento da qualidade das águas subterrâneas é justificada pela inatividade de várias entidades
Face aos dados apresentados anteriormente, a legislação[3] formulada para prevenir a poluição por nitratos parece não estar a ser suficiente para impedir a degradação das águas subterrâneas.
Em 2010, foram definidas e aprovadas 9 zonas vulneráveis à poluição por nitratos de origem agrícola (Esposende-Vila do Conde, Estarreja-Murtosa, Litoral Centro, Tejo, Beja, Elvas, Estremoz-Cano, Faro e Luz-Tavira)[4] e em 2012 teve lugar a publicação de um programa de ação[5] a aplicar nas mesmas. No entanto, vários anos passaram e o resultado sobre os aquíferos é o inverso daquele que seria o esperado, já que todas as zonas consideradas vulneráveis continuam a apresentar concentrações de nitratos acima do VMA.
Esta é uma situação que a ZERO acredita resultar da inatividade das entidades com competência na aplicação das medidas definidas no plano de ação, particularmente da Direção Geral da Agricultura e Desenvolvimento Rural e das Direções Regionais de Agricultura e Pescas que pouco ou nada terão feito para a reverter.
A ZERO tinha já alertado, aquando da primeira análise, para a existência de aquíferos com dados a exceder os limites que possibilitam a utilização da água para consumo humano e que não integram as zonas vulneráveis (Monforte-Alter do Chão, São Bartolomeu, Monte Gordo, Mexilhoeira Grande-Portimão, Querença-Silves, Albufeira-Ribeira de Quarteira, Quarteira, Ourém, Maciço Calcário Estremenho, Paço, Louriçal, Caldas da Rainha-Nazaré, Aluviões do Mondego e a área de Évora, situada no Maciço Antigo Indiferenciado). Esta é uma situação que se mantém, continuando em falta uma atualização do programa de ação e a redefinição das zonas vulneráveis.
ZERO exige medidas imediatas e o fim da subsidiação às práticas agrícolas e pecuárias insustentáveis
A ZERO vem novamente exigir uma ação imediata por parte do Ministério da Agricultura e do Ministério do Ambiente e Ação Climática, considerando que o estado atual de poluição deste recurso hídrico é improtelável e são necessárias medidas concretas e atualizadas para acometer a situação atual.
Com o novo quadro de apoios no âmbito da Política Agrícola Comum 2023-2027, a ZERO quer a inclusão de uma condicionalidade que exclua os prevaricadores de todos e quaisquer apoios públicos que, comprovadamente, coloquem em causa a qualidade de um bem cada vez mais escasso e precioso.
A ZERO volta a referir a necessidade de conjunto de medidas a adotar urgentemente pela Administração Central, para mitigar e resolver a situação:
[1] RASARP 2020. Volume 2 – Controlo da qualidade da água para consumo humano
[2] Decreto de Lei nº 236/98, de 1 de agosto, estabelece normas, critérios e objetivos de qualidade com a finalidade de proteger o meio aquático e melhorar a qualidade das águas em função dos seus principais usos.
[3] Decreto-Lei n.º 235/97, de 3 de setembro, que transpõe a Diretiva n.º 91/676/CEE, do Conselho, de 12 de dezembro, relativa à proteção das águas contra a poluição causada por nitratos de origem agrícola, alterado pelo Decreto-Lei n.º 68/99, de 11 de março.
[4] Portaria n.º 164/2010, de 16 de março, que aprova a lista das zonas vulneráveis à poluição por nitratos de origem agrícola.
[5] Portaria 259/2012, de 28 de agosto, que estabelece o programa de ação para as zonas vulneráveis de Portugal Continental
NOTA: A análise efetuada consistiu na recolha dos valores médios referentes aos parâmetros azoto amoniacal e nitratos, que estão disponibilizados no Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos (SNIRH), para cada um dos 62 aquíferos. Esses valores foram posteriormente comparados com as normas de qualidade da água destinadas à produção de água para consumo humano que constam do ANEXO I do DL 236/98, de 1 de agosto, verificando se os mesmos cumpriam os critérios de qualidade para águas da classe A1, para os parâmetros Azoto Amoniacal e Nitratos. Concretamente, para o parâmetro Nitratos foi verificado o número de pontos de amostragem, em cada aquífero, que ultrapassavam o Valor Máximo Recomendado (VMR) e o Valor Máximo Admissível (VMA) e para o parâmetro Azoto Amoniacal, o número de pontos de amostragem que ultrapassavam o (VMA) e quantos apresentavam valores três vezes superiores ao VMA. Dados disponíveis para consulta aqui: Dados_Aquíferos_2018 19 20.
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