Início » ZERO exige urgente avaliação do potencial de biomassa residual em Portugal
Política energética sem avaliação do potencial de biomassa florestal residual disponível promove exploração insustentável da floresta e lesa o bolso dos consumidores.
Desde 2006, e no seguimento do Plano Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios (PNDFCI), que os diferentes governos têm defendido a importância da valorização energética da biomassa como forma de redução dos riscos associados, com a dinamização do mercado dos sobrantes florestais e indiretamente o fomento das boas práticas de gestão e exploração florestal sustentável, com alegado retorno positivo para a economia local e fixação de população em áreas interiores. Na realidade o que se constata é a existência de uma exploração insustentável da floresta com a queima de madeira de qualidade para a produção de eletricidade, com fortes implicações económicas para o consumidor em resultado de uma política de subsidiação a este setor que é vertida na fatura de energia.
Recentemente, a Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030, vêm uma vez mais colocar em destaque mais um ciclo de valorização da biomassa florestal residual, centrado na criação de uma cadeia de centrais de biomassa e de biorrefinarias integradas multiprodutos e na promoção de pequenas centrais para geração local de energia (calor ou calor e eletricidade) descentralizadas. Mais uma vez mais assistimos à definição de um conjunto de intenções sem que exista a preocupação de efetuar uma avaliação e análise séria sobre o que foi até hoje a política de produção de energia, com uma inventariação das compatibilidades e incompatibilidades da sua utilização por outros setores que competem pelo recurso biomassa florestal.
Segundo dados da Direção-Geral de Energia e Geologia [1] estão licenciadas 21 centrais de biomassa, dedicadas ou em regime de cogeração, correspondendo a um total de potencia instalada na ordem dos 282 MW, que exigem o consumo anual de cerca de 4 milhões de toneladas de biomassa residual [2].
O Estudo Técnico do Observatório Técnico Independente de abril de 2020[3], refere que, grosso modo, estamos perante um potencial de 8,3 milhões de toneladas de biomassa residual (BFR), dos quais 1 milhão serão matos e 6,3 milhões oriundos da indústria, ainda que não clarifique qual o potencial que neste momento já está a ser utilizado pelos vários setores da indústria, ficando por saber qual o potencial que ainda não está a ser explorado, nomeadamente nas indústrias dos pellets e dos aglomerados de madeira.
A ZERO tem sérias dúvidas de que a valorização de biomassa florestal residual seja ambientalmente sustentável, renovável e amiga do ambiente
Se por um lado, existem fundadas dúvidas quanto à tipologia de material que é queimado nas centrais de biomassa que, tal como foi já constatado pela ZERO [4], queimam rolaria alegadamente com origem em árvores doentes e madeira queimada, também não deixa de ser verdade que não existe um sistema de monitorização que permita de forma séria e credível identificar o tipo de biomassa que está a ser queimada nas centrais de biomassa a nível nacional. Embora esta seja feita com base nos manifestos de corte que obrigatoriamente têm de ser entregues junto do ICNF – Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, os mesmos não passam de meras intenções de intervenção e poderão não mostrar a verdadeira realidade relativamente ao material que está a ser extraído da floresta. Com a agravante de que com a entrada de muita biomassa nas centrais de biomassa já em forma de estilha é praticamente impossível proceder a uma verdadeira rastreabilidade da origem do que está a ser queimado.
Por outro lado, a valorização energética de recursos florestais em centrais de biomassa dedicadas não é propriamente uma atividade neutra em carbono. A queima de biomassa florestal contribui com a emissão de grandes quantidades de gases de efeito de estufa para a atmosfera, assim como para a destruição de ecossistemas cruciais para a captura de carbono, atrasando em décadas a luta contra as alterações climáticas. Apesar de a União Europeia tratar a biomassa como “neutra em carbono”, a queima de árvores não é uma solução climática viável, dado que o espaço temporal necessário para o novo sequestro de carbono pode ser incompatível com a taxa de exploração da biomassa florestal, ainda para mais se considerarmos o baixo nível de eficiência da maioria das centrais de biomassa, na ordem dos 30% e longe das centrais em cogeração que podem alcançar os 80%.
A preocupação com as populações que não existe
A localização das centrais de biomassa nem sempre tem sido a mais correta, seja por errada planificação com a sua instalação em áreas pouco favoráveis para o fornecimento de resíduos florestais, seja porque a sua instalação próxima de áreas residenciais cria conflitos com a população decorrentes de elevados níveis de incomodidade causados pelo ruido e de problemas de qualidade do ar e partículas no ar que obrigam à alteração do modo de vida.
A Central do Fundão, é o caso mais flagrante a nível nacional. Instalada a menos de 500 m de residências, tem levado a reclamações por parte das pessoas que lá residem há mais de duas décadas, que desde junho de 2019 se têm queixado de excesso de ruído e da má qualidade do ar. Estes impactes deveriam ter sido avaliados no âmbito de um Estudo de Impacte Ambiental, o qual não é obrigatório para investimentos com uma potência inferior a 50 MW, e como tal, são processos de licenciamento da responsabilidade da Câmara Municipal.
Devido à ausência de Estudo de Impacte Ambiental, estes impactos não foram devidamente avaliados, resultando num conjunto de problemas que se arrastam há mais de um ano e cuja resolução não se avizinha fácil tendo em consideração que se trata de uma indústria que está em laboração 24 horas por dia.
O contexto de crise climática e recuperação económica a ZERO exige mudanças na política energética
Num contexto de crise climática e de recuperação económica, é fundamental que a política para a floresta e valorização energética dos resíduos florestais seja um exemplo de economia circular e sustentabilidade, algo que nos dias de hoje está longe de ser uma realidade.
Face às preocupações apresentadas anteriormente, a ZERO exige que:
Notas:
[1] Dados enviados pela DGEG a pedido da ZERO em maio de 2020
[2] Tendo por base informação recolhida pela ZERO em 2018, as centrais de biomassa, dedicadas ou em regime de cogeração (algumas instaladas e em funcionamento, outras em fase de projeto), exigiam, se em pleno funcionamento, uma quantidade de BFR que ultrapassaria os 4 milhões de toneladas anuais.
[3] https://www.parlamento.pt/Documents/2020/abril/Biomassa.pdf
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