O fogo contra si mesmo: devemos usar o fogo controlado para prevenir os fogos rurais?
Em Portugal, todos conhecem o perigo que representam os incêndios. Os fogos têm ameaçado florestas, casas, populações e pessoas. Em 2022, Portugal foi o segundo país europeu mais afetado pelos fogos florestais, com 258 incêndios com 30 ou mais hectares de área ardida, correspondendo a uma área superior a 1.000 quilómetros quadrados. Os incêndios ameaçam também a sustentabilidade das florestas, destruindo os ecossistemas existentes e libertando gases de efeito estufa para a atmosfera. A situação não tende a melhorar uma vez que, com as alterações climáticas, o mais provável é que fenómenos como a seca extrema aumentem, potenciando fogos ainda mais devastadores.
Na tentativa de impedir a destruição do território por incêndios altamente destrutivos, as autoridades portuguesas têm ao seu dispor o uso do fogo controlado, isto é, a utilização do fogo de forma controlada e delimitada para prevenir a ocorrência de incêndios difíceis de aplacar. Uma técnica que passa por controlar o combustível disponível para o fogo como, por exemplo, abrindo clareiras de área ardida para que não haja um terreno vasto e contínuo no qual o fogo se possa propagar sem resistência.
Como se usa o fogo controlado e é esta técnica uma solução para a prevenção dos fogos rurais? Eis a sua resposta, descomplicada.
Como surgiu o fogo controlado como instrumento de combate a incêndios?
Quando as populações ainda viviam sobretudo da agricultura e do pastoreio, o fogo era usado pelas mesmas como forma de criar pastagens para o gado e para eliminar as matérias que sobravam da atividade agrícola. No entanto, como consequência do êxodo rural ocorrido em Portugal no século passado, quando a população jovem e ativa deixou o interior para o litoral, a vegetação arbustiva e arbórea foi ganhando cada vez mais terreno. Numa tentativa de rentabilização desse território, impl políticas de florestação, inicialmente como pinheiro-bravo e mais tarde com o eucalipto, o que acabou por criar áreas contínuas e vastas onde o fogo não só encontra combustível como não encontra qualquer obstáculo à propagação. Daí que, entre 1976 e 1981, tenham surgido os primeiros ensaios de utilização de fogo controlado em Portugal. Em 1982, colocou-se em prática o primeiro plano de fogo controlado no Douro e Minho. Entre 1990 e 1993, decorreram algumas ações em povoamentos florestais jovens, mas não foi desenvolvido nenhum plano a longo prazo, até que, em 2006, foi formado o primeiro Grupo de Especialistas em Fogo Controlado – GeFoCo, para dinamizar o uso do fogo controlado. O grupo foi extinto em 2010 por questões orçamentais, mas foi seguido pela criação, em 2011, de oito Equipas de Fogo Controlado (EFC).
Quais as entidades responsáveis pelo fogo controlado?
Atualmente, o fogo controlado, descrito na legislação nacional como “o uso do fogo na gestão de espaços florestais, sob condições, normas e procedimentos conducentes à satisfação de objetivos específicos e quantificáveis e que é executada sob responsabilidade de técnico credenciado” (DL n.º 124/2006, de 28 de junho), é gerido pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). O ICNF é responsável pela base de dados nacional que comporta o Plano Nacional de Fogo Controlado, o Registo de Queimas e o Plano Operacional de Queima. O Plano Nacional de Fogo Controlado é um documento que define a programação das ações de fogo controlado. O Registo de Queimas e o Plano Operacional de Queima é da responsabilidade dos técnicos credenciados e inclui o registo das ações, assim como das entidades envolvidas. Existem ainda as Comissões Municipais de Defesa da Floresta que acompanham o uso do fogo controlado nas suas regiões. O número de técnicos credenciados está acima dos 300.
Com que frequência tem sido utilizado?
Em 2017, o Plano Nacional de Fogo Controlado, documento que se refere a um período de tempo nunca superior a cinco anos, previa uma possível área de intervenção através do fogo controlado de cerca de 260 mil hectares. No entanto, apenas cerca de 78 mil são definidos como áreas de intervenção prioritária. De acordo com os dados mais recentes divulgados pelo governo, as ações de fogo controlado em 2021 cobriram uma área de 3 942 hectares, valor abaixo da média 5.000 ha de área anual a ser tratada com fogo controlado, dos quais 1.000 ha em sub-coberto pinheiro bravo.
É uma solução viável?
Tendo em conta a gravidade e a quantidade das ocorrências de fogos florestais em Portugal, o uso do fogo controlado é um mal necessário para prevenir maiores danos no futuro, e é também uma solução relativamente barata.
A ZERO defende que:
– A prescrição de fogo controlado, combinada com outras formas de gestão, é, infelizmente, necessária face aos riscos que ameaçam a floresta portuguesa.
– Além da utilização cuidadosa desta técnica, é também urgente reduzir drasticamente as ignições (mais de 10.000 em 2022), pensar o território como um todo e desenvolver uma estratégia a longo prazo para as paisagens que tenha em conta as alterações climáticas e a realidade do despovoamento do interior do país.