Se formos todos vegetarianos, teremos terra para todos?
Pensamos e comentamos muito atualmente sobre a forma como comemos e o seu impacto no ambiente. É claro para todos que a forma como usamos os recursos do planeta não é sustentável. Calcula-se que a humanidade consome os recursos de 1,7 planetas anualmente[1], ou seja, estamos a consumir 1,7 vezes mais do que aquilo que a Terra consegue regenerar. Em Portugal, esse número sobe para 2,9 planetas, com o consumo de alimentos e a mobilidade entre as atividades humanas diárias que mais contribuem para tal, representando 30%[2] e 18% da pegada global do país, respetivamente. Desta forma, uma alimentação maioritariamente vegetariana é uma das primeiras recomendações para diminuirmos a nossa pegada ecológica. Mas conseguiríamos reverter estes números se fossemos todos vegetarianos? É possível que não. Eis alguns aspetos que devemos ter em conta nesta matéria, de forma descomplicada.
O custo elevado do transporte
A Terra é constituída por inúmeros ecossistemas muito diferentes entre si. Há de facto algumas áreas no mundo em que não é possível cultivar alimentos, como zonas secas, sejam desertos de gelo ou quentes. Nessas áreas, a baixa produtividade vegetal e a escassez de solo para cultivo levam a dietas locais que não podem dispensar o consumo de animais. Caso contrário, seria necessário abastecer estes locais com vegetais produzidos noutras regiões, necessitando de cadeias longas de transporte de alimento e aumentando a pressão agrícola noutras regiões. Neste sentido, é preciso não esquecer que a expansão agrícola é o principal motor da desflorestação no mundo, levando à destruição de habitats, de sumidouros de carbono e das condições necessárias para a vida de povos indígena, enquanto que o sistema alimentar assente em grandes cadeias de abastecimento é responsável por cerca de um terço de todas as emissões de gases de efeito de estufa.
Um sistema agrícola pouco lógico
De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, o planeta divide-se em terras agrícolas (37%), floresta (31%) e outros (32%). Dos 37% de terras agrícolas, 25% são prados e terrenos de pasto, enquanto que os restantes 12% são terrenos de cultivo. Além disso, usamos também parte do que cultivamos para alimentar esses mesmos animais (como milho para ração) – em Portugal chega a ser cerca de 60% dos cereais usados. Ou seja, usamos mais terra para alimentar os animais, dos quais depois nos alimentamos, do que para nos nutrirmos diretamente, sendo que a indústria das carnes vermelhas, dos lacticínios, e da criação de camarões em viveiros são as maiores responsáveis pela emissão de gases com efeito estufa na produção alimentar. Daí que, onde possível, seja desejável reduzir drasticamente o consumo de proteína animal na nossa dieta e voltarmo-nos para uma alimentação à base de vegetais.
A importância de uma alimentação à base de vegetais
É verdade que nos países industrializados a carne continua a ser uma opção barata tendo em conta o seu valor calórico, mas também é verdade que o custo do consumo excessivo de carne pesa não só no ambiente como na nossa saúde, estando associado a várias doenças. Em Portugal consumimos carne em excesso, uma vez que o contributo calórico médio da carne por habitante é quatro vezes superior ao recomendado para uma dieta média de 2000 calorias.[3]
Devemos por isso, quando as condições do solo o permitem, investir no cultivo de alimentos ricos em proteína vegetal, como as leguminosas, as oleaginosas e os cereais. Devemos ainda incentivar o cultivo local por forma a diminuir a necessidade de transporte dos produtos. Mesmo em áreas urbanas, podemos tirar proveito dos espaços disponíveis e incentivar o cultivo de pequenas hortas (as possíveis) em casas e prédios. Além disso, devemos trabalhar com a circularidade que a Natureza nos oferece, como por exemplo reutilizando águas residuais tratadas ou intensificando a compostagem doméstica. Em Portugal temos raízes culturais numa dieta mediterrânica, que é uma dieta de base vegetal adequada ao nosso contexto, podendo ser uma boa referência para o que colocamos no nosso prato. Por fim, seja qual for a opção de dieta, é de extrema importância o combate ao desperdício alimentar, pois estima-se que cerca de um terço dos alimentos produzidos é atirado ao lixo.
A ZERO defende que:
– Quando possível, devemos adaptar a nossa dieta à capacidade dos ecossistemas agrícolas locais. No nosso contexto nacional, deve haver no geral uma diminuição do consumo de carne e uma aposta numa dieta de base vegetal, tendo a dieta mediterrânica como referência;
– Devemos ainda investir na criação de cadeias curtas e apoiar organizações de produtores e consumidores;
– Os apoios à produção devem incidir em alimentos fundamentais que estão neste momento dependentes da importação, como as leguminosas secas e os cereais.
[1]https://overshoot.footprintnetwork.org/portfolio/we-would-need-1-7-earths-to-make-our-consumption-sustainable-washington-post/
[2] Galli, Alessandro; Pires, Sara Moreno; Iha, Katsunor;, Alves, Armando Abrunhosa; Lin, David; Mancini, Serena; e Teles, Filipe (2020): Sustainable food transition in Portugal: Assessing the Footprint of dietary choices and gaps in national and local food policies, Science of the Total Environment: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0048969720348361
[3] Instituto Nacional de Estatística – Balança alimentar portuguesa : 2020. Lisboa : INE, 2021. Disponível na www: <url:https://www.ine.pt/xurl/pub/437140067>. ISBN 978-989-25-0563-3