Início » ZERO contra a possibilidade de mineração em áreas protegidas e Rede Natura 2000
Decreto-lei que esteve em discussão pública prevê uma Estratégia Nacional dos Recursos Geológicos onde o ambiente e a sustentabilidade não são devidamente acautelados.
Terminou na sexta-feira, dia 31 de julho, a consulta pública da proposta de Decreto-Lei que visa regulamentar a Lei n.º 54/2015, de 22 de junho, no que respeita à revelação e exploração de depósitos minerais que integram o domínio público do Estado, na qual a ZERO participou através da elaboração de um parecer.
Após 30 anos de aplicação de uma legislação que há muito se encontra obsoleta e que continua a regular a atribuição de concessões mineiras, seria expectável que o novo modelo legislativo viesse a evidenciar uma nova etapa nos cuidados relacionados com a atividade mineira, alinhando-a minimamente com os princípios da sustentabilidade e do ambiente. Contudo, não só deixou de fora a sustentabilidade, como utiliza terminologia ambiental para ”pintar de verde” um setor ambientalmente muito sensível, responsável por feridas e passivos ambientais insanáveis no território português, afetando em especial as populações.
Esta é uma legislação que refere a adoção de três eixos estruturantes na regulamentação jurídica da atividade de revelação e aproveitamento de depósitos minerais, formando entre si um sistema de vasos comunicantes, em que cada um deles potencia o cumprimento dos demais, ao nível dos padrões de sustentabilidade, informação e participação pública e repartição justa dos benefícios económicos da exploração entre o Estado, os municípios onde se ela se insere, e as suas populações.
Constata-se que, embora o Ministro do Ambiente e Ação Climática (MAAC), João Pedro Matos Fernandes, em maio de 2019 tenha garantido que não haveria prospeção e pesquisa de lítio em áreas classificadas, a legislação que esteve em consulta e que abarca outros recursos geológicos, não é clara nesse ponto, referindo por inúmeras vezes ao longo do seu articulado que “sempre que possível, a exploração mineira fique excluída nas áreas protegidas, nas áreas classificadas ao abrigo de instrumento de direito internacional e nas áreas incluídas na Rede Natura 2000”. Esta é uma situação que não garante qualquer salvaguarda, ainda mais quando segundo a proposta de Decreto-Lei, em situação de pedidos de prospeção e pesquisa nas áreas anteriormente indicadas, a Direção Geral de Energia e Geologia (DGEG) é a entidade que em última instância decidirá a viabilização, podendo prosseguir mantendo a área inicialmente proposta pelo interessado, mesmo que os pareceres não vinculativos de outras entidades, nomeadamente na área da conservação da natureza, sejam negativos.
Por outro lado, a proposta de legislação procura e bem reforçar a disponibilização de informação e da participação pública, com uma maior transparência dos procedimentos administrativos, desde logo com a publicitação através do Portal Participa.pt das consultas públicas referentes aos procedimentos promovidos pela DGEG, algo que é rotina no âmbito das consultas públicas de outras entidades sob a alçada do MAAC. Contudo, a legislação deveria ter ido mais além, designando a obrigatoriedade de realização de sessões públicas para todos os pedidos de prospeção, pesquisa e exploração, de forma a promover a participação e esclarecimento da população nas áreas visadas. As que estão previstas no articulado são em número muito reduzido ou dependente de determinação por parte da DGEG.
Ainda ao nível da participação é introduzida a possibilidade de pronúncia vinculativa dos municípios. Contudo, a mesma fica limitada aos pedidos de prospeção e pesquisa, passando a não vinculativa para pedidos de concessão para exploração e no procedimento concursal da iniciativa do Governo, algo limitante da ação de defesa dos interesses das populações, dado que não sabendo quais os recursos existentes a e forma de exploração, é difícil formar opinião sobre a mesma.
O retorno para as populações
Uma das bandeiras do Governo foi a partilha dos Royalties com os municípios. “O contrato de concessão de exploração fixa a percentagem dos encargos de exploração, num máximo de metade do seu valor e num mínimo de um terço, a consignar ao Fundo Ambiental para financiamento de projetos da iniciativa dos municípios em cujo território se localiza a exploração do recurso”. Esta é nitidamente uma forma de controlo político sobre os municípios. Acresce que é referido que podem ser financiados, com recurso aos valores consignados, os projetos que beneficiem especialmente as populações mais próximas da exploração do recurso geológico, sendo esta uma situação que deixa abertura para investimentos que podem não resultar num benefício para as populações das áreas-alvo da atividade extrativa que serão certamente prejudicadas no seu modo de vida.
Esta discricionariedade relativamente ao tipo de projetos financiáveis e nítido controlo político poderá não resultar em mais-valias para as populações que realmente são afetadas pela exploração dos recursos geológicos. Para além disso é referido que, de forma inovadora, prevê-se a possibilidade de reversão de bens de exploração para os municípios, como os de produção de energia e de abastecimento de água e tratamento de efluentes. Esta é uma situação, que no caso da reversão das infraestruturas, levanta sérias dúvidas quanto ao efetivo benefício para as populações. Após o encerramento da exploração mineira, certamente muitas estarão obsoletas, criando falsas expectativas.
A legislação deve ser verdadeiramente promotora da sustentabilidade ambiental
A ZERO apela a que a proposta de legislação seja mais ambiciosa no que concerne à participação da sociedade e envolvimento claro e ativo das entidades com competências na área do ambiente e conservação da natureza em todos os processos.
Para tal o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) deve ser previamente consultado na atribuição dos direitos de concessão para prospeção e pesquisa ou exploração, mesmo fora das áreas classificadas, onde deverá ter parecer desfavorável vinculativo, com o intuito de se avaliar se nas áreas alvo se prevê a afetação de habitats naturais e seminaturais, de espécies relevantes para a conservação ou outros valores em presença de forma a fazer cumprir os compromissos perante a aplicação das Diretivas Habitats e Aves.
Para além disso, consideramos que deve estar explícito na legislação que a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) devem ser envolvidas em todos os processos de atribuição dos direitos de concessão para prospeção e pesquisa ou exploração, com o intuito de se avaliar a salvaguarda dos recursos hídricos em presença e outros impactes relevantes, nomeadamente em termos de ordenamento do território, planeamento regional e paisagem.
Por fim exige-se que o Governo, no âmbito da designada “Estratégia Nacional dos Recursos Geológicos” prevista nesta proposta legislativa, vá mais além e promova a elaboração de uma estratégia que não se cinja a uma estreita articulação com todos os intervenientes do setor extrativo e envolva outros atores da sociedade e cujo foco não seja apenas e somente a vertente delapidadora dos recursos geológicos. As populações e os conflitos existentes não devem ser esquecidos, deve haver uma necessária delimitação do que é ou não sustentável em termos de exploração, acautelando os passivos ambientais, a preservação de áreas fundamentais para a subsistência das populações, assim como o adequado fornecimento de serviços de ecossistemas. Mais ainda, será fundamental para além do articular com o Plano Nacional de Energia e Clima e o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050, que nitidamente têm como foco os recursos geológicos utilizáveis na transição energética, ter um enquadramento ao nível do Plano de Ação para a Economia Circular.
Nota:
Parecer da ZERO disponível aqui
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