Início » ZERO opõe-se frontalmente a voos noturnos sem limites no aeroporto de Lisboa durante mais de um mês
ZERO entende ser ilegítimo que, em nome da atualização de um sistema de controlo de tráfego aéreo, os cidadãos de Lisboa e Loures sejam chamados a ser sacrificados com níveis de ruído noturno intoleráveis.
O Ministério das Infraestruturas prepara-se para autorizar voos noturnos sem imposição de quaisquer limites no aeroporto Humberto Delgado na Portela durante mais de um mês, estando até ao dia 4 de outubro em consulta pública o projeto de portaria governamental que procederá a essa autorização. A operação noturna de aeronaves neste aeroporto rege-se pela Portaria 303-A/2004 de 22 de março, a qual autoriza a operação dentro de alguns limites, quer em termos do número de voos, quer no tocante às aeronaves que podem operar em função das suas emissões sonoras. A portaria em consulta destina-se a fazer suspender esses limites durante o próximo período de 18 de outubro a 28 de novembro por motivos de atualização do sistema de controlo aéreo, pois há a intenção de alocar ao período noturno voos que ocorreriam em período diurno – ou seja, durante um período que pode durar 41 dias, haverá durante a noite mais aviões a sobrevoar Lisboa do que o normal. A ZERO participou no processo de consulta pública, pronunciando-se de forma veementemente negativa pelo seguinte conjunto de razões.
O ruído constitui uma forte perturbação da qualidade de vida, nomeadamente o ruído noturno, causando doença cardiovascular, stress, redução da capacidade de aprendizagem das crianças, défice cognitivo nos adultos, entre outros distúrbios e patologias. A Organização Mundial de Saúde (OMS), em locais afetados pelo tráfego aéreo, recomenda fortemente valores máximos da contribuição do ruído dos aviões de 40 dBA em período noturno e 45 dBA no período das 24 horas do dia.
Em julho de 2019, a ZERO fez medições de ruído no Campo Grande que revelaram valores muito acima das recomendações da OMS e dos limites definidos no Regulamento Geral do Ruído, com um nível de ruído na 24h do dia de 74 dBA, 9 dBA acima do limite legal aplicável (65 dBA), e um nível de ruído noturno de 66 dBA, 11 dBA acima do limite legal nesse período do dia (55 dBA). Para referência, um aumento de 10 dBA corresponde ao dobro do ruído em termos de sensação auditiva. As medições foram repetidas no fim de abril de 2020, em plena pandemia e com um tráfego aéreo residual, com registo de valores elevados mas dentro da legalidade. Já em julho de 2022, medições em Camarate registaram o regresso à situação de ampla violação dos limites estabelecidos.
Posto isto, a ZERO faz notar, em primeiro lugar, que o sobrevoo da cidade de Lisboa por aviões em período noturno – mais de 20.000 voos por ano no período das 23:00 às 07:00 – afeta mais de 150.000 cidadãos com níveis de ruído insalubres e ilegais. Em segundo lugar, a autorização concedida pela Portaria 303-A/2004 trata-se de um caso singular em toda a Europa, onde aeroportos que afetam muito menos população encerram totalmente em período noturno. Em terceiro lugar, os limites estabelecidos na Portaria, 26 voos no período das 0:00 às 6:00 e 91 voos semanais, são extremamente generosos para a atividade aeroportuária e ao mesmo tempo extremamente lesivos do descanso dos cidadãos, bem como o horário, circunscrito a seis horas por noite, é demasiado reduzido. Em quarto lugar, tem existido uma reiterada e flagrante violação destes limites, com excedências em mais de 50% no número de voos permitidos, o que prefigura conivência com a ilegalidade e grosseira negligência em relação às populações afetadas por parte das autoridades. A ZERO entende que este estado das coisas, já de si grave, não pode ser agravado sob nenhum pretexto durante nenhum período de tempo.
A ZERO não entende como é possível, em nome da atualização de um sistema de controlo de tráfego aéreo que provocará algumas disrupções na operação do aeroporto, serem os cidadãos de Lisboa e Loures chamados a ser sacrificados com níveis de ruído noturno inaceitáveis durante um período superior a um mês. Na opinião da ZERO, esse ónus não pode recair sobre os cidadãos, devendo a ANA Aeroportos e entidades responsáveis procurar vias alternativas para lidar com a situação.
O descanso, o sono, a qualidade de vida e o direito ao ambiente são direitos constitucionalmente consagrados e tidos como fundamentais nos artigos 25.º e 66.º da Constituição da República Portuguesa. Por isso, a Portaria 303-A/2004 que autoriza a operação aeroportuária em regime noturno dentro de alguns limites é, no entender da ZERO, inconstitucional, e, por maioria de razão, o regime excecional agora em consulta que suspende esses limites também o é.
A ZERO já tinha alertado que, no seu entender, estamos perante um passo para uma expansão encapotada do aeroporto. De facto, a atualização do sistema de controlo tráfego aéreo para o sistema TOPSKY tem em vista aumentar a capacidade de gestão no aeroporto Humberto Delgado para responder a um aumento de tráfego aéreo, e não só garantir a segurança operacional – ou, por outra, destina-se a garantir a segurança operacional em face de mais movimentos aéreos.
Esta atualização é uma das medidas que viabilizarão a expansão de capacidade no aeroporto da Portela – leia-se a capacidade horária de mais aviões aterrarem e descolarem –, algo a que a ZERO se opõe frontalmente, sobretudo sem a Avaliação de Impacto Ambiental que quantifique o dano acrescido em termos de ruído e poluição a que os cidadãos de Lisboa e Loures ficarão sujeitos, obrigatória ao abrigo do regime jurídico no Decreto-Lei n.º 151-B/2013.
Embora na documentação anexa à consulta pública seja referido que “o processo de migração (…) não se insere em qualquer operação de expansão do AHD” (aeroporto Humberto Delgado), também é dado como justificativo da migração o esgotado nível da capacidade do atual sistema, que limita “a capacidade do número de voos processados”, algo que o TOPSKY resolverá.
Para a ZERO, estamos perante um velado mas óbvio passo para a expansão de capacidade do aeroporto, sendo as recentemente anunciadas obras de modernização num valor de mais de 200 milhões de euros um outro passo – a maior “fluidez”, “maior eficiência”, e “redução de atrasos”, terminologia usada para justificar estas obras, não passam de eufemismos para um aumento do número de voos, agravando de forma despudorada o calvário dos cidadãos lisboetas.
A ZERO lamenta que a constituição de interessados para esta consulta pública tenha sido lançada a meio do Verão, em plenas férias, e por um período de tempo de apenas duas semanas, o que propiciou uma fraca participação. Além disso, a consulta foi restrita aos “interessados” que “comprovem a respetiva legitimidade, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 68.º do CPA”. Na interpretação da ZERO, estamos perante a “proteção de interesses difusos perante ações ou omissões da Administração passíveis de causar prejuízos relevantes não individualizados em bens fundamentais como a saúde pública”, e por isso qualquer cidadão ou entidade, mesmo não diretamente afetado, deveria ter podido participar na consulta.
A ZERO faz notar que estarmos perante uma atualização do sistema de controlo aéreo do aeroporto que custará cerca de 104 milhões de euros, obras anunciadas para aeroporto no valor de 200 a 300 milhões e euros, mas o mais elementar e barato cumprimento do Plano de Ações de Gestão e Redução de Ruído para o Aeroporto Humberto Delgado continua esquecido, algo que a ZERO não compreende nem aceita.
É verdade que este plano está profundamente desatualizado, é insuficiente, prevendo obras de insonorização num conjunto muito limitado de edifícios, está mal concebido e cheio de lacunas; não obstante, ele existe, e deve-se cumprir antes mais nada. Para efeitos comparativos, o plano anterior, para o período 2013-2018, também largamente incumprido, foi estimado com custos da ordem dos 4,5 milhões de euros, o que compara com os mais de 300 milhões de euros de investimentos anunciados no aeroporto. Para a ZERO, esta é uma inadmissível inversão de prioridades.
ZERO continua a recolher reclamações sobre ruído dos aviões
Ao contrário da esmagadora maioria das entidades gestoras dos grandes aeroportos europeus, no site do aeroporto de Lisboa não existe um formulário que permita aos cidadãos de uma forma expedita queixarem-se do ruído provocado pelo seu tráfego aéreo. No site da ANAC (entidade reguladora do sector da aviação) também não é possível ao cidadão comum apresentar essa queixa de uma forma simples.
Assim, no sentido de facilitar esta reclamação a todos os queixosos, a ZERO disponibiliza no seu site um formulário que pretende contribuir para remediar esta situação, dando voz aos cidadãos afetados e aos quais não é dada oportunidade de se fazerem ouvir pelas entidades competentes. As reclamações recolhidas serão dirigidas, pela ZERO, à ANA Aeroportos, ANAC e ao município da área de residência. Desde que o formulário foi disponibilizado, em julho, a ZERO já recolheu cerca de 200 reclamações, o que denota a dimensão do problema.
Finalmente, a ZERO apela a todos os que se constituíram como interessados e ainda não participaram nesta consulta pública a não deixarem de o fazer até ao próximo dia 4; para o efeito, podem fazer-se valer dos elementos constantes neste comunicado, incluindo textualmente.
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