Opinião – Será uma utopia refrigerar e climatizar sem aquecer o nosso planeta?
A refrigeração e a climatização são os pilares invisíveis da sociedade moderna, fundamentais no nosso dia-a-dia que, geralmente, negligenciamos e tomamos por garantido. Facilmente associamos à preservação dos alimentos e ao conforto térmico, mas ignoramos que estão também profusamente presentes em outros gestos do quotidiano, como por exemplo, na saúde, veja-se o caso da preservação das vacinas, na segurança e até na produção de energia.
Como beneficiários finais, a generalidade dos consumidores desconhece os mecanismos no cerne dos processos de regulação de temperatura, ignorando que tanto a refrigeração como a climatização só são possíveis através do uso de fluidos específicos, designados fluidos frigorígenos que, desde o início do século XX, têm vindo a sofrer enormes transformações.
O arrefecimento que nos aquece
Em 2022, celebrámos os 35 anos do Protocolo de Montrea e a ZERO alertou para as lições importantes a reter, dos Clorofluorcarbonos (CFC) – responsáveis pela destruição da camada de ozono, aos Hidrofluorocarbonos (HFC) – inofensivos para o ozono estratosférico mas poluentes climáticos poderosos. Os HFC são gases fluorados com efeito de estufa de centenas a milhares de vezes mais potente que o dióxido de carbono (CO2) e, portanto, verdadeiras bombas climáticas (substâncias com elevado potencial de aquecimento global, PAG).
A Emenda de Kigali (2016) ao Protocolo de Montreal, introduziu o combate às alterações climáticas através da restrição da produção e utilização de HFC com elevado PAG, e promovendo a sua substituição por compostos com menor impacte climático. Este acordo propõe a redução de 80% dos HFC, num período de 30 anos, por forma a evitar um aumento de 0,5ºC da temperatura global até ao final do século. Desde Montreal que a UE lidera este processo de transição estando este ano, de 2023, a decorrer a revisão do Regulamento que operacionaliza na União essa transição e que representa um passo crucial para a meta europeia de controlo de emissões dos gases de efeito estufa.
À medida que apostamos na descarbonização do mix energético que consumimos, as emissões provenientes destes fluidos, usados na refrigeração e climatização, são cada vez mais evidentes e preponderantes. Por exemplo, a substituição de uma caldeira a gás por uma bomba de calor, com maior eficiência mas que carrega um fluido sintético fluorado representa um contrassenso, não só em termos climáticos como em termos económicos já que, o serviço e manutenção desses equipamentos (cujo tempo de vida se estima em cerca de 20 anos) será progressivamente mais caro à medida que as restrições forem apertando. Por essa razão, a ZERO tem apelado a uma revisão ambiciosa do regulamento, que introduza por exemplo, um PAG limite baixo para todos os novos equipamentos, por forma a proteger os consumidores, individuais e coletivos, de investimentos ociosos e perniciosos para a economia dos Estados-Membros e para as metas climáticas europeias. Aspecto particularmente relevante à luz da demanda do plano RePower EU, em que a União é chamada a corresponder ao desafio da descarbonização com a implementação de 30 milhões de bombas de calor até 2030. O mesmo acontece com os equipamentos de ar condicionado, cuja procura se prevê que escale com o aumento das temperaturas.
A agravar este cenário acresce que, as emissões associadas ao uso destes fluidos podem ser diretas ou indiretas, ocorrendo no momento de produção, utilização e manutenção mas, sobretudo, no fim de vida. Particularmente relevante para o nosso país já que, Portugal, foi apontado como o pior da Europa a reciclar os equipamentos que contêm estes poderosos poluentes, os Resíduos Eléctricos e Electrónicos (REEE), o que significa que a generalidade destes gases são diretamente libertados para a atmosfera.
O caminho não será fácil mas será natural
Se de facto não queremos comprometer as gerações futuras, o caminho a traçar passa não só por acelerar o processo de transição mas, e à luz das lições de Montreal, assegurar que as novas soluções não se irão converter em novos problemas.
A ZERO vê com grande preocupação a aposta da indústria AVAC em ‘novos problemas’, isto é, numa nova geração de fluidos sintéticos que tenta corresponder com a exigência de baixo PAG mas que representa um risco ambiental grave. Estes compostos, os HFO (hidrofluorolefinas), são ou degradam-se em substâncias perfluoaquiladas (PFAS) persistentes, muitas vezes designadas, e não de forma inocente, de “químicos eternos”, que contaminam água e solos, e que a União Europeia já anunciou que irão ser alvo de amplas restrições através da revisão do regulamento para os químicos REACH.
Felizmente, sectores europeus inovadores apostaram fortemente, nas últimas décadas, no desenvolvimento de soluções verdadeiramente “à prova de futuro”, isto é, que equacionam a sustentabilidade, a eficiência e até a resiliência europeia face à crise energética, agravada pelo conflito com a Rússia. A resposta são os fluidos alternativos, de baixo PAG, designados por naturais, tais como, os Hidrocarbonetos (HC), a Amónia (R717), o Propano (R290) e o próprio CO2 (R744). Ao contrário dos sintéticos, os fluidos naturais não se degradam em químicos tóxicos, não estão presos a patentes e já são produzidos na Europa, contribuindo para a segurança da cadeia de valor e resiliência económica e ambiental da UE.
Não existem soluções únicas e perfeitas para responder a um setor tão variado e extenso, como o da refrigeração e climatização, mas os fluidos naturais são hoje globalmente reconhecidos como a solução de futuro, mais eficiente e segura.
Falta o consenso das instituições políticas, cuja mensagem se conhecerá em breve e se repercutirá por todo o sector, ditando o sentido do investimento que conduzirão as próximas décadas, esperemos que, no sentido da harmonização com os objetivos de uma União Europeia mais sustentável e mais resiliente climática, energética e economicamente.
Por um mundo mais fresco… naturalmente!
Artigo escrito por Natasha van Doorn